O amor entre mulheres já carrega, por natureza, múltiplas camadas de invisibilidade e preconceito. Quando a questão da idade entra em jogo, esse peso se intensifica: o etarismo, que atinge as mulheres de maneira particularmente severa, cruza-se com a lesbofobia, tecendo uma rede de julgamentos que afeta não só a intimidade, mas também a percepção social dessas relações. Essa interseção cria um cenário onde o amor entre mulheres, especialmente quando marcado por diferenças de idade, é constantemente posto à prova, desafiado por normas que ditam como e quando o desejo deve se manifestar.
É inegável, vivemos numa sociedade que impõe um prazo de validade ao desejo feminino. Para os homens, o envelhecimento é frequentemente associado a experiência e prestígio. A diferença de idade com parceiras mais jovens pode até ser romantizada como símbolo de poder e virilidade, vista como um troféu culturalmente aceito. Já as mulheres são relegadas à invisibilidade. Após certa idade, são tratadas como figuras neutras, como se amor, sexo e afeto deixassem de fazer parte de suas vidas. Essa disparidade reflete uma lógica patriarcal que valoriza o homem por sua longevidade enquanto desvaloriza a mulher por não se encaixar em padrões jovens de beleza e fertilidade.
Nas relações entre mulheres, essa lógica se torna ainda mais cruel. O imaginário social sobre o amor lésbico ainda é dominado por estereótipos: mulheres jovens, alinhadas a padrões de beleza, muitas vezes fetichizadas como objeto de consumo visual. Relações entre mulheres maduras ou marcadas por diferenças de idade fogem desse padrão e, por isso, são vistas com desconfiança. A mais jovem é rotulada como ingênua, como se sua escolha fosse temporária ou imatura. A mais velha é acusada de manipulação, ou carência , como se seu desejo fosse inautêntico ou motivado por necessidade. Pouco importa o afeto genuíno que existe. O olhar externo sempre busca desqualificar essa conexão, reduzindo a a narrativas simplistas e pejorativas.
O etarismo também se manifesta dentro da própria comunidade LGBTQIAPN+. Há uma pressão por juventude, por corpos "adequados" e por uma imagem que atenda às expectativas de visibilidade lésbica. Mulheres mais velhas relatam sentir-se excluídas em espaços como bares, festas ou aplicativos de relacionamento, onde a valorização da juventude prevalece. Essa exclusão reforça uma mensagem perigosa: de que amar e ser amada perde sentido após certa idade, mesmo em um ambiente que, teoricamente, deveria ser um refúgio contra o preconceito externo. Essa dinâmica interna expõe como os padrões heteronormativos e capitalistas de beleza e juventude permeiam até os espaços de resistência.
No entanto, o amor lésbico, em qualquer fase da vida, é um ato de resistência. Resiste ao patriarcado, que historicamente controla os corpos e desejos femininos, impondo limites arbitrários ao que é aceitável. Resiste ao capitalismo, que transforma a juventude em mercadoria e descarta o que não se vende, como se o valor humano estivesse atrelado à aparência ou à produtividade. Resiste ao medo que nos leva a silenciar sentimentos para evitar julgamentos, um medo enraizado na pressão social de se conformar. Esse amor, em sua essência, desafia as estruturas que tentam confiná-lo a caixas rígidas.
Repensar as narrativas sobre amor e envelhecimento é essencial para romper com esses preconceitos. O afeto não se limita a anos nem a cronogramas sociais. Mulheres mais velhas seguem desejantes e desejáveis, carregando uma riqueza de experiência e autenticidade que merece ser celebrada. Mulheres mais jovens têm liberdade para escolher quem amar, sem que suas escolhas sejam desqualificadas por narrativas de ingenuidade. O que importa é o encontro, a conexão genuína entre duas pessoas, não a matemática da idade que a sociedade insiste em impor.
Dar voz a essas histórias é abrir caminho para outras formas de existir. É afirmar que não há limite para amar, reinventar-se ou recomeçar. É quebrar o silêncio que tenta nos convencer de que o amor lésbico só é válido dentro de moldes preestabelecidos, como se a diversidade de experiências pudesse ser reduzida a um único padrão. Ampliar esse diálogo permite visibilizar relações que, por desafiarem as normas, enriquecem a compreensão do que significa amar.
O etarismo é uma violência simbólica, mas resistir a ele é uma prática diária de amor. Amar uma mulher em qualquer etapa da vida é um ato de coragem, que exige enfrentar os julgamentos e a invisibilização impostas pela cultura dominante. Amar uma mulher mais velha ou mais jovem é, sobretudo, um gesto político, pois subverte as hierarquias de poder baseadas em idade e gênero. Talvez a lição mais valiosa seja esta: o tempo pode avançar, marcando o corpo e a história de cada uma, mas o amor não conhece idade. Ele floresce onde há conexão, respeito e vontade de existir plenamente, independentemente dos números que a sociedade usa para nos definir.
Essa resistência não é apenas individual, mas coletiva. Ao celebrar o amor lésbico em todas as suas formas, construímos um futuro onde a diversidade de experiências seja vista como força, não como ameaça. É um chamado para que cada mulher, em qualquer idade, possa amar e ser amada sem medo, sem prazo, sem molduras. O amor, afinal, é uma revolução silenciosa que ressignifica o tempo e reafirma a humanidade em cada encontro. O afeto não se mede em anos, e não se encerra em cronogramas sociais. Mulheres mais velhas continuam desejantes e desejáveis, mulheres mais jovens têm autonomia para escolher quem amar. O que deveria importar, acima de tudo, é o encontro , e não a matemática da idade.
Cultivemos nossas ilhas !! Eu sinto !!
Silvia Diaz , é Atriz, Performer, Dramaturga e Roteirista. Estudou interpretação Teatral(Unirio). Graduada em Produção Audiovisual(ESAMC).Dramaturgia ,SP escola de Teatro. Apenas uma Artista que vende sonhos em dias cinzentos. E quando os dias não forem tão trevosos, ainda assim continuarei a vender meus sonhos!! Cores, abraços, afetos, lua em aquário. Cultivemos nossas ilhas !! Eu sinto !!Fluindo ...@silviadiaz2015