Ao longo de mais de cinquentas anos de história, as emissoras brasileiras são alvos constantes de críticas por entidades sociais ligadas à preservação dos Direitos Humanos por suas produções que estimulam o preconceito e fortalecem o status quo. As novelas e os humorísticos lideram a lista de reclamações.
No livro “A TV No Armário”, o jornalista Irineu Ramos Ribeiro trata dessa questão como algo preocupante. Para ele, “nos programas de humor e nos de entretenimento, inclusive nos programas jornalísticos, as emissoras produzem personagens exagerados em trejeitos e caricatos em comportamento, o que não condiz com a realidade ampla do mundo homossexual”.
A televisão continua exercendo um papel importante na sociedade brasileira. O Brasil é um dos países que mais consomem TV no mundo: 95% dos brasileiros assistem televisão, 73% diariamente, em média quatro horas e meia por dia, de acordo com dados da última Pesquisa Brasileira de Mídia, realizada pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom).
Somando as três principais emissoras do país (Globo, Record e SBT), vão ar de segunda a sábado sete novelas inéditas, sem levar em consideração as tramas reprisadas e as produções internacionais. Programas de entretenimento e telejornais completam a essência da grade desses veículos.
Poucos duvidam do poder que os meios de comunicação de massa têm em manipular as pessoas, quando não raro ditando estilos de vida e incutindo estereótipos no subconsciente delas.
Irineu dedica a maior parte do seu trabalho na análise da cobertura dos telejornais das principais emissoras nacional (Globo, Record, SBT, Band, TV Gazeta, Rede TV! e Globo News) do maior evento de visibilidade LGBT do país: a Parada do Orgulho LGBT de São Paulo. Segundo o jornalista, em 99% dos casos os jornais tergiversam em suas matérias ao não veicular o fato noticioso, ou seja, a Parada, dando preferências para questões de economia e segurança, em vez da importância do evento em si.
A falta de responsabilidade social e a ausência de uma análise política sobre o tipo de representação necessária é o principal problema na visão do blogueiro e militante Fabrício Longo, que reconhece haver pouca representatividade LGBT em produtos culturais como novelas e seriados, mas afirma que tais veículos não têm a “obrigação de tratar a causa”, tampouco é correto apontá-la (a televisão) como a principal culpada pelos estereótipos, quando, na realidade, o problema é estrutural, ou seja, social.
“Muita gente reclama que a TV promove um estereótipo ao mostrar gays efeminados, mas qual é a solução disso? Não mostrar? Efeminados não existem? Ou será que eles não são considerados como representação válida para uma comunidade que ainda busca se afirmar através de uma idolatria da masculinidade?”, afirma Longo. “É óbvio que aquilo que aparece na TV reflete o nicho social em que os grupos já se encontram. A bichinha, o negro como serviçal, etc., mas não dá para pensar na TV como uma entidade em si, sempre com desejos e agendas específicas. Ela forma opiniões mas também reflete (o pensamento da sociedade)”, completa.
É inegável que houve um avanço na abordagem de lésbicas, gays, bissexuais e pessoas trans ao longo dos últimos seis anos. Vitórias pequenas, mas significativas, foram conquistadas, acompanhadas da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que aprovou a união entre pessoas do mesmo sexo no país.
Houve o primeiro beijo entre dois homens em 2014, protagonizado pelos atores Mateus Solano e Thiago Fragoso na novela “Amor à Vida” (Walcyr Carrasco, TV Globo – 2014), a frequência de casais homoafetivos nas dramaturgias aumentou e até uma cena de sexo já foi exibida. Contudo, para o cineasta e diretor de filmes LGBT’s, Lufe Steffen, a TV ainda é a produtora de ficção mais retrógrada e conservadora, em comparação com o teatro e o cinema.
Steffen não ignora a evolução do tema nas peças de ficção na TV aberta, mas alerta para a diferença entre quantidade e qualidade. Segundo ele, ainda existe o ranço do estereótipo, a dificuldade em criar um personagem LGBT mais complexo e a criminalização do sexo gay, criando personagens assexuados, para tornar a trama mais palatável ao público conservador.
“No cinema existe mais liberdade para os roteiristas e diretores serem mais ousados, porque não existe preocupação com a audiência. O cinema se permite mais. O sexo aparece, os personagens são mais sexualizados, provocativo. Na TV os personagens LGBT são castos. Eles tiram a sexualidade e o erotismo como forma de passar para as famílias que assistem a imagem que eles são primos felizes e não um casal”.
Ainda de acordo com o cineasta, tanto no cinema, quanto na televisão, há uma deficiência no tratamento das “T” (travestis, transexuais, transformistas). Para ele, o universo “T” da sigla continua sendo um ambiente misterioso e enigmático, que a sociedade ainda não conseguiu assimilar, portanto, carece de melhor atenção, tratamento e representatividade.