Há uns dias, uma seguidora me enviou uma mensagem. Segundo relatado por ela, o ex-marido havia ameaçado tirar a guarda do filho dela depois que ela assumiu sua orientação sexual e um relacionamento lésbico.
Eu já havia recebido relatos assim de mulheres ameaçadas por seus pais no mesmo sentido.
A resposta ao questionamento é: NINGUÉM perde o direito como mãe, pai ou a guarda de um filho ou uma filha por causa de sua orientação sexual ou identidade de gênero. Não há qualquer lei no ordenamento brasileiro que permita isso. Aliás, isso se enquadraria em um ato de LGBTIfobia, o que hoje é crime no Brasil.
Inclusive, o artigo 1636 do Código Civil Brasil estabelece expressamente que os pais ou as mães que contraírem um novo casamento ou união estável com outra pessoa, não perdem, quanto aos filhos do relacionamento anterior, os direitos ao poder familiar, exercendo-os sem qualquer interferência do novo cônjuge ou companheiro.
É bem verdade que existem sim alguns motivos que podem levar uma mãe ou um pai à perda do direito a maternidade ou paternidade. É o que chamamos de Perda do Poder Familiar. O Código Civil Brasileiro estabelece que o Poder Familiar compete às mães e aos pais. Ainda diz que a separação judicial, o divórcio ou a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais/mães e filhos.
Mas Keila, o que é Poder Familiar?
Bom, o Poder Familiar, conforme dispõe o art. 1634 do Código Civil, consiste na competência e obrigações conferidas às mães ou aos pais para, em relação aos filhos e filhas menores de idade:
I – dirigir-lhes a criação e a educação;
II – exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584;
III – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;
IV – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior;
V – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município;
VI – nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;
VII – representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;
VIII – reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;
IX – exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.
O Código diz que Poder Familiar acaba quando o pai/a mãe ou o filho/a filha falece; ou quando o filho/a filha é emancipado/emancipada [passa a ser considerado maior de idade]; ou quando o filho/ a filha atinge a maioridade; ou pela adoção do filho ou da filha por outra pessoa; ou por decisão judicial, nos casos de Perda do Poder Familiar. Observe as hipóteses que o artigo 1.638 do Código Civil fala que são motivos para a perda do Poder Familiar:
I – castigar imoderadamente o filho; [Exemplo: filho espancado]
II – deixar o filho em abandono;
III – praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;
IV – incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.
V – entregar de forma irregular o filho a terceiros para fins de adoção.
Ainda diz que perderá o Poder Familiar aquele que praticar homicídio, feminicídio, lesão corporal grave ou seguida de morte, em caso de violência doméstica ou discriminação à condição da mulher, assim como praticar estupro ou outro crime contrário à dignidade sexual, sujeito à pena de reclusão.
Exemplo: o pai tenta matar a mãe ou vice-versa. O pai agride a mãe (violência doméstica), causando lesão corporal grave e a mãe morre.
Por fim, diz também que perderá o Poder Familiar o pai ou a mãe que praticar contra o filho, a filha ou outros descendentes os mesmos crimes descritos acima.
Essas são as hipóteses previstas em lei. Ressaltando que assumir orientação sexual ou identidade de gênero nada tem a ver com praticar ato contrário à moral e bons costumes. Ato contrário à moral e bons costumes é uma expressão vaga, arcaica, patriarcal e difícil, inclusive, de ser definida na prática. Um exemplo prático disso é que o ato que pode ser contrário à moral e aos bons costumes em uma determinada cidade do interior do Brasil, pode não significar nada em uma cidade grande. Ou vice-versa.
De todo modo, viver relacionamento homoafetivo ou assumir sua identidade de gênero nada tem a ver com ato contrário à moral ou bons costumes. Aliás, é sempre bom relembrar que o Supremo Tribunal Federal reconheceu as uniões formadas por pessoas do mesmo gênero como entidades familiares. Somos família, como qualquer casal heterossexual.
Conclusão: não há nenhuma norma que determine que alguém perderá a guarda ou condição de mãe ou pai por causa de sua orientação sexual ou identidade de gênero.
Inclusive, já temos várias decisões judiciais deferindo o registro das duas mães ou dos dois pais na certidão do filho, assim como já postei na minha página @direitolgbtqiap, no instagram, decisões judiciais concedendo direito do registro da filiação em consonância com a identidade de gênero. Em uma das decisões, proferida pela Justiça do Rio Grande do Sul, uma mãe transexual, que vive um relacionamento com outra mulher, conseguiu registrar o filho biológico como mãe. A outra decisão, proferida pela Justiça de Minas Gerais, concedeu o direito de um pai trans retificar o seu nome no registro do filho gerado antes da transição, mesmo contra a vontade do outro pai.
Ou seja, os direitos vêm sendo reconhecidos aos poucos pelo Poder Judiciário.
Assim, não importa se você está em um relacionamento homoafetivo ou assumiu sua identidade de gênero. Você não perde seu filho ou filha por esse motivo. Quem te ameaçou é que pode ser denunciado por homofobia ou transfobia.
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