O cantor, compositor e pianista gay Johnny Alf é conceituado, por parte da crítica especializada, como um dos criadores da bossa nova devido ao colorido jazzístico que usou desde sempre para desenhar sua obra.
Nesta edição em homenagem a este grande artista, traremos uma entrevista exclusiva com a cantora Alaíde Costa, grande amiga de Johnny e a intérprete preferida dele.
Alfredo José da Silva, o Johnny Alf, é tido por muitos como um dos precursores da bossa nova, pois estabeleceu algumas das bases musicais que caracterizaram o movimento.
A obra moderna de Johnny Alf antecede em mais de dez anos o antológico álbum “Chega de Saudade” de João Gilberto, considerado o marco inicial da bossa nova.
Johnny Alf dedicou sua vida ao ofício de músico, sempre colocando a sua arte acima de qualquer pressão mercadológica.
O seu rigor estético o tornou um dos compositores mais sofisticados de toda a história da música brasileira.
Johnny começa a estudar piano aos 9 anos de idade e, aos 23, inicia a sua carreira profissional na Cantina do César, trabalho que conquistou devido ao seu talento e à indicação dos cantores Dick Farney e Nora Ney.
Neste mesmo período a atriz e cantora Mary Gonçalves grava algumas composições que deram prova ao grande público do exímio compositor que Johnny era.
Em 1953, Johnny compôs as duas canções que seriam consideradas precursoras da bossa nova: “Céu e Mar”, que ele categorizou como um baião moderno e “Rapaz de Bem”. Ambas foram registradas à época como sambas, embora possuíssem particularidades que as diferenciavam do samba que se fazia até então.
Vale ressaltar que Tom Jobim, como o próprio contou em entrevistas, inspirou-se em “Rapaz de Bem” para compor “Desafinado”, parceria dele com Newton Mendonça gravada no LP “Chega de Saudade” de João Gilberto que se tornou uma espécie de hino-manifesto da bossa nova.
A partir de então, vivendo sempre entre o Rio de Janeiro e São Paulo, Johnny lançaria seus sublimes álbuns “Rapaz de Bem” de 1961; “Diagonal” de 1964 e “Johnny Alf” de 1966.
Em 1967, a cantora Márcia defendeu no 3º Festival de Música Popular Brasileira da TV Record um dos maiores sucessos de Johnny Alf como compositor: “Eu e a Brisa”, considerada pelo próprio Johnny, numa carta escrita ao amigo Eduardo Caldeira, uma letra confessional que expressa, de alguma maneira, sua orientação sexual.
Johnny, em 1973, ensaiou um trabalho de tom mais político cujo resultado seria a apresentação de um show denominado “Acorda, Ulysses”. Neste espetáculo Johnny entoaria a canção de protesto “Canto dos Tempos Chegados” e incluiria um recital com trechos das obras dos poetas pan-africanistas Aimé Cesaire e Léopold Senghor. A censura do regime militar, porém, interditou este projeto em virtude do alto teor político-social que ele possuía.
Em 1975 lançou o antológico “Nós” com participações de nomes como Milton Nascimento, Gonzaguinha, Gilberto Gil, Ivan Lins e Egberto Gismonti.
Segundo João Carlos Rodrigues, biógrafo de Johnny, a capa deste álbum, com Johnny de perfil em primeiro plano com uma blusa coloridíssima e ao fundo desfocado um rapaz vindo em sua direção foi bastante comentada à época e é considerada precursora da arte gay nos discos brasileiros.
Na saga discográfica de Johnny ainda é válido destacar os excelentes “Desbunde Total” de 1978 e “Olhos Negros” de 1990, que teve participações de nomes como Emílio Santiago, Sandra de Sá, Caetano Veloso, Chico Buarque e Gal Costa.
Para celebrar de forma mais afetuosa a obra e a biografia de Johnny Alf, Observatório G traz na sequência uma entrevista com a cantora Alaíde Costa, grande amiga de Johnny e a sua intérprete favorita.
Observatório G: Como você conheceu o Johnny Alf?
Alaíde Costa: Bom, eu estava ainda em programas de calouros lá em 1952. O Johnny tinha um programa na Rádio Clube do Brasil no qual ele se apresentava sozinho com seu piano, eu até me pergunto como isso aconteceu porque com aquela modernidade toda…naquela época…Como diz o Chico Buarque fica o dito e o redito pelo não dito. Eu fiquei literalmente apaixonada pela música do Johnny Alf. Eu estava lá trilhando a minha carreira de cantora aos 16 anos.
Observatório G: Quais eram as particularidades da música dele que foram importantes pra formação da bossa nova e da música brasileira naquele momento?
Alaíde Costa: Pelo que eu conheci do Johnny, naquela época, já em 1953 ou 1954, uma cantora chamada Mary Gonçalves gravou um LP de 10 polegadas cada face. Ela cantava Johnny Alf e outros compositores também. Eu fiquei apaixonada pelas canções que a Mary cantava. Estavam no disco “O Que é Amar”, “Escuta” e outras mais lindíssimas do Johnny. Fiquei naquela paixão pelo Johnny e comecei a aprender as músicas que a Mary Gonçalves tinha gravado. Então comecei a sair pelos programas de calouros da época cantando essas obras. Ninguém entendia o fato de eu querer cantar aquelas músicas. Alguns diziam “essas músicas não tem nada a ver” e outros diziam “você tem que cantar uma coisa mais atual”. O mais atual que eles se referiam era a festividade que eu não queria pra mim.
Observatório G: Quais eram as referências musicais dele? O que ele mais gostava de escutar?
Alaíde Costa: Pelo que eu saiba ele ouvia muito jazz. A formação dele foi por esse caminho. O jazz tem algo muito especial. Acho que o caminho dele foi pelo jazz, mas pelo jazz de uma maneira muito particular dele.
Observatório G: Como você se sente sendo a cantora preferida dele?
Alaíde Costa: Eu me sinto muito orgulhosa porque eu sempre amei o Johnny, sabe? Não tenho palavras que consigam traduzir a admiração que eu tenho por ele. Ele é uma pessoa muito especial na minha vida.
Observatório G: Como foi ter gravado o álbum Alaíde Em Tom de Canção(2010) em homenagem à obra dele?
Alaíde Costa: Foi um momento muito especial. Era tudo o que eu queria! Não sei se fiz à altura dele. Espero que sim. Foi um momento muito especial pra mim.
Observatório G: Qual é a música do Johnny que mais te toca?
Alaíde Costa: Todas me tocam, mas se é pra escolher uma em si seria “Quem Sou Eu”.
Observatório G: Vocês compuseram juntos a canção “Meu Sonho”…como aconteceu essa parceria?
Alaíde Costa: A parceria se deu dessa maneira: nós estávamos fazendo uma apresentação numa casa de shows lá no Rio. Naquela época a gente fazia temporadas de terça a sábado, era uma temporada grande. Numa sexta-feira de uma dessas temporadas, o Johnny chegou com um papelzinho dobrado e colocou na minha mão. Eu li no meio do caminho até a minha casa aquela poesia lindíssima. No dia seguinte, ao encontrar com ele, falei: “Johnny, que poesia bonita!” Ele respondeu da seguinte maneira: “Pra você musicar!” Surpresa, respodi: “Johnny, eu, musicar pra você?” Ele respondeu de imediato: “Vire-se!” Eu me virei. Fiz uma melodia que ele gostou. Depois, passado muito tempo, nós fizemos uma excursão pela Alemanha. Era um show meu e dele. Nesses shows ele se recusava a tocar piano, não queria tocar! Tinha outra pessoa que tocava. A única vez que ele resolveu tocar piano foi quando eu falei que ia cantar a nossa canção… Nossa, isso é uma coisa muito gratificante, sabe?! Ele é muito especial na minha vida.
Johnny Alf deixou um acervo de 80 canções gravadas, cujos registros estão em posse de seis editoras.
Suas canções mais regravadas foram “Eu e a Brisa”, “Ilusão à Toa”, “Rapaz de Bem”, “Céu e Mar” e “O Que É Amar”.
A lista dos seus intérpretes é vasta: Nelson Gonçalves, Cauby Peixoto, Agostinho dos Santos, Wilson Simonal, Leny Andrade, Leila Pinheiro, Isaura Garcia, Simone, Emílio Santiago, Alcione, João Gilberto, Claudette Soares, Sylvia Telles, Nara Leão, Elis Regina e mais uma infinidade de vozes mundo afora filiadas ou não à bossa nova.
Johnny Alf foi um mestre da canção brasileira que produziu uma obra coerente, bonita e moderna até mesmo para os dias de hoje.
O sabor de suas notas e palavras refresca nossos sentidos e nos transporta, a cada audição, para a atmosfera praiana, que Johnny transpôs de forma magistral para as suas canções sofisticadas.
Que sua memória nunca seja esquecida e que sua obra continue inspirando gerações de músicos anos a fio!
Viva, Johnny Alf!