Música

Lennie Dale, o ícone gay da Bossa Nova, pelo olhar de seu grande amor Ciro Barcelos

Em entrevista exclusiva ao Observatório G, Ciro Barcelos fala sobre a genialidade de Lennie Dale e da contribuição singular que ele deu à música brasileira

O cantor e coreógrafo Lennie Dale e o multiartista Ciro Barcelos
O cantor e coreógrafo Lennie Dale e o multiartista Ciro Barcelos

Lennie Dale, cantor e coreógrafo ítalo-americano radicado no Brasil, foi o único artista assumidamente gay da Bossa Nova desde o início do movimento. Hoje ele será nosso homenageado devido à sua contribuição imensurável à cultura musical brasileira.

Pra que esta homenagem nos aproxime de maneira mais fiel da biografia de Lennie, Observatório G traz nesta edição uma entrevista exclusiva com Ciro Barcelos, o maior discípulo e grande amor da vida de Lennie Dale.

A paixão de Lennie Dale pelo Brasil veio desde a infância, pois ele era fã absoluto de Carmen Miranda quando criança.

Foi um artista irretocável em tudo o que fez. Além de coreógrafo consagrado, também possuía uma voz primorosa e uma musicalidade singular. Para a cantora Maria Bethânia, Lennie era “uma aula de música personificada”.

A relevância que Lennie Dale teve para a Música Popular Brasileira é incalculável.

Lennie lançou três álbuns pela gravadora Elenco: “Um Show de Bossa” de 1964, “Lennie Dale e o Sambalanço Trio” de 1965 e “A 3ª Dimensão de Lennie Dale” de 1967.

Além disso, foi o divisor de águas na carreira de sua grande amiga Elis Regina e também foi crucial para o desempenho coreográfico da cantora e atriz Elba Ramalho no filme musical “Ópera do Malandro”.

Antes mesmo do seu apogeu com o grupo Dzi Croquettes, Lennie já tinha na bagagem algumas experiências de peso com musicais. Integrou, ao lado de Jerome Robbins, o musical West Side Story, na Broadway, nos anos 1950, e, em 1963, criou as coreografias do filme Cleópatra, estrelado por Elizabeth Taylor.

Com uma biografia artística extensa, Lennie Dale teve como uma de suas mais marcantes características pessoais dividir de maneira generosa sua rica experiência no palco com os discípulos. O mais importante deles, Ciro Barcelos, com quem Lennie também foi casado, concedeu uma entrevista exclusiva ao Observatório G, que os leitores poderão ler na sequência.

Observatório G: Você acha que o Lennie gostaria de ser apresentado numa homenagem nos dias de hoje como um homem cis gay ou bissexual?

Ciro Barcelos: O Lennie era gay, mas ele entendia já naquele época a questão cis, que éramos nós, os Dzi Croquettes, a gente na verdade era cis, porque a gente não tinha nenhuma preferência, nem tendência de levantar bandeira, nós pregávamos a liberdade: liberdade de ir e vir, liberdade sexual, em todos os sentidos. Nós tínhamos namoradas e namorados.

Observatório G: Seria correto considerar o Lennie Dale o primeiro cantor assumidamente gay da Bossa Nova?

Ciro Barcelos: Quanto a ele ser o primeiro cantor gay da Bossa Nova, nunca pensei nisso, muito menos ele, mas talvez, sabe? Talvez hoje a gente possa olhar com esse olhar, sabe? Realmente ele era muito assumido. Já chegou de Nova York sexualmente resolvido. Mas isso causou grande impacto aqui porque a Bossa Nova era muito machista e de repente o Lennie tinha todo aquele modo dele de ser assumido, de dançar com aquela sensualidade toda, bem andrógino. Também a vida sexual dele era muito aberta, muito declarada, ele não escondia nada de ninguém, não. O Lennie, sem dúvida nenhuma, foi um divisor de águas nesse sentido também. Ele foi o responsável por uma quebra de paradigmas em toda uma geração com relação à sexualidade. Desde lá dos anos 60 com a Bossa Nova no meio daqueles músicos todos bem machistas, homofóbicos e tal. Quanto depois também, logo que a gente começou com o Dzi Croquettes, que aí foi um divisor de águas também porque os meninos, os homens, quase não frequentavam as academias de dança, só o ballet clássico. E a partir do Lennie, da gente, dos Dzis, que a rapaziada começou a se interessar e a se encorajar a expressar sua sensualidade, sua sexualidade, sua feminilidade, por que não? Independente inclusive de preferência sexual, isso tudo, foi todo um movimento que o Lennie já começa lá nos 60 e aí com o Dzi Croquettes a gente vai então explodir com isso e isso virar uma revolução.

Observatório G: Qual era a sua relação com o Lennie?

Ciro Barcelos: Eu vivi com o Lennie, eu fui casado com o Lennie. Quando eu o conheci aqui em São Paulo, eu tinha 18 anos. Eu tava fazendo o musical “Hair”. Tinha recém-saído de Porto Alegre, lá da minha cidade, já fazendo teatro, enfim. Eu tava fazendo “Hair” naquela primeira montagem com Sônia Braga ainda, Armando Bógus, aquela turma toda. Nós nos conhecemos, eu já era fã do Lennie desde os meus…eu sempre fui uma criança muito ligada em música, desde pequeno. Fã de Elis Regina e Lennie Dale, via os programas do Lennie na televisão, quando ele dançava, essa coisa toda, então ele já era um ídolo meu. Aí aconteceu que ele assistiu ao “Hair”, me cumprimentou, me paquerou e me ganhou(rindo). Aí eu já fui ao Rio de Janeiro com ele quando terminou “Hair”, porque ele tava aqui em São Paulo fazendo um show, eu fui assistir a esse show dele. Depois eu fui com ele ao Rio de Janeiro e lá no Rio, então, já fui morar com ele. Eu fui com ele porque ele me deu uma bolsa de dança, pra estudar dança. Eu achei por bem ir embora pro Rio, até porque eu tinha familiares lá. Eu sou gaúcho, mas criado no Rio de Janeiro. Depois que eu voltei pro Rio Grande do Sul com uns 15 anos de idade eu fiquei uns dois anos até eu sair e ir embora com o “Hair”. Na verdade eu fugi de casa pra fazer o “Hair”. Quando o “Hair” passou por lá, pela minha cidade. Então eu vi nesse encontro com o Lennie uma grande oportunidade na minha vida e voltei pro Rio de Janeiro. Já fui morar com ele. Ali então fiquei todo o período do Dzi Croquettes, foram anos. Nós vivemos juntos, não propriamente casados porque àquele época esse negócio de casamento não era muito formalizado(rindo). Eu morava com ele, nós tínhamos uma relação. Éramos mais namorados do que um casal como existe hoje. A gente era bem avesso a essa ideia de casal. A gente fugia dessa instituição “casamento”. Nós tínhamos uma relação muito aberta. Eu morava com ele, mas namorava com meninas também. Namorei com a Wilminha que namorou a Gal, eu namorava também com outras meninas e outros meninos, assim como o Lennie fazia o mesmo, mas nós morávamos juntos e tínhamos uma relação muito estável no sentido de uma segurança, eu amava muito ele e ele muito a mim. Em grande parte ele resolveu fazer o Dzi, entrar nessa história toda porque eu entrei primeiro, eu fui convidado por um dos atores que tavam formando esse grupo, aí ele acabou vindo atrás. Por eu ter começado a integrar esse grupo, ele ficou curioso, quis saber o que é que era, até porque ele tava cuidando de mim. Ele me dava aulas de dança e tava me preparando para que eu viesse a ser um artista, um bailarino pra dançar junto com ele nos shows dele e acabou que ele integrou também o Dzi Croquettes.

O Lennie era um cara excepcional, ímpar. O Lennie era um acidente genético, jamais vai existir outro e de uma inteligência, uma sabedoria artística inigualável, foi meu mestre, me ensinou tudo tudo tudo tudo, me deu régua e compasso, tudo o que eu sei e faço hoje tem raíz lá nesses tempos vivendo com o Lennie Dale. Eu era muito obstinado, estudioso, então aprendi tudo com ele.

Observatório G: Como se dava a escolha de repertório musical do Dzi Croquettes à época em que o Lennie dirigia o grupo?

Ciro Barcelos: A escolha musical do Dzi se deu muito, acima de tudo, por parte do Lennie e do Wagner Ribeiro, que era autor e também escrevia canções. Então várias músicas foram compostas originalmente para o espetáculo. Canções do Wagner Ribeiro, senão o próprio Lennie escolhia canções juntamente com o Pedrinho Mattar, que era o pianista da época que acompanhava a maioria dos artistas, nos shows e coisa e tal. Um exímio, um grande pianista da época da Bossa Nova que sempre acompanhou Lennie, então juntos eles compunham a trilha.

Observatório G: Quais canções da Bossa Nova entraram nos espetáculos de vocês?

Ciro Barcelos: Olha, da Bossa Nova mesmo, não tínhamos canção da Bossa Nova porque o Dzi é bem pós-bossa nova. Nós tínhamos canções de Gal do disco Índia, “Relance”, tinha música do Gilberto Gil. “Dois Pra Lá, Dois Pra Cá” com a Elis Regina. Tínhamos James Brown, tínhamos Isaac Hayes. Artistas da Black Music norte-americana. Tínhamos canções do “2001-Uma Odisseia no Espaço”. Tínhamos canções dos Novos Baianos como “Tinindo Trincando”. Mas Bossa Nova mesmo não tinha, não.

Observatório G: O que o Lennie achava da Música Popular Brasileira e o que ele mais gostava de escutar da MPB?

Ciro Barcelos: O Lennie era um apaixonado da Música Popular Brasileira e foi isso que fez ele ficar aqui acima de tudo. Ele pegou a época da Bossa Nova porque, quando ele chegou, era o auge e ele teve toda essa importância porque ele pegou a Bossa Nova e começou a cantar dando uma outra interpretação, mais jazzística. Daí então ele quebrou todos os paradigmas daquela levada mais de notas estendidas que era da Bossa Nova, mais monocorde, ele foi quebrando isso com contratempos sincopados que ele trazia do jazz. Ele era muito apaixonado e cantava tudo, inclusive aquele medley de “O morro não tem vez” que a Elis gravou com o Jair e tudo, aquilo o Lennie já cantava. Logo que ele chegou aqui, já pegou esses sambas do morro também, que ele ficou muito deslumbrado com isso e que, na época, ainda havia muita discriminação porque a Bossa Nova era uma ideologia, uma filosofia e um estilo musical muito elitista. O Lennie então pega também esses sambas e começa a cantar eles num formato bem jazzístico.

Observatório G: É verdade que o Lennie criou uma coreografia específica pras canções da Bossa Nova?

Ciro Barcelos: O Lennie, na verdade, ficou muito famoso assim… da época da Bossa Nova… “O Pato” que havia sido gravado pelo João Gilberto e que o Lennie cantava “O Pato”, com aquele swing dele todo. Então, através de “O Pato” e do modo dele se expressar corporalmente, de dançar o samba, ele acabou criando o Samba Pra Frente, que gerou a dança da Bossa Nova. Ele criou então esse estilo que foi a dança da Bossa Nova e a partir dali foi dando todo um outro conceito pra dança no Brasil. Digamos que ele modernizou o samba e misturou com o jazz. Criou-se então a famosa dança da Bossa Nova. Criada pelo Lennie Dale, que teve muito sucesso e na época era assim…a grande onda. As pessoas todas queriam aprender com o Lennie a dança da Bossa Nova.

Observatório G: Lennie comentava algo especial sobre a musicalidade de Elis Regina e sobre o antes e depois dos ensinamentos coreográficos que ele ensinou à ela?

Ciro Barcelos: Sobre Elis, sim, eles se conheceram logo no início da carreira dela aqui no Rio, como todos já sabem, já está contado no filme e tudo o mais, embora o filme não retrate tão bem o quanto ele foi importante. Eles eram muito amigos, ficaram muito amigos, Lennie era amigo mesmo íntimo dela. Eu mesmo compartilhei dessa amizade, porque quando eu conheci o Lennie, ainda um ano antes do Dzi Croquettes, fui morar com ele e frequentava a casa da Elis com ele e via ele ensinando a Elis todo aquele gingado corporal dela e mesmo assim questões de divisões musicais da Elis, muita coisa ela pegou vendo o Lennie cantar, sabe, existe Elis Regina antes e depois de Lennie Dale.

Observatório G: O que o Lennie achava dos três discos de Bossa Nova que ele lançou?

Ciro Barcelos: Ah, os discos dele, ele gostava muito! Adorava os discos dele e foram muito sucesso na época, vendiam muito, aliás vendem até hoje. O “Lennie Dale-Um Show de Bossa” no Japão é sucesso sempre. Eles tão sempre pedindo novas edições.

Observatório G:  Quais foram as influências musicais que o Lennie trouxe para os álbuns de Bossa Nova? Que artistas e grupos musicais em especial eram inspiração musical para ele nesta fase? Algum cantor em especial era a maior referência dele?

Ciro Barcelos: O Lennie, a influência dele é norte-americana, então o que ele leva pros álbuns de Bossa Nova, os dele especificamente, é a sofisticação norte-americana que ele traz e também a questão do samba-jazz. É através dele que o samba-jazz nasce e se populariza. Agora ele cantava sempre acompanhado pelo Sambalanço Trio, o Zimbo Trio. Ele acompanhou a Elis também, o Zimbo acompanhava a maioria dos artistas ali no Beco das Garrafas. Agora cantor, em especial, referência pra ele, é…acho que ele na época tinha umas referências tipo o Dick Farney, o Sílvio César, mas o Lennie chegou aqui já aprendeu e devolveu ensinando pra todo mundo.

Observatório G: Agora sobre a gravadora Elenco… o Lennie tinha amizade com o Aloysio de Oliveira?

Ciro Barcelos: Sim, o Aloysio de Oliveira foi quem produziu os discos dele na Elenco. Os três discos. O Lennie era amigo de todo mundo, era muito comunicativo, onde ele chegava, tomava conta e dominava o pedaço e já virava tudo só alegria, então todo mundo gostava muito dele, ele era amigo de todo mundo, se dava com todo mundo.

Observatório G: Quanto ao César Villela, que fazia as capas dos LP’s da Elenco, o que o Lennie achava do trabalho dele? Em especial, o que o Lennie achava das capas que o César fez para os três discos dele?

Ciro Barcelos: César Villela também o Lennie apreciava muito. Inclusive, num projeto meu, que eu tenho ainda a realizar, que é “Lennie Dale-Um Show de Bossa”, que seria um show meu contando as histórias do Lennie e cantando o repertório dele, tá no projeto uma referência forte das artes do César Villela.

Observatório G: Alguns outros artistas da Bossa Nova foram contemporâneos do Lennie. Quais tinham mais afinidade com ele? Ele chegou a conviver com a Sylvia Telles e a Nara Leão, por exemplo?

Ciro Barcelos: Não, o Lennie não conviveu com a Sylvia Telles e Nara Leão, não, embora fossem daquela época e tudo. Mas o Lennie, a praia dele era mais Elza Soares, Elis, claro. Agora a Leny Andrade foi uma grande referência pro Lennie e ele adorava ela.

Observatório G: A Leny Andrade era uma cantora maravilhosa…

Ciro Barcelos: Tem uma história muito boa que eu vou te contar da Leny Andrade que ela me contou. Eu estava colhendo alguns depoimentos pra esse meu projeto “Lennie Dale-Um Show de Bossa”, então a Leny me contou que uma vez ela tava ensaiando no Beco e o Lennie chegou ali como ele costumava a chegar muito nos lugares. Saía da praia de sapato, meia e sunguinha e sempre carregando um som na mão. Então, ela contou, que ele entrou no Beco e apertou um baseado lá dentro, acendeu, ficou fumando e a Leny tava ensaiando com os músicos e ele ficou sentado lá vendo. Isso já era de costume, todo sujo de areia(rindo). Aí, em algum momento, ele pediu licença pra Leny e disse: “Leny, meu amor, posso dar um palpite aqui?” E Leny: “Claro, Lennie, fica à vontade”. Aí conta ela que ele então chegou pra bateria e disse: “Por que você não faz, assim, assim, assado, essa convenção aqui…” O baterista, então, falou: “Ah, mas não dá pra fazer assim…” Então o Lennie responde: “Dá, sim”. Aí ele foi mostrar pro cara como é que isso poderia ser feito através do corpo, no ritmo, com o pé. Aí o Lennie virou pra Leny e falou assim: “Meu amor, aqui, ao invés de você fazer assim, esse vocal aqui, esse improviso aqui…”bi bi pá pé para pã”(cantarola), você não faz “pa ba pi pa ba pá”(cantarola novamente)…Enfim, a Leny me contou isso e ela disse: “Aí, porra, o gringo me ensinou a cantar MPB de novo”…(rindo). Isso é muito bom(rindo).

Observatório G: Johnny Alf foi outro cantor da seara da Bossa Nova que, muitos anos mais tarde, assumiu-se gay.  Lennie e Johnny foram amigos?

Ciro Barcelos: Sim, o Lennie conheceu Johnny Alf e também gostava muito dele, bem lembrado. Era uma referência forte pra ele também.

Observatório G: Sobre os músicos que acompanhavam o Lennie nos seus álbuns, só gente da pesada: o Sambalanço Trio, por exemplo, que você já citou, tinha como integrantes o Airto Moreira e o César Camargo Mariano. O Bossa Três, que foi outro grupo que acompanhou ele, tinha o Luiz Carlos Vinhas. O que o Lennie achava desses músicos?

Ciro Barcelos:  Ah, o Lennie era pirado nos músicos brasileiros!  Ele amava aquela turma toda, Chico Batera, todo mundo que fazia parte daquele clã de músicos que, como eu falei anteriormente, que eram do Sambalanço, que eram do Zimbo Trio… ele convivia muito com eles todos, muito. Assim como a Elis. O Lennie convivia muito com músicos. Embora fossem bastante homofóbicos, tinha uma coisa bem machista, aquela coisa. Isso provinha também da Bossa Nova, que tinha essa coisa elitista, meio machista. Mas ele se divertia muito com essa turma toda, com os músicos…e os músicos, acima de tudo, admiravam muito ele, admiravam demais porque ele ensinava os músicos também. Várias referências musicais assim…de mudanças de convenções, acordes e rítmicas, muita coisa surgiu a partir desse encontro dos músicos aqui do Brasil com o Lennie. Até acompanhando ele cantando, porque ele cantava e dançava junto, então o dançar dele também propunha outros caminhos pros músicos, outras viradas de bateria, outras convenções. Então tudo foi se transformando junto e o Lennie realmente foi pivô de muita coisa não só na questão da dança no Brasil, mas na música popular brasileira, ele foi muito muito muito importante.

Observatório G:  A Liza Minelli teve uma importância grande para os Dzi Croquettes, né? Senti isso ao assistir ao documentário da Tatiana Issa.

Ciro Barcelos: Não só pro Dzi Croquettes, mas pro Lennie, entende? Porque, na verdade, ela pirou com o Lennie, quando ela o assistiu lá no Rio de Janeiro, em 1972. Ela ficou louca, disse que nunca tinha visto ninguém dançar como ele. Tanto é que ela imediatamente pediu pra ele fazer uma coreografia pra ela e pras duas bailarinas que dançavam com ela no espetáculo que ela tava apresentando no Brasil. Aí o Lennie coreografou e nós gravamos também um “Fantástico” dançando. Eu, junto com ela, o Lennie e as bailarinas. Depois, quando nós fomos embora no exílio pra Paris, ela super recebeu a gente lá. Nosso sucesso, em grande parte, a gente deve a ela que divulgou muito e tudo…Ela ficou super amiga do Lennie e nossa amiga. Eu tenho contato, me correspondo com ela pelo WhatsApp até hoje. Ela era louca pelo Lennie, na verdade, ela ficou apaixonada, inclusive por ele, ficou fã assim incondicional dele e ele dela, sabe? Imagina!

Observatório G: O Lennie frequentou durante muito tempo a Umbanda? Como a experiência dele na Umbanda influenciou o trabalho dele?

Ciro Barcelos: Não, o Lennie não frequentou a Umbanda, não. Ele foi uma vez ou outra, mas ele não era umbandista, não era uma pessoa religiosa, aliás, nada religiosa. No Dzi Croquettes nós montamos um número que era uma dança de candomblé, mas mais por uma questão estética, de se servir de uma dança afro-brasileira, que ele também dominava muito bem porque ele tinha estudado muito aqui no Brasil com a Mercedes Batista, que foi a grande mestra aqui da dança afro, então foi mais por essa questão, mas não que ele tivesse nisso alguma implicação de frequência religiosa, entende?

Observatório G: O Lennie era a favor da descriminalização da cannabis? Soube que ele passou um ano preso por portar apenas três cigarros.

Ciro Barcelos: Sim, o Lennie era a favor. Se bem que na época nem se falava nisso em descriminalização ainda. Aliás, uma das coisas que também seduziu ele no Brasil foi a qualidade da cannabis(rindo). Ele era realmente um cara que fumava muito. Gostava assumidamente também. Tanto que foi preso porque encontraram um cigarro de maconha na bolsa dele. Ficou um ano. Eram três cigarros ou um. Não sei ao certo. Foi por aí. Mas, com certeza, hoje ele seria um grande lutador por essa causa da liberação da cannabis aqui no Brasil, sem dúvida nenhuma.

Lennie Dale deu o melhor de si ao Brasil. Conferiu à Bossa Nova a volúpia gostosa que lhe faltava. Trouxe consigo a chuva de purpurina que fez do Dzi Croquettes o mais glamouroso grupo artístico do nosso país. Transformou o Brasil neste menino dançante, sempre fugindo do caos inicial e se movimentando rumo à sua estrela; real ou imaginária.

Viva, Lennie Dale!