MÚSICA

"Se existisse o Olimpo do rock brasileiro, Renato Russo seria Zeus", declara Dinho Ouro Preto, em depoimento exclusivo

"Se existisse o Olimpo do rock brasileiro, Renato Russo seria Zeus", declara Dinho Ouro Preto, em depoimento exclusivo

Nesta edição celebraremos a vida e obra de Renato Russo, um dos maiores compositores e cantores da história do Brasil. Para rememorar o trabalho deste gênio, traremos também um depoimento exclusivo de Dinho Ouro Preto sobre ele.

Renato Russo, nascido Renato Manfredini Jr., dispensa apresentações, mas relembrar sua vida e sua arte, nos deixa sempre orgulhosos deste grande brasileiro, que era abertamente LGBTQIAPN+ e um grande defensor da causa.

Filho de Renato Manfredini, paranaense e economista do Banco do Brasil e de Maria do Carmo, pernambucana e professora de inglês, Renato Russo teve contato desde muito novo com a linguagem musical e com as mais variadas obras literárias, que seriam a matéria-prima de seu trabalho magistral à frente da saudosa banda Legião Urbana e também de sua carreira solo.

Pelo fato de sua mãe ter sido professora de inglês e da família Manfredini ter morado dois anos nos Estados Unidos, durante a infância de Renato e de sua irmã Carmen, Renato Russo imergiu fundo na música e na literatura de língua inglesa, chegando a dar aulas do idioma na Cultura Inglesa, renomada escola da capital federal na qual, aos 17 anos, Renato recepcionou o Rei Charles, à época Príncipe, com discurso em inglês irretocável.

A paixão que Renato Russo sentiu desde sempre pelo rock foi alimentada pela desenvoltura que ele sempre teve na língua de Shakespeare. Por sinal, o primeiro disco do gênero que Renato ouviu foi o álbum branco dos Beatles. Além da música, Renato era encantado pela literatura de língua inglesa. Shakespeare, Shelley e Auden estavam na sua booklist com frequência, mas também tinha espaço para os notáveis da língua portuguesa Pessoa, Drummond e Adélia Prado.

O cinema também lhe era caro. Renato gostava dos diretores franceses Truffaut e Godard(citado na canção “Eduardo e Monica”) e também do alemão Fassbinder. Renato Russo foi também sócio-fundador do cineclube Amantes da Sétima Arte, cujos membros, todos amigos, reuniam-se para apreciar bons filmes e jantares no Rio de Janeiro.

Para encerrarmos o baú de referências de Renato Russo, é importante saber que foi devido à sua admiração aos pensadores Bertrand Russell e Jean-Jacques Rousseau e ao pintor Henri Rousseau que ele adotou o sobrenome artístico Russo.

Em 1978, contrariando as expectativas musicais de muitos, incluindo seus professores de piano e violão, Renato Russo formou com alguns amigos músicos a banda punk Aborto Elétrico, precursora do rock brasiliense. O grupo teve vida curta, mas uma obra muito estruturante para o que viria a ser, posteriormente, a Legião Urbana e o Capital Inicial. A primeira liderada por Renato e a segunda formada pelos irmãos Fê e Flávio Lemos, na bateria e no baixo, respectivamente. “Geração Coca-Cola” gravada pela Legião Urbana e “Veraneio Vascaína” gravada pelo Capital Inicial endossam esse argumento. O Aborto Elétrico deixou de existir em 1981. Deste grupo, preservaram-se algumas canções que foram gravadas nos anos 1980 pela Legião Urbana e pelo Capital Inicial e, posteriormente, algumas canções já conhecidas e outras inéditas foram gravadas no formato punk pelo Capital Inicial no álbum “Especial MTV” em 2005.

Depois do Aborto Elétrico, Renato Russo passou algum período se apresentando sozinho, apenas voz e violão, como Trovador Solitário, que se tornou seu epíteto. São deste período as composições “Eduardo e Mônica”, “Faroeste Caboclo”, que ele havia composto em 1979, e, também,  “Eu Sei”, cujo primeiro título era “18 e 21”.

Em 1982 seria formada a Legião Urbana, uma das bandas mais relevantes do rock brasileiro dos anos 1980 e 1990. O primeiro disco “Legião Urbana” de 1985 ainda reverberava a fase punk de Renato Russo, sobretudo as canções “Petróleo do Futuro” e “Geração Coca-Cola”. Também neste álbum encontramos a primeira composição de Renato sobre homoafetividade: “Soldados”.

No ano seguinte, depois do sucesso estrondoso do primeiro LP, foi lançado “Dois”, álbum que contém os clássicos “Quase Sem Querer”, “Eduardo e Mônica”, “Tempo Perdido” e “Índios”. A canção que abre “Dois” é “Daniel Na Cova Dos Leões”, outra canção com referência a um romance gay.

Em 1987, a banda lança “Que País é Este?”, álbum que, além da faixa-título, contém os hits “Química”, “Eu Sei”, “Angra dos Reis” e a antológica “Faroeste Caboclo”.

Depois de um hiato de dois anos, é lançado em 1989 “As Quatro Estações”, um dos álbuns mais solares da discografia da Legião Urbana. Nele estão presentes as exitosas “Há Tempos”, “Pais e Filhos”, “Quando o Sol Bater Na Janela do Teu Quarto”, “Monte Castelo” e “Se Fiquei Esperando Meu Amor Passar”. O álbum também traz “Meninos e Meninas”, primeira canção na qual Renato Russo fala de maneira mais direta sobre sua sexualidade.

Em 1991, é lançado “V”, o álbum mais lírico da Legião Urbana e o favorito de Renato Russo. Estão presentes no álbum “Metal Contra As Nuvens”, “O Teatro dos Vampiros”, “Vento no Litoral” e “O Mundo Anda Tão Complicado”, canções radiofônicas e, ao mesmo tempo, bastante poéticas.

O álbum de inéditas seguinte foi “O Descobrimento do Brasil”, de 1993, constituído por canções como “Vinte e Nove”, “Perfeição”, “Vamos Fazer Um Filme” e “Giz”.

Em 1996 é lançado “A Tempestade”, no qual a banda regravou “1 de Julho”, canção que Renato Russo havia composto para Cássia Eller durante sua gravidez de Chicão, o hoje cantor Chico Chico. Cássia gravou a canção pela primeira vez em seu disco de 1994.

Da discografia da banda, ainda é válido destacar os póstumos “Uma Outra Estação” de 1997 e “Acústico MTV”, este último gravado em 1992 e lançado em 1999.

Para termos dimensão do tamanho histórico da banda, é preciso registrar que a Legião Urbana vendeu, ao longo de sua existência e depois dela, cerca de 20 milhões de discos, entre LP’s e CD’s, uma cifra nada desprezível para uma banda com discursos tão profundos e contestatórios.

Renato Russo, em carreira-solo, lançou em 1994 “The Stonewall Celebration Concert”, no qual ele faz referência à Rebelião de Stonewall, ocorrida no ano de 1969 em Nova York, na qual a comunidade LGBTQIAPN+ da cidade protestou contra os episódios recorrentes de violência policial que sofriam.

Em 1995, Renato Russo lança “Equilibrio Distante”, álbum todo em italiano, que lançou depois de uma viagem à Itália, terra da sua família paterna, com a amiga Gilda Mattoso.

Foram lançados postumamente os álbuns “O Último Solo” de 1997 e “Presente” de 2003, este último projetado nacionalmente pelo hit “Mais Uma Vez”, parceria de Renato com Flávio Venturini.

Renato Russo, além de exímio intérprete de suas composições e de canções alheias também, teve sua obra interpretada por um número vultoso e diversificado de intérpretes.

Simone, Zélia Duncan, Cássia Eller, Daniela Mercury, Fagner, Marina Lima, Nelson Gonçalves, Ira!, Charlie Brown Jr., CPM 22, Leila Pinheiro, Isabella Taviani, Nila Branco, Pato Fu, Maria Gadú, Jerry Adriani, Pitty…a lista é inumerável.

A quem deseja se aprofundar na história de Renato Russo, recomendamos a leitura da biografia “Renato Russo-O Trovador Solitário” de Arthur Dapieve, a mais completa que existe sobre o nosso célebre compositor.

Para finalizarmos nossa homenagem ao grandioso Renato Russo, traremos um depoimento exclusivo de Dinho Ouro Preto, vocalista do Capital Inicial, contemporâneo e amigo de Renato Russo. O depoimento pode ser lido na íntegra, a seguir:

“É difícil pra mim colocar em palavras exatamente o que o Renato representava. Eu conheci o Renato quando eu tinha 16 anos. Eu estava voltando pra casa da escola e eles estavam tocando numa calçada de uma lanchonete e não dava pra ouvir grande coisa, mas só a figura daqueles caras tocando era algo tão desafiador, tão corajoso, que me fez começar a segui-los por Brasília. Só viemos a ficar amigos alguns meses depois e eu nunca tinha visto ou conhecido alguém como o Renato. Mas o que mais me chamava a atenção era a capacidade que ele tinha de botar em palavras coisas que todos nós sentimos, mas temos dificuldade de verbalizar. Muitas vezes eu ouvia as letras e me perguntava: “Como é que ele sabe?”. Parecia que a letra era dirigida a mim. Isso é uma coisa raríssima. São poucos artistas, até gringos, que são capazes disso. Acho que o Bob Dylan é capaz de fazer isso, Patti Smith pra mim é outra. Tem alguns grandes artistas que são capazes, que transcendem, que conseguem se dirigir a todos, que falam de coisas universais. No entanto, todo mundo é tão travado que ninguém consegue falar. É justamente isso que devia ser apresentado à juventude: que já houve aqui no Brasil, dentro do rock brasileiro, gente inacreditavelmente talentosa. Eu, pessoalmente, acho que de toda a história do rock’n’roll brasileiro, ele é a pessoa mais talentosa. Se existisse o Olimpo do rock brasileiro, Renato Russo seria Zeus(risos). Eu acho que ele é imbatível e pra quem não conhece…vocês não sabem o que estão perdendo. Ouçam, ouçam e ouçam. O aniversário do Renato passou, foi há alguns dias atrás e no ano que vem vai fazer 30 anos que o Renato se foi. Ele faz muita falta à quem o conheceu e faz muita falta ao rock brasileiro.”

A obra de Renato Russo inspirou muitas gerações que o consideram até hoje o porta-voz dos seus dilemas individuais e sociais.

A inteligência e sensibilidade de Renato Russo orgulham qualquer brasileiro que um dia o tenha escutado e entendido.

Seu trabalho atravessará as águas do tempo e continuará a ecoar nas nossas mentes e corações por anos a fio.

Viva, Renato Russo!

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