Nesta edição em homenagem à genial cantora e compositora Miriam Batucada, traremos uma entrevista exclusiva com Ricardo Santhiago, autor da primeira biografia da artista que, entre outros fatores, aponta a homofobia como elemento que fechou as portas do mainstream para uma das artistas mais talentosas da história do Brasil.
Miriam Batucada, sem dúvida, foi uma das artistas mais originais e versáteis da Música Popular Brasileira.
Trabalhou desde os 14 anos nos mais diversos ambientes, de restaurante à enfermaria, até expor e ter seu talento musical aprovado num famoso programa da TV Record nos anos 1960.
Um ano depois deste momento épico em sua carreira foi reconhecida como instrumentista pela Ordem dos Músicos do Brasil.
Miriam tocava acordeon, piano e violão com desenvoltura, mas sua marca registrada foi mesmo o batuque com as palmas da mãos que lhe conferiu a alcunha de Miriam Batucada.
Neste mesmo ano de 1967, Miriam grava pela Rozenblit um compacto simples contendo a canção “Batucando Na Mão”, primeira composição do magistral Renato Teixeira registrada em disco.
Miriam Batucada foi uma compositora muito a frente do seu tempo, abordando já nos anos 1970 temas que estão em voga nos dias de hoje como o orgasmo feminino na canção “Samba do Orgasmo” e a psicanálise que aparece na canção “Fui Procurar Um Psicanalista”. As duas canções estão presentes no álbum “Infiel, Marginal e Artista”, lançado recentemente e que nos oferece a obra de Miriam Batucada nas mais diversas vozes da MPB como Zeca Baleiro, Maria Alcina, Marcos Sacramento, Sílvia Machete, Ayrton Montarroyos, entre outros.
O álbum foi produzido por Ricardo Santhiago, historiador, comunicólogo e professor da Unifesp, que lançou em maio a biografia “A História Incompleta de Miriam Batucada” pela Editora Popessuara.
Ricardo Santhiago nos concedeu uma entrevista exclusiva na qual podemos explorar alguns pormenores da vida artística de Miriam Batucada.
A entrevista pode ser lida na sequência.
Observatório G: Como nasceu aquela batucada com as mãos que caracterizou o trabalho da Miriam?
Ricardo Santiago: A Miriam aprendeu essa batucada na juventude. Ela frequentava um salão de beleza no bairro e conheceu a filha da dona do salão de beleza que tinha como apelido Chacareira porque ela morava em uma das chácaras, que eram os loteamentos territoriais da época. Os grandes terrenos da Mooca foram primeiro divididos em chácaras e por isso essa menina tinha o apelido de Chacareira, porque ela morava um pouco mais distante, numa dessas chácaras. Ela era uma menina que era “falada” no bairro naquele período porque ela tinha o hábito de ir aos bailinhos e dançar com o rosto colado com os meninos. Este era um gesto transgressor na época. Era uma menina que, por essa razão, pouca gente falava com ela e Miriam foi uma das poucas pessoas que se aproximou dela e um pouco com esse interesse de aprender aquela batucada na mão. Ela ficou de fato aprendendo a batucada por alguns meses com essa menina. Só que depois que ela aprendeu essa técnica e de fato a aperfeiçoou trazendo ritmo, trazendo balanço. Esse balanço, esse ritmo, esse molho que era a musicalidade própria da Miriam, o que a Chacareira não tinha, isso aí dá o tom artístico dessa batucada. A Miriam pra criar aquela batucada na mão se inspirava numa música do Orlandivo da época que era o “Samba Toff”. É uma história interessante que enraíza um pouco a Miriam dentro das várias formas de percussão não-convencional no samba brasileiro. As batidas na aba do chapéu que o Dilermando Reis fazia, depois o samba na caixinha de fósforo, samba na lata e assim por diante.
Observatório G: Em que ano começa a vida artística da Miriam, digo, a estreia dela como cantora profissional?
Ricardo Santhiago: Bom, a estreia da Miriam como cantora profissional se dá em 1966, quando ela participa do programa do Blota Júnior, apresenta-se em razão dessa batucada na mão que foi descoberta pelo Gasolina e pela Aizita Nascimento e ela é levada ao programa para se apresentar. Ela já acostumava assistir, já era plateia do programa do Blota Júnior com os primos, assistia na plateia quase toda semana e então ela é convidada para apresentar essa batucada na mão, então ela faz o que ela sempre fazia que era roubar a cena. Ela acabou ficando três horas no palco cantando, tocando todos os instrumentos do regional do Caçulinha, apresentando a batucada na mão e sobretudo falando, conversando com aquela espirituosidade, aquele jeito muito simpático, eloquente e divertido que ela tinha. Ela conquista o público imediatamente e se torna da noite pro dia uma figura muito conhecida e muito popular. Isso é realmente instantâneo. Ao contrário de outros artistas que começam em programas de calouros ou então têm uma batalha por algum outro caminho, no caso da Miriam ela não passou por isso. Ela foi de uma amadora a uma profissional no curso de 24 horas.
Observatório G: Entre o início da carreira e a gravação do primeiro LP, o que ela fez de interessante musicalmente?
Ricardo Santhiago: Acho que o que é interessante dizer é em 1966, como eu falei anteriormente, ela apareceu e construiu uma carreira relativamente sólida em São Paulo na rádio, na TV e nos palcos também e até gravou compactos nesse período. Mas logo depois disso ela resolve abandonar a carreira que tinha construído em São Paulo e vai ao Rio de Janeiro pra viver de maneira livre um amor, o amor com essa mulher que foi o primeiro grande amor da vida da Miriam, talvez o maior, que no livro é identificada como Flamínia. Então, no Rio de Janeiro, ela praticamente recomeça a sua carreira. Hoje em dia até é um pouco difícil a gente pensar isso porque é tudo nacionalizado, mas naquele momento, não. Rio de Janeiro e São Paulo eram mercados que pouco se comunicavam. Então ela viaja e recomeça a carreira no Rio e de outro jeito. Porque em São Paulo ela começou como uma estrela, no Rio ela vai começar como uma batalhadora, cantando na noite, em bares. Depois de um tempo, ela faz um primeiro show maior com o Billy Blanco e depois com o Paulinho da Viola, em seguida ela vai aos grandes espetáculos cariocas com samba e mulatas, como se dizia na época. Então ela segue com essa carreira de cantar à noite, o que era usual pros artistas da época. Ela faz temporadas que hoje é uma coisa absolutamente em desuso. Miriam, naquela época, assim como todos os artistas que cantavam na noite, fazia temporadas. Então se apresentava de quarta a domingo, às vezes com duas sessões num dia. Isso foi dando uma grande cancha de palco, de performance pra ela. A Miriam participou de alguns espetáculos interessantes como esse com o Billy Blanco que se chamou “Nosso Mundo”. De alguns grandes espetáculos, por exemplo, um na “Sucata”, que ela fazia com o Grande Otelo. “Sucata” era uma casa lendária do Ricardo Amaral no Rio de Janeiro que tinha um público majoritariamente de estrangeiros, então ela faz esses espetáculos. Em 1971, ela grava o disco coletivo “Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das 10” com o Raul Seixas, o Edy Star e o Sérgio Sampaio. Ou seja, ela faz várias coisas antes do disco solo dela. Mas acho que o que a gente percebe de maior valor nesse período é justamente essa cancha que ela vai ganhando como uma artista dos palcos.
Observatório G: Numa matéria da Folha de São Paulo você disse que a Miriam foi vítima de um apagamento e não de um esquecimento. Qual seria a diferença entre os dois e por que a Miriam foi alvo de um apagamento?
Ricardo Santhiago: Bom, o Yuri Lotman, que era um semiólogo da escola de Tartu, propunha que a cultura e a memória são sistemas que compartilham mecanismos análogos como os mecanismos, por exemplo, da lembrança e do esquecimento. Então é absolutamente previsto que elementos tanto da cultura quanto da memória estejam mais ou menos visíveis em determinados momentos. Sejam mais lembrados ou mais esquecidos, digamos assim, de acordo com as forças que agem sobre o presente. Isso é que permite que de vez em quando a gente reconheça elementos do passado, eventos, figuras, pessoas, datas que não foram reconhecidas no seu próprio tempo ou em tempos posteriores. Esse é um mecanismo previsto, essa relação dinâmica entre lembrança e esquecimento, entre o lembrar e o esquecer. Mas entre o lembrar e o esquecer se intrerpõem também gestos deliberados, como o gesto do apagamento. Então a minha argumentação é que a Miriam não só foi esquecida como muitos artistas são. Porque na peneira do tempo é impossível que a gente sempre se lembre de absolutamente tudo. Isso seria inviável e torturante. Mas é o que eu digo, ela não só não passou nessa peneira do tempo e acabou sendo esquecida. Houve e continuam havendo gestos intencionais de apagamento dessa memória. Continuam havendo gestos de apagamento bem concretos por parte da grande mídia que, evidentemente, não têm interesse, não estou falando da imprensa, mas dos meios de comunicação ligados à música, dos shows e desse circuito de produção e difusão musical, que não têm interesse em veicular o trabalho e a memória da Miriam. Isso parte não só de uma historiografia da música brasileira que nunca sequer reconheceu a existência de uma figura como a Miriam Batucada, mas também parte de conhecidos, de antigos amigos, antigos parceiros de trabalho, muitos do próprio meio musical, além de amigos e amigas íntimas e parceiras afetivas que também continuam tentando no presente se dissociar da figura da Miriam por ela ter se tornado uma figura indesejada. Por que indesejada? Porque incomum. É muito difícil a gente lidar com o incomum. Então o gesto de apagamento é uma borracha, ele é esse gesto de você intencionalmente desejar e trabalhar pra rasurar o passado.
Observatório G: Em que medida o fato dela ter sido uma mulher lésbica impediu a ascensão dela como artista?
Ricardo Santhiago: Bom, se você me perguntasse se o fato de ela ter sido uma mulher lésbica impediu a ascensão dela como artista, eu responderia certamente que sim. O fato de Miriam Batucada ter sido uma mulher lésbica impediu a ascensão dela como artista, sem dúvida. Eu acho que essa ascensão não foi colocada à disposição dela. Pra usar um termo do Itamar Assumpção: ela não foi chamada ao grande banquete da música popular brasileira, porque ela era incomum demais. Ela rompia com uma série de expectativas a respeito do que uma mulher cantora naquele mercado musical deveria ser. Dentre essas expectativas, havia toda uma questão que envolvia sexualidade, performance de gênero e a forma como ela era identificada publicamente, como uma artista mais masculinizada, como inclusive eu vi ao longo da pesquisa. Agora é muito difícil aquilatar os efeitos do preconceito e da discriminação sobre uma trajetória, artística ou não. Então, essa medida é uma medida que a gente pode perguntar pras pessoas que estão aí hoje. Por isso que é tão importante ouvir as experiências das pessoas que estão ao nosso redor, que estão vivas, que mostram pra gente como é que essas grandes questões da discriminação e do preconceito se exibem nas suas formas micro, nas suas formas cotidianas.
Observatório G: Você acha que se a Miriam estivesse viva nos dias de hoje, ela abriria ao grande público sua condição de mulher lésbica?
Ricardo Santhiago: Na verdade, a Miriam lidou com a sua sexualidade com os instrumentos que ela encontrou no seu tempo, com o repertório que ela encontrou no seu tempo. Hoje ela teria, certamente, em posse dela, um outro repertório, estaria colocada num campo de possibilidades muito mais generoso. Imaginando que Miriam sempre se colocou de uma maneira provocativa, vanguardista, transgressora em muitos sentidos. No sentidos que o tempo dela permitiu, eu poderia dizer, com segurança, que hoje ela certamente, com os instrumentos que o nosso tempo oferece a mulheres que amam outras mulheres, ela quase que certamente teria se colocado publicamente como uma mulher lésbica. Isso teria tido uma grande importância. Como eu continuo achando em relação a todas as pessoas públicas. Acho que essa comunicação clara tem um papel de estímulo muito grande.
Observatório G: Além da canção “Pra Nada” que está no álbum “Infiel, Marginal e Artista” interpretada pela Juliana Amaral, a Miriam compôs alguma outra canção direcionada a alguma namorada?
Ricardo Santhiago: Na verdade, imagino que sim, ela tem algumas composições, alguns boleros, que ela compõe no final da vida que, pelo tom confessional e pelo que ela estava vivendo na época, provavelmente se referem a alguma namorada. Mas, ao contrário do “Pra Nada”, elas não tem um vocativo. Nessas outras canções, o vocativo não deixa claro se é referência ao masculino ou feminino, mas provavelmente, esses três boleros que eu mencionei, que não têm título, inclusive, são ensaios que ela fazia de músicas que ainda estavam em processo, acredito que essas eram, sim.
Observatório G: Como foi a temporada em que ela se apresentou com o Grande Otelo na boate Sucata?
Ricardo Santhiago: A temporada com o Grande Otelo na Sucata teve um papel na carreira da Miriam que foi um papel de permitir a ela sua sobrevivência material e sua apresentação para um grande público. Permitiu que o seu nome continuasse rodando. Inclusive foi uma temporada muito famosa que tinha de fato um grande letreiro na porta com seu nome junto com o do Grande Otelo. Foi uma temporada que teve uma ampla cobertura da grande imprensa, fotos em jornais, em revistas, notas em colunas sociais, mas do ponto de vista da satisfação artística, essa temporada deixou a desejar, assim como todas as temporadas de mesmo teor porque a Miriam se sentia nesses grandes espetáculos não propriamente como uma artista mas como uma executora do projeto artístico de outros. De modo que ela não podia cantar aquilo que ela gostaria de cantar, se apresentar da forma como ela gostaria de se apresentar, mas isso do ponto de vista da satisfação pessoal. De qualquer forma, essas temporadas foram importantes por isso tudo que mencionei e foram ocasiões em que a imprensa e os colegas de profissão puderam reconhecer e ver no palco a Miriam desempenhando com primor a sua atividade profissional. Mesmo que ela não estivesse se sentindo plenamente satisfeita, ela levava muito a sério esse trabalho e o executava com excelência, como as críticas de jornais e os comentários de colegas mostram pra gente.
Observatório G: Que importância teve o sambista Gasolina na trajetória da Miriam?
Ricardo Santhiago: Foi numa feira de utilidades domésticas, na qual a Miriam estava trabalhando num stand levada pela irmã, que fazia esse tipo de feira como produtora, que o Gasolina prestou atenção na Miriam, percebeu que ela batucava no compensado do stand de maneira peculiar. Essa habilidade da Miriam depois chamou a atenção também da Aizita Nascimento, do Blota Neto, o filho do Blota Júnior, que proporcionou a apresentação dela no programa de TV que a revelou ao grande público. O Gasolina também foi o responsável por levar a Miriam pra primeira apresentação semiprofissional dela em um clube na cidade de Santos. Então, ele teve total importância na trajetória dela.
Observatório G: Além do samba de breque, em quais outros gêneros musicais a Miriam compôs e cantou?
Ricardo Santhiago: A Miriam tinha muita versatilidade. Quando olhamos pro pouco que ela gravou, a gente percebe uma variedade de composições. Ela gostava muito de boleros, mas a primeira composição autoral que ela gravou foi uma valsinha. Depois, ao longo da carreira, compôs fox-trot, xaxado, samba-rock…Ela era muito conhecida como uma cantora de samba e com um talento particular pro samba de breque, considerada muitas vezes uma versão feminina do Moreira da Silva ou o “Moreira da Silva de Saias”. Esses termos são horríveis porque o julgamento sempre é feito a partir da ideia de que o masculino é a norma.
Mas do ponto de vista artístico ela admirava o Moreira da Silva e era uma honra pra ela estar no mesmo patamar de um artista como ele. Foram muitos gêneros. Os sambas, os mais diversos possíveis: samba-canção, não apenas o samba de breque. Ela compôs também bossa nova, ela compôs rock, então ela passou por muitos gêneros. Quando ela grava o “Sociedade da Grã Ordem Kavernista”, ela canta também um samba-choro e um xaxado.
Observatório G: Qual foi a influência do samba paulista e de compositores como Adoniran e Vanzolini na formação da Miriam? Quais eram as maiores referências musicais da Miriam?
Ricardo Santhiago: Miriam ouvia em casa tudo o que chegava a partir do rádio e da televisão. Ela era eclética tanto no que ela produzia quanto no que ela consumia. Ela consumia uma variedade de gêneros. Em termos de referências musicais, em geral, a gente vê como a referência mais próxima da Miriam a Isaurinha Garcia, que a Miriam realmente admirava. Mas ela era realmente fã de grandes cantoras e compositoras dramáticas. A compositora preferida da Miriam Batucada era a Maysa. Uma das cantoras de que ela mais gostava também era a Elizeth Cardoso, que tinha um repertório predominantemente romântico ou de dor-de-cotovelo. Eu diria que essas foram referências até mais importantes, mais significativas pra Miriam. Já a relação dela com o samba paulista, com esses compositores e intérpretes do samba urbano paulista, ela é menos uma influência e mais uma afinidade. Sim, ela tinha afinidade em termos dos temas, das formas de apresentação, da estética, sobretudo com o Adoniran Barbosa, que foi dos nomes do samba paulista a pessoa que ela mais se envolveu. Ela abriu shows do Adoniran, apresentou-se junto com ele e ele também participou de shows dela. Eles tinham uma relação muito carinhosa e de respeito mútuo.
Observatório G: A Miriam pode ser considerada uma das precursoras do Stand-Up Comedy no Brasil?
Ricardo Santhiago: A Miriam era uma show-woman. Os espetáculos musicais que ela fazia, não eram shows como os que a gente vê hoje em dia que são basicamente recitais, são apresentações de um número de canções. Recitais feitos com maior ou com menor maestria, mas recitais. A Miriam tinha uma preocupação muito grande com a construção de um roteiro pros seus shows, construção de aberturas, de vinhetas, de momentos. Ela fez muitos shows desde o começo da carreira de forma multimídia. Aquele show que eu mencionei com o Billy Blanco, por exemplo, era assim. Em 1968 ela fez um espetáculo com projeções de fotografias dos jovens na França do Maio de 68. Nos últimos espetáculos que fez, ela utilizava uma espécie de adaptação dublada de filmes da Disney pra abrir os shows. Ela sempre se preocupou muito com isso e nos seus shows ela tinha um script, tinha textos, tinhas momentos de música, mas tinha também momentos de paródia, de comédia, tinha números de plateia e tinha também momentos de improviso, nos quais a Miriam pescava temas contemporâneos, temas que apareciam ali da plateia e os desenvolvia com muita graça, com muito humor, levando as pessoas às gargalhadas. As apresentações que ela fazia nesse sentido eram icônicas. Mesmo quando tinha texto ela tinha números humorísticos nos quais, por exemplo, ela descrevia e satirizava os costumes ou das classes burguesas ou, pelo contrário, das classes mais humildes, mais pobres, com as quais, inclusive, ela se identificava. Ela colocava cacos no meio desses textos. Então tem uma aproximação muito clara com o que faz o stand-up, mas era mais do que stand-up, o stand-up era um dos momentos de um show que era tudo isso que eu descrevi. Ela era uma show-woman mesmo.
Observatório G: Por que você acha tão importante que, nos dias de hoje, nós estejamos atentos à obra e à biografia da Miriam Batucada? Qual foi o grande legado que ela nos deixou?
Ricardo Santhiago: Eu poderia responder dizendo que a gente deveria prestar atenção na Miriam Batucada e naquilo que ela fez porque ela deixou espaço e uma lacuna na música popular brasileira. Todo essa amálgama que eu mencionei anteriormente, que ala trazia pros seus shows, pros seus espetáculos…Além disso teve a sua característica principal que era sua batucada na mão, tudo isso nasceu com ela e morreu com ela, infelizmente. Acredito que, acima de tudo, a gente tem que prestar atenção na Miriam Batucada, valorizar a Miriam Batucada e conhecer a Miriam Batucada porque o legado que ela deixa é um legado de coragem, de ousadia e de liberdade. Ela foi uma mulher que não teve medo de ser ela mesma. Todos esses percalços que ela teve na vida poderiam ter sido evitados se ela tivesse se transformado em outra pessoa. Se ela não tivesse ousado ser quem ela era de fato, se ela tivesse se conformado com os ditames, com as expectativas dos outros e se moldado à luz dessas expectativas, talvez a trajetória dela tivesse sido outra. Mas a Miriam foi ela mesma profundamente tanto na música quanto na vida. Tanto nos momentos de resplendor quanto nos momentos de estar à beira do fracasso. Tanto nos momentos de amor, quanto nas situações de abandono. Miriam foi, acima de tudo, uma artista e uma mulher corajosa. Tanto a artista quanto a mulher foram profundamente corajosas. Eu acho que é isso que a gente tem que aplaudir: a coragem de uma pessoa de ser ela mesma.
Uma personalidade artística e humana como a de Miriam Batucada nos faz muita falta no Brasil dos nossos dias.
Que a obra dela possa, a partir desta brilhante iniciativa de resgate, ser apreciada e valorizada pela nossa e pelas futuras gerações!
Miriam Batucada, presente!