MÚSICA

"Cazuza é um dos maiores poetas de todos os tempos da música brasileira", declara George Israel, em depoimento exclusivo

27/09/2025 00:07
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Os cantores e compositores Cazuza e George Israel.

Os cantores e compositores Cazuza e George Israel.

Nesta edição faremos uma homenagem ao extraordinário Cazuza e, para lançarmos luz sobre a importância de seu legado, traremos um depoimento exclusivo do compositor e cantor George Israel, eterno saxofonista do Kid Abelha, que é autor, junto com Cazuza, de alguns hits como “Brasil”, imortalizado na voz de Gal Costa, em virtude da abertura das duas versões da novela "Vale Tudo"(1988/2025).

Cazuza, nascido Agenor de Mirando Araújo Neto, é um artista que tem uma das biografias mais interessantes e matizadas da história da música popular brasileira.

Sua infância, como estudante do conservador colégio jesuíta Santo Inácio, seguramente, incutiu nele uma resistência a todo e qualquer tipo de restrição moralista ou jugo religioso. Porém, foi também através de um trabalho escolar do referido colégio, que ele entrevistou, quando tinha entre 9 e 10 anos, junto com o então colega Pedro Bial, o poeta e compositor Vinícius de Moraes, fato que teve uma dimensão significativa na sua formação estética.

Segundo a mãe de Cazuza, a também cantora Lucinha Araújo, conta à jornalista Regina Echeverria no livro “Só As Mães São Felizes”, Cazuza, até os 15 anos era bastante tímido. Talvez, por esse motivo, ele tenha resolvido procurar o teatro antes da música.

Quando adolescente, Cazuza integra o grupo teatral Asdrúbal Trouxe o Saxofone e se faz aluno do diretor Perfeito Fortuna. Foi neste grupo que Cazuza conheceu sua amiga e parceira musical Bebel Gilberto e, junto com ela, atuou na peça “Paraquedas do Coração”, apresentada no Circo Voador. Foi neste espetáculo, sobretudo nos trechos onde seu personagem cantava, que Cazuza se deu conta de sua vocação para a música.

Entre os atores deste curso de teatro e do elenco da peça, estava Léo Jaime, o responsável pelo elo que uniu pelos anos seguintes Cazuza aos demais membros do Barão Vermelho. Nessa época o Barão estava quase todo formado, mas não tinha um vocalista. Ao saber dessa informação através de Léo Jaime, Cazuza vai ao encontro do grupo e se efetiva nele como vocalista nos seus quatro primeiros anos.

Com Cazuza nos vocais, Frejat na guitarra, Dé Palmeira no baixo, Guto Goffi na bateria e Maurício Barros nos teclados, o Barão Vermelho lança em 1982 pela CBS/Opus Columbia seu álbum de estréia. Algumas canções chamam atenção no disco, que carrega uma forte influência de blues. Nessa linha, ressaltamos Posando de Star(Cazuza), que abre o álbum, seguida por Down Em Mim(Cazuza). Também ambientadas numa atmosfera bluseira estão a crônica social trágico-satírica Billy Negão(Cazuza/Guto Goffi/Maurício Barros), cujo personagem-título é uma versão brasileira do fora-da-lei norte-americano Billy The Kid. O álbum também conta com a primeira gravação do clássico Todo Amor Que Houver Nessa Vida(Cazuza/Frejat) e se encerra ao som de Bilhetinho Azul(Cazuza/Frejat).

O segundo álbum, Barão Vermelho 2, de 1983, gravado pela mesma companhia e produzido por Andy P. Mills e Ezequiel Neves, também apresenta tonalidades de blues nas fabulosas: Largado No Mundo(Frejat/Cazuza), que conta com o auxílio luxuoso da harmônica de Zé da Gaita; Carne de Pescoço(Cazuza/Frejat) e em Blues do Iniciante(Frejat/Maurício Barros/Guto Goffi/Cazuza), que desfruta da delicadeza do piano de Maurício Barros preenchendo, junto com a voz de Cazuza, toda a canção, num formato que a destaca do resto do álbum. Neste mesmo álbum está presente a canção que se tornaria o primeiro hit da banda: Pro Dia Nascer Feliz(Cazuza/Frejat), impulsionada pela antológica gravação de Ney Matogrosso.

O terceiro álbum Maior Abandonado de 1984, gravado ainda na Opus/CBS e produzido por Ezequiel Neves e pelo próprio Barão Vermelho, seria o último álbum da banda com Cazuza nos vocais. Deste álbum merecem destaque a faixa-título Maior Abandonado(Cazuza/Frejat), que abre o álbum e se tornou um dos maiores sucessos radiofônicos da banda e, ainda, a canção seguinte, Baby Suporte(Ezequiel Neves/Cazuza/Maurício Barros). Ambas se transformaram em videoclipes bastante irreverentes, característica que Cazuza levou consigo para sua carreira-solo. Deste álbum também chamam atenção as canções Você Se Parece Com Todo Mundo(Frejat/Cazuza), que goza do saxofone alto de Leo Gandelman; Milagres(Cazuza/Denise Barros/Frejat), que ganharia depois uma gravação emblemática de Elza Soares; o blues Não Amo Ninguém(Cazuza/Frejat/Ezequiel Neves); Por Que a Gente é Assim?(Ezequiel Neves/Cazuza/Frejat), que se vale da participação dos jovem-guardistas Golden Boys nos backing vocals. Também merece destaque a canção Narciso(Frejat/Cazuza), primeira composição de Cazuza com um teor homoafetivo. A canção que encerra o disco é o hit Bete Balanço(Cazuza/Frejat), composta para a trilha sonora do filme homônimo dirigido por Lael Rodrigues e estrelado por Débora Bloch. A “rapaziada” do Barão Vermelho também faz uma pontinha no filme como atores, no qual se destacam as falas de Cazuza, interpretando o personagem Tininho.

Em 1985, foi lançado pela Som Livre o primeiro álbum-solo de Cazuza, produzido por Nico Rezende e Ezequiel Neves. O disco abre com o hit Exagerado, cujos arranjos ficaram a cargo de Nico Rezende e no qual se sobressai a guitarra de Rogério Meanda. Em algumas entrevistas, Cazuza declarou que a letra desta canção possui um tom de deboche a um romantismo dramático que Cazuza adorava em canções, mas que, na vida cotidiana, considerava piegas. Também merece destaque a canção Cúmplice(Cazuza/Zé Luís), outra canção cuja letra apresenta um teor homoafetivo. Os arranjos dela também foram assinados por Nico Rezende. Outro destaque é a balada Codinome Beija-Flor(Cazuza/Ezequiel Neves/Reinaldo Arias), com a voz de Cazuza ao centro, coroada pelo piano de Nico Rezende, também responsável pelos arranjos. A última canção que destacamos deste álbum é a polêmica Só As Mães São Felizes, cujo título foi retirado de um verso do poema 12th Chorus do escritor beatnik Jack Kerouac, presente no livro Mexico City Blues. A canção chegou a ser censurada na época, pois o Brasil ainda não havia se livrado de todos os aparelhos autoritários que haviam sido herdados dos mais de 20 anos de ditadura militar.

Dois anos depois, em 1987, agora na Polygram/Philips, Cazuza lança o álbum Só Se For A Dois, produzido por Ezequiel Neves e Jorge Guimarães. O álbum abre com a arrojada e sensível Só Se For a Dois(Cazuza/Rogério Meanda) e seus versos potentes. Em seguida vem a iconoclasta Ritual(Cazuza/Frejat), que é seguida pelo hit O Nosso Amor A Gente Inventa(Cazuza/Rogério Meanda/João Rebouças) na qual se destaca o saxofone de Zé Luís. Em seguida vem a também subversiva Culpa de Estimação, na qual se sobressaem o teclado de João Rebouças e a clarineta de Netinho. Ainda merecem destaque o hit Solidão Que Nada(George Israel/Cazuza/Nilo Romero), com os notórios solos de guitarra de Rogério Meanda. Também merece atenção a faixa que encerra o álbum: Balada do Esplanada, poema de Oswald de Andrade musicado por Cazuza.

O ano de 1988 marca uma revolução estética e um entrecruzamento das dimensões estéticas, éticas e políticas da obra de Cazuza. A partir desse ano, seu trabalho se faz cada vez mais politizado e aponta com mais veemência para questões sociais e coletivas do nosso país. São lançados os álbuns Ideologia em abril e O Tempo Não Pára em dezembro do referido ano.

Ideologia, gravado na Polygram/Philips e produzido por Nilo Romero, Ezequiel Neves e pelo próprio Cazuza, começa com a emblemática faixa-título, composta por Cazuza e Frejat e com arranjos de Nilo Romero, considerada por muitos críticos uma das melhores composições de toda a história da música brasileira. O sentido da canção é reforçado pelo icônico videoclipe dirigido por Ana Arantes, considerado também pela crítica um dos clipes mais engenhosos e criativos da história da música brasileira. Do mesmo álbum merece destaque a profunda O Assassinato da Flor(Cazuza), cuja letra foi influenciada, segundo o pesquisador Rafael Julião, pelo conto A Imitação da Rosa e pela crônica Cem Anos de Perdão, ambos de Clarice Lispector. Também merece destaque a faixa A Orelha de Eurídice(Cazuza), na qual se sobressai o violino de Christie Hou. Em seguida, destacamos Guerra Civil(Ritchie/Cazuza), arranjada por Nilo Romero e pelo próprio Cazuza e na qual se salienta o coro formado por Sandra de Sá, Regininha e Jussara Lourenço. Também merece ênfase a clássica Brasil(Cazuza/George Israel/Nilo Romero), composta sob encomenda para o filme Rádio Pirata de Lael Rodrigues. Da gravação de Cazuza é importante nos atentarmos para a percussão de Marquinhos Jaca, que marca a brasilidade da canção. Brasil posteriormente seria gravada com grande êxito por Gal Costa, com os arranjos de Julinho Teixeira, para a abertura da novela Vale Tudo da TV Globo. 

Ainda merecem ser sublinhadas Um Trem Para as Estrelas, parceria de Cazuza com Gilberto Gil, feita para o filme homônimo de Cacá Diegues, no qual Cazuza faz uma curta aparição interpretando a si mesmo. Os arranjos dessa belíssima canção ficaram sob a regência de Torcuato Mariano e João Rebouças. Também relevante é a monumental Blues da Piedade, uma fusão de blues e gospel, com uma letra de refinada ironia, bem à moda Cazuza. Desta obra-prima ressalta-se: o coro, composto por Sandra de Sá, Regininha e Jussara Lourenço; a guitarra de Frejat; o baixo elétrico de Nilo Romero; a bateria de Sérgio Della Mônica e, por fim, William Rodrigues, que toca piano e órgão hammond na faixa. Ainda do disco é proeminente a canção Obrigado(Por Ter Se Mandado), composição de Cazuza e Zé Luís, que faz os arranjos da faixa e a ornamenta com seus saxofones. A canção que fecha o disco é a bossa Faz Parte do Meu Show(Cazuza/Renato Ladeira), tema da personagem Solange, vivida por Lídia Brondi, em Vale Tudo (1988). Esta canção foi uma das mais tocadas nas rádios brasileiras no ano de 1988.

Do álbum seguinte, O Tempo Não Pára, oriundo do show gravado em outubro de 1988 no Canecão sob a direção de Ney Matogrosso, que também foi o primeiro álbum ao vivo da carreira-solo de Cazuza, é válido destacar as duas faixas inéditas que ele traz: a regravação de Vida Louca Vida(Lobão/Bernardo Vilhena), que abre o álbum e a faixa-título O Tempo Não Pára, parceria de Cazuza com Arnaldo Brandão, vocalista da banda Hanói Hanói. Vale ressaltar que esta canção teve, até o presente momento, mais de 93 milhões de audições na plataforma Spotify, o que confirma sua atualidade e o frescor estético que a obra de Cazuza ainda possui.

Em agosto de 1989, foi lançado o excepcional álbum Burguesia, cuja faixa-título, composta por Cazuza, George Israel e Ezequiel Neves, foi bastante exitosa. A canção também ganharia um videoclipe dirigido por Ana Arantes, que chegou a ser consagrado na 32ª edição do New York Festivals, um dos mais importantes prêmios do setor de audiovisual do mundo. No álbum há mais uma composição com teor homoafetivo, a fantástica Como Já Dizia Djavan(Cazuza/Frejat). Este álbum também traz grandes e inéditas parcerias de Cazuza como a filosófica canção Tudo é Amor(Cazuza/Laura Finnocchiaro. Também destacam-se Perto do Fogo, parceria de Cazuza com Rita Lee, na qual se destacam a guitarra de Paulinho Guitarra e o violão de Carlinhos Kalunga. Em seguida vem a irreverente Cobaias de Deus, parceria de Cazuza com Angela Ro Ro. Ainda merece destaque a regravação que Cazuza fez de Preconceito(Antônio Maria/Fernando Lobo), canção que havia sido imortalizada na voz de Nora Ney. A gravação de Cazuza possui um formato bastante original, numa combinação rara de rock e tango. A gravação foi colorida pelo acordeon de Julinho Teixeira, pelo bandoneon de Ubirajara Silva e pelo piano de João Rebouças. Outra faixa que deve ser realçada é Azul e Amarelo, composição na qual Cazuza e Lobão usam um refrão composto por Cartola na canção Autonomia. A intertextualidade entre as duas canções transcende a citação e pode ser percebida em toda a letra. Em seguida é válido destacar Manhatã(Cazuza/Leoni), que recorre ao belíssimo flugelhorn de Paulinho Trompete. O álbum encerra com a magnífica Quando Eu Estiver Cantando(Cazuza/João Rebouças), da qual se sobressai o piano de João Rebouças.

As canções que não puderam fazer parte do álbum Burguesia foram reunidas para compor o álbum póstumo Por Aí de 1991, lançado pela Polygram/Philips e produzido por Ezequiel Neves e João Rebouças. Deste álbum, destacamos algumas canções notáveis. O disco abre com a faixa Não Há Perdão Para o Chato, parceria de Cazuza com Arnaldo Antunes e Zaba Moreau. Também chamamos a atenção para a bela Paixão(Cazuza/João Rebouças). É válido destacar nesta faixa o acompanhamento do teclado de João Rebouças e o primoroso sax soprano de Zé Nogueira. Também é válido destacar a sarcástica e genial Portuga(Cazuza/Orlando Morais). Ainda merecem ênfase Androide Sem Par(Cazuza/George Israel/Nilo Romero) e a ácida e brilhante O Brasil Vai Ensinar O Mundo(Cazuza/Renato Rocketh).

Além dos parceiros já referidos, Cazuza já compôs canções também com outros grandes nomes como Fagner, Joanna, Mú Carvalho(A Cor do Som), João Donato e Supla. As composições com esses parceiros foram registradas apenas em seus respectivos discos e ficaram ausentes da discografia oficial de Cazuza.

É importante também ressaltar que Cazuza foi um dos compositores mais regravados do Brasil. Suas canções já foram ganharam a voz de intérpretes do porte de MPB4, Kid Abelha, Cris Braum, Fafá de Belém, Dulce Quental, Angela Maria, Renata Arruda, Zizi Possi, Elba Ramalho e Leila Pinheiro.

Também merecem atenção alguns belos tributos em disco como Veneno Antimonotonia(1997) de Cássia Eller ; Agenor(2013) de China; Caju(2018) de Marcelo Quintanilha e Tudo é Amor(2021) de Almério.

Para que o leitor compreenda melhor a importância que a obra de Cazuza tem para os dias atuais, traremos agora um depoimento exclusivo de George Israel, parceiro e amigo de Cazuza. O depoimento pode ser lido integralmente na sequência.

Acho que realmente o que o Cazuza deixa é uma coisa que vai além dos anos 80, uma coisa que vai além do Barão, além até da carreira-solo dele...Cazuza é um dos maiores poetas de todos os tempos da música brasileira e dos maiores, com certeza. Isso com o tempo a gente vê, pois o filtro do tempo também diz muito…Você vê que as músicas estão aí presentes até hoje e acho que todo mundo que se aprofunda mais em música…mesmo a galera mais nova que, com o tempo, começa a ouvir o que tá na moda com uns 14, 15 ,16 anos…e depois, por gostar mesmo de música, vai se aprofundando e acaba chegando na MPB, com certeza, chegando nos anos 80 e chegando no Cazuza. Acho que eu vejo até pela maneira como eu vi o crescimento musical dos meus filhos. Vejo como cada um chegou nas músicas dele, no entendimento que ali tem uma qualidade de letras que se destaca e tem a atitude dele que foi muito importante. Isso as pessoas mais novas podem ver pelo YouTube, etc. Acho que ele foi um cara muito importante até no posicionamento dele de assumir a homossexualidade, de assumir a doença e se expôr, da coragem dele de tudo que ele foi…Ele se entregou pra arte dele, entregou a vida dele à arte dele. Teve uma história curta, porém, brilhante. Seja no momento do auge do Barão seja depois com a carreira-solo dele. Considero triunfal aquele show “O Tempo Não Pára” que foi o último show e o disco ao vivo que saiu com um repertório matador, um repertório eterno da música brasileira e que vale à pena revisitar sempre. Agora, em 2025, estamos num momento especial, teve a exposição dele no Rio maravilhosa e homenagens… Agora esse documentário “Boas Novas”, que foi feito até pelo Nilo que foi meu parceiro com o Cazuza em várias músicas. Eu tive a sorte de fazer mais de 15 músicas com o Cazuza. Estamos vivendo um momento bacana de resgate…o mais importante de tudo são as canções que ficaram, independente de qualquer coisa. As canções dele são um tesouro da música brasileira.

A minha primeira parceria com ele foi “Amor Amor”, pro filme “Bete Balanço”…foi o lado B de “Bete Balanço”. Tudo começou quando o Frejat me convidou pra participar desse projeto…o Frejat, que foi um dos meus primeiros amigos que se profissionalizaram. A gente tocava junto desde os 13 anos, a gente subiu nos palcos pela primeira vez juntos, com aquelas primeiras bandas. Ele me chamou pra fazer junto com eles esse projeto e depois dali o Cazuza me chamava de parceirinho e acho que a primeira música que ele pediu no segundo disco-solo acabou virando “Solidão Que Nada”. É aí é que a gente entende que mandar uma música pra um cara desses… enviar uma simples fita demo gravada em casa e receber uma pérola de volta é uma grande sorte. “Brasil”, por exemplo, foi uma história muito incrível também. Essa música foi uma encomenda para um filme chamado “Rádio Pirata” do mesmo diretor do “Bete Balanço”, o Lael Rodrigues. A gente mandou uma canção bonita, eu e Nilo, a gente fez uma canção, mandou para o Cazuza. Eu e Nilo falamos que queríamos uma coisa com mais paudurecência…a gente tava, eu e Nilo, num momento de pensar nessa coisa da mistura do samba com o rock. A gente, que adorava Novos Baianos, acabou fazendo a música e buscando um pouco acertar a mão nisso. Na fita que a gente mandou para o Cazuza tinha já uma divisão de tamborim, acho que isso já sugestionou a ele essa história de Brasil. Passaram-se uns dias e veio Ezequiel Neves, que era a eminência-par…produtor da carreira-solo do Cazuza, produtor, mas não de estúdio, ele era mentor da carreira-solo dele. O Zeca chegou na nossa casa e falou : “Tô trazendo pra vocês um novo hino do Brasil”. A gente respondeu: “Caraca… é tudo isso mesmo?”. Quando vimos a letra e colocamos na música, a gente entendeu que fazia bastante sentido. Foi uma surpresa muito boa”.

Dentre outros gênios que, assim como George Israel, souberam com precisão conceituar o lugar de Cazuza dentro da música brasileira está Gilberto Gil, que, num depoimento encontrado no livro “Só As Mães São Felizes”, verbaliza:

Cazuza era um estudante. Um estudante da vida. Tudo o que escreveu me parecia uma dissertação sobre a vida, um pequeno trabalho escolar, um desenho da vida, um trabalho manual sobre a vida. Era um poetaço, admirável. Quando ouvia suas músicas, sempre embaladas no rótulo do rock, tomava enormes bofetadas. Nesse sentido, só Rita Lee me provocou emoção igual. Tinha uma coisa totalmente despretensiosa, um modo corriqueiro de dizer coisas profundas. Era um belo observador do ser humano e tinha a ousadia de universalizar sua individualidade. Cazuza tinha também a dimensão da tragédia muito explícita, muito almejada, desejada e produzida pela dinâmica vital".

A força do discurso poético de Cazuza concilia o quase inconciliável. Une o juvenil ao profundo, o lírico ao maldito, o chique ao marginal, segundo a observação aguda do escritor Caio Fernando Abreu.

Por todas essas qualidades e pela coragem dele ter sido um artista-cidadão, um trovador-antropólogo e antena tão viva que entendeu como ninguém o que foi, o que é e o que será o Brasil, Cazuza merece todas as nossas reverências. 

Viva, Cazuza!

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