Ponto para Reflexão

O gênero de Deus e o seu - apenas uma ideia útil

Perceber Deus como do gênero masculino é automático, mas isto é apenas uma construção social

O gênero de Deus e o seu - apenas uma ideia útil

A militância transvestegênere, assim como diversos acadêmicos, sempre defendeu que gênero é uma construção social. Isto significa que não é um dado espontâneo, natural. Não é cor da pele, ou do cabelo, onde os originais não são determinados nem pela pessoa, nem pelo meio em que vive. Não é a nacionalidade – escolhida apenas por quem se naturaliza em outro país. Não é a filiação biológica, “acidente de percurso”.

Construção social é aquilo que um grupo de pessoas decide fazer em conjunto.

– O folclore, o conjunto de histórias e lendas de um povo

– A reação que se tem à pessoa estrangeira, estranha, ao grupo

– O valor que é conferido às profissões – em Luxemburgo, o salário mensal de professor é pouco mais que 8.000…dólares; na Alemanha, 5.000…dólares; no Brasil…

– As atitudes que são consideradas morais entre um povo serão imorais entre outro

Gênero é uma construção social. A definição do que é próprio a cada gênero varia de cultura a cultura. Este dado frequentemente é omitido pelas pessoas transfóbicas. E elas apelam para um dado cultural brasileiro: as bases gerais da cultura brasileira tornaram-se cristãs ao longo do tempo. (Nota de rodapé: graças ao extermínio dos habitantes originais da terra onde hoje habitamos)

Sendo cristãs, há o argumento de que a bíblia determina a existência exclusiva de dois gêneros (lembro a quem nos lê que gênero não é sinônimo de sexo). E que gênero é um dado biológico.

Vou discordar.

O Deus cristão é Trino: Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo. Para as três pessoas a língua brasileira usa o pronome masculino. Mas no grego, idioma original dos Evangelhos, Espírito (pneumati) é uma palavra de gênero neutro: não é masculino, não é feminino. Assim como a palavra para criança (tekna). Mais surpreendente, no hebraico, espírito (ruah) é… feminino!

Deus Pai tem várias atitudes típicas do mundo feminino na época em que os textos foram escritos. Ele “faz nascer” o povo de Israel. Ele cuida de Israel como uma mãe. Ele dá pão ao povo. Todas atitudes, naquele contexto, femininas.

Não é necessário demonstrar, pois é de conhecimento de todos. O Deus cristão não tem corpo. Ainda que as Escrituras falem do Seu braço, ou boca, todos compreendem como analogias, pois Jesus ensinou “Deus é espírito”. Mas nos referimos a Ele no masculino. Ou seja, nos referimos a Ele sem que exista uma anatomia que defina o Seu gênero!

Um religioso defende que Deus determinou que fosse conhecido pelo masculino. Essa é a vontade dEle. E não temos Sua autorização para tal mudança. É um ponto de vista…que resolve colocar as questões pontuadas acima como de menor importância. E que adota a visão que fatores culturais de milênios atrás são eternos…

Mas outro religioso, do século IV (época muito mais patriarcal que a atual sociedade ocidental), Gregório de Nazianzo, tinha opinião diferente. E vou acrescentar uma nota maldosa. A produção intelectual de Gregório é muito superior à do religioso citado anteriormente. Nazianzo rejeitava qualquer ideia de que Deus era macho porque Ele era referido como pai, ou que o Espírito fosse um objeto, porque o termo é gramaticalmente neutro. A paternidade de Deus seria independente da sexualidade ou capacidade de reprodução biológica. Esta seria fundamentalmente uma noção relacional. Assim como os aspectos femininos. Deus não é uma mulher. Deus não é um homem. Deus é Deus. Mesmo que seja referido no masculino…

É possível perceber que, mesmo na bíblia, usada e abusada pelas pessoas transfóbicas, gênero é uma construção social?

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