Interrompa o ódio

O ódio às pessoas trans oculto pela frase "Deus não erra"

três palavras inocentes que disfarçam o ódio

Mural na fachada da igreja Pibara Foto: Arquivo Pessoal
Mural na fachada da igreja Pibara Foto: Arquivo Pessoal

O cristianismo fundamentalista crê em muitas coisas. E não crê em muitas outras. O que este grupo, que não é pequeno, se recusa a perceber? Que é reconhecido não pelo que acredita, mas pelas consequências do que não crê.

Em que ele não crê?

Que palavras têm poder. Poder para curar ou adoecer. Para fazer crescer ou abater. Aumentar o autorrespeito ou destroçá-lo. Não porque haja nelas mágica. Mas porque palavras existem quando pessoas se comunicam. Quando pessoas estabelecem algum elo. Seres humanos são interdependentes. Dependem uns dos outros para se reconhecerem enquanto pessoas. Palavras trazem reconhecimento. Ou não.

Aparentemente o cristianismo fundamentalista crê que Deus opera na vida das pessoas sem palavras ditas por pessoas. Ou que Ele transforma palavras de morte em palavras de vida por um passe de mágica. Talvez seja esta a razão pela qual este grupo diz às pessoas transvestegêneres: “Deus não erra”. Parece afirmar isto com a inocência estampada no rosto. Ou com a crueldade disfarçada de altruísmo.

Afinal, pessoas transgêneros existem. Nenhuma que conheço (mais de 500) afirma que escolheram ser trans em um momento de ócio. Ou por falta de aventura. Ou por qualquer razão que seja. Todas afirmam que a transgeneridade estava dentro delas, contra a vontade. A única escolha feita é aceitar este fato, e não esconder a realidade.

Então, existem. É possível existir algo que Deus não tenha criado? O cristianismo, fundamentalista ou não, afirma que todos os seres humanos são imagem e semelhança do Criador. Logo, pessoas trans existem, e são imagem e semelhança do Criador. Mas o fundamentalismo afirma que trans não podem existir, pois seria um erro. Homem com vagina e mulher com pênis são erros.

Porque é discurso de ódio

O sentimento despertado em uma pessoa trans pela fala “você não existe, porque Deus não fez você, porque Ele não erra, porque genitália determina gênero” é qual? Alegria? Realização pessoal? Ser acolhide? Amade?

O fundamentalismo é incapaz de sair de sua própria bolha. É incapaz de dialogar com o contrário. Não suporta um dado novo ou uma estatística contrária a sua crença. Porque é ela que é divina, e não Deus. É a crença o verdadeiro deus (ou deusa!) do fundamentalismo.

São palavras assim, de aparência piedosa e teologicamente perfeita, “Deus não erra” que matam. Afinal, o que leva as pessoas trans a se matarem em número 15 vezes superior ao das pessoas não trans? A percepção de não serem aceites pela sua família. A repulsa demonstrada pela sociedade em geral. A recusa ao buscar emprego. 

Três palavras que, ao final, são discurso de ódio. Porque elas trazem a seguinte consequência: pessoa transgênero somente será aceita se negar a si mesma, se mentir a si mesma, se deixar de ser ela mesma. Este é um discurso de amor?

Três palavras que são de ódio porque automaticamente desumanizam as pessoas trans. Sim, porque contrariando parágrafo anterior, elas afirmam que a pessoa trans é, em si mesma, má. Não pode ser de Deus. Não escolhe ser trans. Logo, somente pode ser do demo… Se são do mal, não devem existir. Sua existência é uma afronta a Deus e ao restante da humanidade. O que acontecem a pessoas assim?

Consequências

As bruxas na idade média eram consideradas e tratadas como seres humanos ou eram caçadas e eliminadas como animais? Condutas autorizadas por um pensamento “piedoso”. Por um discurso de ódio.

Publicação recente no Instagram fala sobre as repercussões do discurso de ódio.

  • o holocausto não começou nas câmaras de gás. Começou com o discurso de que os judeus eram responsáveis pelas desgraças que se abateram sobre os alemães ao final da primeira guerra
  • O grupo étnico em Mianmar é perseguido e morto, porque um discurso de ódio precedeu a caça aos Rohingya
  • O massacre dos tutsis em Ruanda foi precedido por décadas de desumanização desta etnia

Palavras matam. Matam porque quem as pronuncia não ama, a não ser a si mesme (será possível o autoamor?).

O cristianismo fundamentalista mata a população LGBTQIAP+ afirmando estar preocupado com o fogo do inferno no futuro, destinado a ela. A mesma justificativa para queimar mulheres acusadas de bruxaria, pessoas acusadas de heresia… Passam os séculos, mas a humanidade parece não aprender…

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