Seria possível um romance transgênero antes que o termo existisse nos lábios da maioria das pessoas? Seria possível sua redação na Inglaterra do início do século XX?
Se os termos transsexuais (que remete a sexo), transgênero (que foca em gênero) e transvestegênero (que inclui a expressão travesti na experiência de gênero) são recentes, a existência de pessoas trans é tão antiga quanto a história da humanidade. A atual compreensão desta forma legítima de autoidentificação é que produz os termos acima, e os aperfeiçoa. Mas pessoas trans sempre existiram. O que não significa que fossem enxergadas, compreendidas, aceitas, comentadas, cuidadas e retratadas na arte.
“Orlando, uma biografia”, é um romance escrito por Virgínia Woolf e publicado em 1928. Tem um caráter autobiográfico, à medida que remete a paixão da autora pela poetisa Vita Sackville-West. Na história, Orlando é um personagem imortal. Sai da Inglaterra no século XVI e seus então 350 anos são retratados na obra. Enquanto está na Turquia, acorda no gênero feminino, como se a transformação fosse um fenômeno corriqueiro. Desta forma, Virgínia desconstrói gênero como categoria fixa e imutável. O aspecto feminista da obra surge quando pessoas masculinas e femininas são retratadas como tendo os mesmos direitos e presença social.
Paul Preciado, filósofo transvestegênere, foi uma das pessoas a transformar o livro em filme: Orlando, minha biografia política. A película, apresentada em 2.023, coloca 26 pessoas trans e não-bináries para interpretar Orlando. Segundo Preciado, “todo Orlando é uma pessoa transgênero que arrisca sua vida diariamente ao ser forçada a enfrentar as leis governamentais, a história e a psiquiatria, bem como as noções tradicionais de família e o poder das multinacionais farmacêuticas”.
As obras escritas por pessoas transvestegêneres, ou que as abordam, não obtêm grande divulgação. Poucas são conhecidas como Luisa Marilac, Cintura Fina e Xica Manicongo. Não esquecendo de pessoas mais famosas como Roberta Close e Rogéria.