Estava voltando da casa de um amigo muito querido e entrei no metrô rumo à minha casa. Quando me aproximava da estação Santa Cecília , sentei-me totalmente absorta, com os fones nos ouvidos, ouvindo Backstreet Boys . viagem instantânea ao meu passado adolescente, na época em que estudava na Unirio, naquela cidade linda e majestosa, o Rio de Janeiro. Um mundo que não existe mais. Não que eu reclame, de forma alguma.
De repente, duas adolescentes entraram no trem. Meninas lindas, de beleza natural, sem maquiagem. Uma delas tinha glitter nas pálpebras e batom cor de pêssego; a outra, batom rosa, tão parecido com o que eu usava na década de 80, no colégio Marista, que cheirava a morango. Elas estavam de mãos dadas e sentaram-se bem ao meu lado.
Conversavam sobre o festival de “The Town ” e, no meio da conversa, uma delas disse:
— Ah, não sei se gosto de meninos, meninas ou dos dois. Mas também… quem liga? O que importa é me sentir bem.
A outra riu, mexendo no celular, e respondeu:
— É, bora descobrir vivendo.
Trocaram vários beijos até o final do trajeto. Desci do trem, mas elas continuaram sentadas, felizes. E, sinceramente, fiquei feliz por presenciar aquilo. Quando eu era adolescente, jamais poderia andar de mãos dadas com outra menina; era ditadura, era complicado.
Fiquei pensando no quanto aquela frase seria impensável na minha adolescência . Sempre havia o peso da definição, a necessidade de se encaixar em um rótulo, de explicar-se para a família, para a escola, até para si mesmo. Ser diferente era um segredo guardado a sete chaves, muitas vezes revelado apenas com dor. Hoje, vejo as novas gerações carregando algo precioso, a leveza de experimentar sem tanto medo.
É claro que não é um mar calmo , as ondas do preconceito ainda batem fortes. Bullying, piadas cruéis, violências que não aparecem no noticiário, mas deixam cicatrizes. Ainda assim, há coragem que floresce cedo. Meninos com esmalte colorido, meninas de cabelo raspado, jovens que transitam entre gêneros como quem troca de estação musical no fone de ouvido. Tudo com a naturalidade de quem sabe que o mundo pode ser reinventado.
Na palma da mão, eles carregam mais do que celulares. Carregam comunidades que os acolhem. Encontram refúgio em hashtags, em perfis que compartilham experiências, em vídeos que dizem: “você não está sozinho.” Crescem sabendo que, em algum canto do mundo, existem outros vivendo algo parecido. Essa noção de pertencimento, ainda que virtual, pode salvar vidas.
Lembro da minha adolescência. Descobrir quem eu era dependia de encontros clandestinos, livros escondidos, personagens raras em novelas, quase sempre com finais trágicos. Hoje, um clique abre portas para um universo de narrativas possíveis, casais que se amam, pessoas que não cabem em nenhum rótulo e, justamente por isso, inventam novos caminhos.
As novas gerações parecem nos ensinar que identidade não é gaiola, mas voo. Que a sexualidade pode ser líquida, mutante, dançante. Que gênero não precisa ser destino, mas escolha. Elas dizem: “sou assim agora, amanhã posso ser diferente”. E isso não é indecisão, mas liberdade.
Claro, nem todos entendem. Muitos adultos ainda franzem a testa, como se fosse moda ou confusão. Mas quem olha com atenção percebe seriedade no riso desses jovens, profundidade na leveza com que encaram a vida. Eles estão reinventando os modos de existir e, ao mesmo tempo, ampliando horizontes para todos nós.
Talvez a maior lição seja esta: cada gesto simples ,um beijo sem culpa, uma foto postada com orgulho, um pronome respeitado — é uma pequena revolução. E, nessa revolução cotidiana, o futuro vai nascendo. Porque o futuro já não é promessa distante. Ele cabe na palma da mão e pulsa, vibrante, no coração das novas gerações.
Falar do mundo LGBTQIAPN+ é falar de pluralidade. É olhar para um mosaico vivo de identidades, histórias, lutas e afetos que, embora diferentes, compartilham algo em comum: a recusa em desaparecer. Num tempo de contradições, onde a diversidade floresce e o ódio também, pensar esse universo é pensar o presente , e, principalmente, o futuro.
O mundo LGBTQIAPN+ é feito de cores que vão além do arco-íris. Ele pulsa nas madrugadas iluminadas por glitter e música alta, mas também no silêncio de um quarto, quando alguém respira fundo e diz, talvez pela primeira vez: “mãe, eu sou assim.”
Mais do que identidades, é território de luta, memória e invenção. Cada letra da sigla carrega histórias de resistência e apagamento, compondo um mosaico que desafia a norma e reinventa os modos de existir.
Vivemos entre conquistas e retrocessos. O casamento igualitário, a criminalização da LGBTfobia e a crescente representatividade convivem com ataques digitais, discursos de ódio e a brutal estatística que coloca o Brasil entre os países mais letais para gays, lésbicas, trans e travestis.
Esse mundo se expande em dois movimentos: o íntimo descoberta de si, direito ao afeto, corpo que se afirma, e o coletivo luta por políticas públicas, organização de movimentos sociais, construção de memória comum. Entre ambos, o fio condutor é a recusa em ser silenciado.
Não existe uma experiência única. A vivência de uma lésbica periférica não se compara à de um homem gay branco de classe média. A luta de uma pessoa intersexo é diferente da de uma pessoa não binária. A interseccionalidade precisa atravessar nossas reflexões para que a sigla seja mais que símbolo seja espaço real de inclusão.
Amar, em tempos de ódio, é um ato quase escandaloso. No mundo LGBTQIAPN+, esse escândalo se torna luminoso. Dois homens que se beijam na rua. Duas mulheres de mãos dadas no metrô. Uma pessoa trans que recebe o olhar de desejo sem violência. Gestos simples que, para muitos, ainda soam como afronta.
Vivemos um tempo em que intolerâncias ganham megafones. Mas nunca se amou tanto de forma visível. O amor LGBTQIAPN+ desafia a lógica do medo: ele não se esconde, não se apaga, não aceita o silêncio.
Há beleza na resistência cotidiana: o casal que tira selfie em frente ao mar, ignorando olhares atravessados; a travesti que caminha de mãos dadas com a namorada e transforma a calçada em território de liberdade; o jovem que escreve uma carta apaixonada e descobre ser correspondido.
O amor, nesses tempos, é arma e abrigo. Ele lembra que, por mais que tentem apagar nossas existências, seguimos criando lares, famílias, laços. Seguimos reinventando formas de cuidar uns dos outros.
E talvez seja justamente isso que assusta os que espalham ódio: perceber que, apesar das tentativas de controle, seguimos amando. Amando inteiro, sem culpa, sem desculpa.
Porque o amor LGBTQIAPN+ não é só romance. É resistência, sobrevivência, futuro. Prova de que, mesmo em meio às tempestades, sempre haverá mãos que se encontram.
Cultivemos nossas ilhas !! Eu sinto !!
ilvia Diaz , é Atriz, Performer, Dramaturga e Roteirista. Estudou interpretação Teatral(Unirio). Graduada em Produção Audiovisual(ESAMC). Dramaturgia ,SP escola de Teatro. Apenas uma Artista que vende sonhos em dias cinzentos.
E quando os dias não os dias não forem tão trevosos, ainda assim continuarei a vender meus sonhos!! Cores, abraços, afetos, lua em aquário. Fluindo .
Cultivando minha Ilha.. Eu Sinto…
Instagram @silviadiaz2015