Desde criança, eu já sabia que havia algo diferente em mim. Não, eu não tinha as palavras para descrever o que sentia, mas bastava olhar para minhas amigas da escola e perceber que minha admiração por elas era algo além da amizade. Eu não sabia o que era ser hétero ou lésbica, mas sabia que sentir meu coração acelerar ao olhar para a minha professora de inglês não era algo comum entre as outras meninas. Era um sentimento puro, quase ingênuo, mas muito real.
Esses pequenos amores da infância foram se transformando em crushes. E, claro, tive muitos. Mas o maior deles foi Jodie Foster. Ah, Jodie Foster! Como não se apaixonar? Sou suspeita para falar sobre ela, essa atriz extraordinária, com sua carreira brilhante, seus filmes inesquecíveis, Oscars que ganhou e todos os infinitos prêmios.
Em 1979, aos 17 anos, Jodie já era uma atriz de enorme sucesso. E, naquele ano, foi submetida a uma entrevista desconfortável que, embora irritante na época, acabou se tornando icônica. Durante a conversa, uma repórter insistiu em invadir sua vida pessoal, questionando-a sobre namorados e seu “gosto por rapazes”.
“Você tem um namorado fixo?”, perguntou a jornalista. Claramente desconfortável, Jodie riu, respondendo: “Eu não tenho tempo. E suponho que não penso muito nisso.” Mas a repórter não parou. Pressionou: “Mas que tipo de cara você realmente gostaria?”
Foi então que nasceu o famoso “gay silence”. Jodie, com toda sua classe, lambeu os lábios, fez uma pausa, deu um sorriso irônico e respondeu: “Não sei. Suponho que gostaria de alguém que entendesse meu trabalho.” Jodie lidou com um interrogatório invasivo e heteronormativo com uma dose admirável de sarcasmo e elegância.
Esse momento emblemático deu origem ao termo “gay silence”, que mais tarde se tornaria um meme amplamente difundido na internet. Muitos não sabem, mas a origem desse conceito remonta a essa entrevista de Jodie. Como relatou o portal Pink News em 2017, a jornalista Ellie Bate, do BuzzFeed, foi a primeira a associar o meme àquela entrevista. Desde então, “gay silence” passou a descrever situações desconfortáveis enfrentadas por pessoas LGBTQIAPN+, quando alguém faz comentários homofóbicos sem perceber que está falando com alguém da comunidade LGBTQIAPN+ . Ou quando usa o sarcasmo mesmo.
Jodie é casada com a também atriz Alexandra Hedison, com quem iniciou um relacionamento em 2014. Ela também tem dois filhos, Kit Bernard Foster e Charles Bernard Foster, ambos com a ex-companheira Cydney Bernard, de quem se separou em 2008, após 14 anos de relação.
Na década de 80, em plena adolescência , foi um período complicado para quem, como eu, não se encaixava como hétero. Era o Brasil em transição da ditadura militar para a democracia.Beijei alguns garotos na tentativa de me encaixar nas expectativas da sociedade, mas nunca senti nada por eles. Minhas experiências com meninos eram vazias, forçadas pela pressão de família e amigos.
Foi só quando me apaixonei por uma garota que tudo fez sentido. Então pensei: “É isso!” Não houve dúvidas. Mas mesmo assim, sempre fui discreta. Namorei algumas meninas, mas nunca senti necessidade de compartilhar minha vida pessoal com quem não fazia parte dela. Não era medo, era simplesmente uma questão de viver minha vida sem a obrigação de explicar nada para ninguém.
Recentemente, uma conversa reacendeu minha memória sobre a história de Jodie Foster. Estava na academia, terminando minha corrida na esteira, quando alguém me perguntou:
“Silvia, por que você não tem namorado?”
Pode parecer uma pergunta inocente, mas logo percebi que havia um tom de curiosidade invasiva. Antes que eu pudesse responder, veio a insistência:
“Mas, Silvia, por que você não tem namorado?”
Foi aí que respirei fundo e lembrei da Jodie Foster. Fiz uma pausa dramática, dei um sorriso irônico e deixei o silêncio falar por mim. A pessoa ficou me olhando, claramente desconcertada.
É impressionante como, mesmo em pleno 2024, às vésperas de 2025, as pessoas ainda se sentem no direito de questionar a vida alheia. Como a letra da música do Caetano Veloso: “Todo mundo quer saber com quem você se deita.”
Eis, aqui a minha resposta, para quem ainda insiste em perguntar : Eu não tenho namorado porque sou lésbica. Gosto de mulheres. Simples assim. Na verdade, nunca estive dentro de um armário para ter que sair dele.
Se tem algo que aprendi com Jodie Foster, é que a elegância e a ironia são as melhores respostas contra a ignorância.
Silvia Diaz , é Atriz, Performer, Dramaturga e Roteirista. Estudou interpretação Teatral(Unirio). Graduada em Produção Audiovisual(ESAMC). Dramaturgia ,SP escola de Teatro. Apenas uma Artista que vende sonhos em dias cinzentos. E quando os dias não forem tão trevosos, ainda assim continuarei a vender meus sonhos!! Cores, abraços, afetos, lua em aquário. Fluindo . Cultivando minha Ilha.. Eu Sinto…