MÚSICA

"É necessário que haja uma conscientização contra a homofobia", declara Joanna, ícone LGBTQIAPN+ da música brasileira, em entrevista exclusiva

A cantora e compositora Joanna.
A cantora e compositora Joanna.

Joanna, um dos nomes mais importantes da música popular brasileira, conversou conosco sobre alguns momentos emblemáticos de sua carreira como: a amizade dela com Gonzaguinha, um blues que compôs junto com Cazuza e uma parceria recente com Roberta Campos.

Joanna, nascida Maria de Fátima Gomes Nogueira, iniciou seu contato com a música ainda na infância e, aos 12 anos, já começou a estudar violão.

Nos anos 1960 realizou sua primeira apresentação como integrante do grupo Rede.

Foi no ano de 1979, porém, que Joanna ganhou projeção nacional como cantora, devido à divulgação realizada pelo “Fantástico” da TV Globo de duas canções do seu primeiro álbum.

Em 1980, Joanna grava “Labaredas”, uma parceria inédita de Cartola e Hermínio Bello de Carvalho no seu primoroso álbum “Estrela-Guia”.

No disco “Chama” de 1981, Joanna grava “Nos Bailes Da Vida” de Milton Nascimento e Fernando Brant, canção feita especialmente pra ela e só depois gravada por Milton.

No álbum “Brilho e Paixão” de 1983 mostrou sua versatilidade ao gravar o contagiante frevo “Pro Que Der e Vier”, parceria do genial Sivuca com Paulinho Tapajós e, neste mesmo álbum, a irretocável “Acreditar”, parceria de Joanna com Sarah Benchimol e Ronaldo Malta.

Em 1985, grava num álbum homônimo a belíssima “Onde Andarás” de Caetano Veloso e Ferreira Gullar num dueto com Gal Costa.

Ainda é válido destacar de sua discografia dos anos 1980 o exitoso álbum “Joanna” de 1986, que contém a canção “Um Sonho A Dois”, parceria dos hitmakers Michael Sullivans e Paulo Massadas, gravada com a participação do grupo Roupa Nova.

Nos anos 1990, Joanna lança os fabulosos “Joanna Canta Lupicínio” de 1994, “Aquarela Portuguesa” de 1995 e “Joanna Em Samba-Canção” de 1997.

Dos anos 2000, destaco o maravilhoso “Joanna Entre Amigos” que conta com a participação de João Bosco em “Quando o Amor Acontece”, Martinho da Vila em “O Pequeno Burguês”, Zeca Pagodinho em “Colher de Pau” e Maria Bethânia na belíssima “Maninha”, composta por Chico Buarque.

Do mais recente álbum “Aqui e Agora” de 2021 destaco as encantadoras “Olhos Nus”, parceria dela com Sarah Benchimol, “O Cravo e a Magnólia” de Maciel Melo e “Êta Mundo Bão” de Renato Teixeira, num dueto com Elba Ramalho.

Para nos debruçarmos com mais propriedade sobre a obra de Joanna, traremos uma entrevista imperdível que a cantora nos concedeu e pode ser lida na sequência.

Observatório G: Você poderia nos falar brevemente como foi seu percurso como cantora até chegar ao 1° lugar de um concurso do Programa “A Grande Chance” do Flávio Cavalcanti na TV Tupi?

Joanna: Saí de casa aos 17 anos com o intuito de trilhar uma carreira musical . A 1ª oportunidade que tive foi através do programa “A Grande Chance” da TV Tupi. A produtora do programa se encantou com minha voz e disse que eu seria uma excelente caloura. Escolhi a música “Falsa Baiana”, fui classificada e, logo após, na final, cantei “Última Forma” de Baden Powell e Paulo César Pinheiro, ganhando o concurso e, assim, meu 1º contrato pra cantar na noite! Tempos depois, encontrei a mesma produtora deste programa e formamos uma parceria musical. Daí nasceu nossa primeira composição “Cicatrizes”, que acabou fazendo parte de uma novela.

Observatório G: Certa vez, você comentou que seu disco chegou acidentalmente ao “Fantástico” da TV Globo no final dos anos 1970 e que foi através disso que sua carreira deslanchou. Como foi isso?

Joanna: Eu havia sido contratada recentemente pela minha gravadora na época, a RCA, hoje Sony Music, com um contrato de 3 anos. Acontece que a gravadora entrou  numa contenção de despesa e resolveu enxugar o cast. Como eu era uma novata , ainda sem perspectivas de fazer sucesso, entrei na lista dos desempregados(rindo). Mas o departamento de marketing da gravadora já havia enviado o meu álbum para a Globo , mais precisamente para o “Fantástico”, que era o programa de maior audiência. Então veio o pedido da Globo para a gravação de “Descaminhos”, música minha e de Sarah Benchimol e uma outra de Milton Nascimento chamada “Moreno”, ou seja, Joanna em dose  dupla. A gravadora enlouqueceu, pois já tinha me dispensado. Tentou negociar um outro artista no meu lugar,  mas a Globo foi incisiva: “Queremos é a cantora nova, a Joanna”. Daí não teve jeito! Eles tiveram que me readmitir e deu no deu. Aqui estou eu com uma carreira vitoriosa no Brasil e no exterior e ainda com muito fôlego pra profundos mergulhos!  

Observatório G: Você poderia nos falar um pouco como foi a sua amizade com o Gonzaguinha?

Joanna: Gonzaguinha na minha vida foi uma luz! Um homem de poucas palavras, mas de um coração cheio de poesia e muito generoso. Eu o conheci através de um dos meus produtores. Lembro que, em 1979, ele estava presente no meu 1º show, no Teatro Ipanema, no Rio de Janeiro, me olhando fixamente. Ele fez um comentário depois do show que me desconcertou, disse: “Você precisa olhar quem te ama dentro dos olhos. Você cantou o tempo todo de olhos fechados”. Depois ele saiu, sorriu e me mandou a primeira música dele que gravei, chamada “Agora”, música que fala do primeiro voo que dei pelo mundo em busca do sucesso. Diz assim: “Tira essa dor do caminho que eu vou sair por aí. É primavera no meu coração e eu nem quero saber se sofri. É como se então, de repente, luz do sol, novo dia. Dessa vez viu chorar toda minha alegria”. Que falta ele me faz! 

Observatório G: Em 1989, você gravou no álbum “Primaveras e Verões” a canção “Nunca Sofri Por Amor”, uma parceria sua com o Cazuza. Você poderia nos contar como foi o processo de composição desta faixa?

Joanna: Conheci Cazuza quando ele ainda não era a estrela que foi. Eu frequentava a casa de Lucinha, mãe dele e começamos nossa amizade ali. Antes de Cazuza ser quem foi, Lucinha havia gravado algumas canções minhas, sendo que uma delas acabou entrando numa novela.  Ou seja, nosso convívio foi se estreitando até que o Caju(como ele gostava de ser chamado), começou a dar os passos em direção à fama. A carreira de Cazuza todos conhecem. Muito tempo depois nos encontramos, mas já na fase da doença dele. Ficamos mais perto. Eu o visitava constantemente no hospital e a música nasceu ali. Mudei três palavras e ele adorou.  Nasceu um blues lindíssimo, que acabei gravando em 89 com uma Big Band fantástica.  Não tive tempo de estreitar nossa parceria, pois ele veio a falecer logo após.

Observatório G: Você poderia nos contar um pouco como foi a gravação do seu celebrado disco “Joanna Canta Lupicínio” de 1994?

Joanna: Em 1993, tive um encontro antológico com Roberto Menescal, Ronaldo Bôscoli e Mièle, numa noite inesquecível, muito papo sobre música, pois, afinal, eu estava com a fina flor da MPB. Papo vai e papo vem, Ronaldo sugeriu que eu fizesse algumas regravações de músicas emblemáticas que marcaram alguma época importante da MPB. Eu, Menescal e Mièle fizemos algumas sugestões, mas foi Menescal quem cantou a bola: Lupicínio Rodrigues! A princípio, achei a iria soar meio antigo, mas logo Menescal se adiantou, dizendo que faríamos algo mais bossa-novista. Entramos no estúdio e o álbum ganhou uma grandeza enorme com esse novo conceito. Logo partimos para uma turnê pelo Brasil, onde foi possível ganhar meu 1º disco de platina em projetos especiais. Depois fizemos mais dois lindíssimos, mas este do Lupicínio foi um tiro na mosca.

Observatório G: Como você avalia hoje a indústria fonográfica do Brasil?

Joanna: A indústria brasileira é vista no mundo como uma das mais criativas. Temos grandes nomes e referências mundiais. Hoje, atravessamos uma onda atípica musicalmente. Não acho que o que está sendo reproduzido exaustivamente nas rádios representa a essência da música brasileira. Acho morno e sem conteúdo. Acho frágil. Não vejo poesia. Existem alguns poucos nichos de compositores novos fazendo música de excelência como, por exemplo, a Roberta Campos. Mas o que impera é pueril.  

Observatório G: Você, em 1999, disse numa entrevista à Marília Gabriela que tinha vontade de gravar um disco todo em homenagem ao Chico Buarque. Você ainda tem vontade de realizar esse projeto?

Joanna: O problema de gravar Chico é: o que gravar? São tantos momentos mágicos que fica difícil fazer uma triagem da beleza de seu trabalho . Como adoro fazer projetos, não vou descartar a possibilidade de encher meu coração de alegria ao fazê-lo. Chico é meu grande estandarte em termos de influências. É uma honra ter nascido num tempo onde existe Chico Buarque! 

Observatório G: Em 2021  você regravou a canção “Chama” com o João Fênix e, recentemente, um dueto seu cantando “Quanto Te Vi” com a Roberta Campos. Como é sua relação artística com a nova geração de intérpretes e compositores? Quais deles você gosta de escutar?

Joanna: “Chama” foi um grande marco na minha carreira. Uma música que cita, fala ao coração daquele que ama música por excelência e que faz dela o seu ofício! Tive grandes nomes a fazer música pra mim, principalmente os novos compositores, como o Geraldo Amaral e o Aristides Guimarães (este já não se encontra entre a gente). Tive a chance de dar oportunidade para essa galera que se escondia nos bastidores. Gravar com Fênix foi lindo, ele é um grande cantor! O meu encontro com Roberta foi um dos mais mágicos! Ela é dona de um dos trabalhos de composição mais consistentes da atualidade. Escolhemos juntas a música “Quando Te Vi” por ser uma música da memória afetiva de ambas. Ficamos de nos encontrar em breve pra compormos juntas.

Observatório G: Você, como uma artista LGBTQIAPN+, percebeu algum progresso nessa pauta nas últimas décadas no Brasil?

Joanna: Há muito ódio e preconceito ainda contra a comunidade. É necessário que haja uma conscientização contra a homofobia, a lesbofobia, entre outros. Existe uma violação de direitos quando se impede o acesso ao trabalho e à educação. Todos somos cidadãos, todos temos que ter as mesmas oportunidades, todos merecemos respeito. Devemos incentivar um plano bem estruturado nacional de promoção da cidadania e direitos humanos de gays e afins. Acho que seria um grande passo!

Joanna é uma artista de uma percepção estética singular e uma cidadã bastante consciente das questões do seu tempo.

Que ela continue nos inspirando e entregando a beleza de suas canções ao Brasil, um país profundamente musical!

Viva, Joanna!