MÚSICA

“Sou lésbica! Meus pais me criaram sabendo disso e me respeitaram”, declara Angela Ro Ro, ícone da música popular brasileira, em entrevista exclusiva

A cantora e compositora Angela Ro Ro.
A cantora e compositora Angela Ro Ro.

Angela Ro Ro, sempre esbanjando bom humor e generosidade, nos contou algumas das passagens mais emblemáticas de sua carreira musical nesta entrevista imperdível, publicada neste 02 de agosto, o mesmo dia do lançamento do single “Cadê o Samba?” nas plataformas digitais.

Angela Ro Ro, nascida Angela Maria Diniz Gonsalves, é uma daquelas artistas cuja obra deve estar presente nas playlists de todos os amantes da boa música brasileira.

Angela começou seus estudos de piano clássico aos 5 anos e, ainda aos 6, compôs uma guarânia em seu acordeon.

Ganhou visibilidade já em 1976, quando participou do festival “Som, Sol e Surf”, organizado por Nelson Motta na cidade fluminense de Saquarema. Neste festival também se apresentaram nomes já consagrados na época como Raul Seixas e Rita Lee.

Foi no ano de 1979, porém, que Angela Ro Ro se projetou nacionalmente com o lançamento de seu primeiro LP.

Nele estão presente as memoráveis “Balada da Arrasada”, “Tola Foi Você”, “Mares da Espanha” e o sucesso “Amor, Meu Grande Amor”, parceria de Angela com a poetisa e compositora Ana Terra.

Angela ainda gravou pela Polydor mais cinco álbuns: “Só Nos Resta Viver” de 1980, “Escândalo” de 1981, cuja faixa-título foi composta por Caetano Veloso especialmente pra ela. Na sequência vieram “Simples Carinho” de 1983, “A Vida é Mesmo Assim” de 1984 e “Eu Desatino” de 1985.

Pela Eldorado, Angela lançou em 1988 “Prova de Amor” e pela Som Livre o disco ao vivo “Nosso Amor Ao Armagedon” em 1993.

Sete anos depois,lançou mais três álbuns em estúdio: “Acertei No Milênio” em 2000 pela Jam Music, “Compasso” em 2006 pela Indie Records e “Selvagem” em 2017 pela Biscoito Fino.

Recentemente, no dia 26 de julho de 2024, Angela lançou o single “Planos do Céu”, parceria dela com o tecladista Marcio LoMiranda.

Hoje, 02 de agosto de 2024, foi lançado nas plataformas digitais o single “Cadê o Samba?”, composição de Angela com arranjos do pianista Ricardo MacCord, parceiro de Angela em outras composições.

Angela canta suas composições como ninguém, mas também já foi gravada por um grande número de estrelas da MPB.

Alguns dos grandes nomes que já emprestaram a voz à obra de Angela foram: Maria Bethânia, As Frenéticas, Rosa Marya Colin, Lana Bittencourt, Emílio Santiago, Eliana Printes, Vanusa, Renata Arruda, Almério, Simone e Ney Matogrosso.

Ainda é válido destacar que, em 2013, a gravadora Jóia Moderna fez um tributo à obra de Angela Ro Ro com o álbum “Coitadinha, Bem Feito” no qual nomes da nova geração da MPB emprestaram sua voz às clássicas composições dela.

Para nos debruçarmos com mais propriedade sobre a obra de Angela Ro Ro, Observatório G traz na sequência uma entrevista exclusiva com a cantora/compositora.

Observatório G: Quais foram as cantoras e compositoras brasileiras que mais influenciaram você no canto e na composição?

Angela Ro Ro: Na realidade, são tantas as cantoras e compositoras brasileiras que me fazem e fizeram a cabeça, mas não que tenham me influenciado. Eu não chego a esse atrevimento. Porque cantoras como Elizeth Cardoso, como Aracy Côrtes, Ângela Maria, Elis Regina, Maria Bethânia, Gal Costa…e compositoras como Fátima Guedes que, apesar de ser da mesma geração, começou a trabalhar antes de mim. Dolores Duran, Chiquinha Gonzaga, Tia Amélia e Seu Piano…Tia Amélia que tinha um programa de televisão. Tem um livro maravilhoso sobre Tia Amélia da Jeanne de Castro lançado recentemente. Tem tanta gente boa! Mas não chegaram a me influenciar a algum ponto, senão eu garanto que teria um canto melhor e umas composições melhores(rindo), porque essas mulheres todas que citei são geniais.

Observatório G: Quando você gravou seu primeiro álbum em 1979 o Brasil ainda estava sob a ditadura militar. Você chegou a ter alguma canção censurada?

Angela Ro Ro: É inacreditável! Mas eu tive uma, não no primeiro disco, mas eu tive uma música chamada “Isso é Para a Dor” que, no finalzinho eu resolvi cantar, ao invés de “Isso é da linha que separa a dor”, uma linha que pusesse limite entre o “chega de sofrimento” e “a dor”. Então brinquei fazendo um refrão dizendo:”Galinha, isso é para a dor”. Por causa da palavra “galinha”, a música “Isso é Para a Dor” e o disco foram lacrados e censurados. Porque, obviamente, pra eles, era perniciosa a execução e a venda do produto. Mas absolutamente sem eira nem beira, sem pé nem cabeça censurarem a galinácea: é ou não é?!

Observatório G: Você disse, certa vez, que no período em que você morou em Londres teve contato com alguns trabalhos musicais alternativos que não fizeram muito sucesso fora do país, mas que influenciaram a sua musicalidade. Quais foram esses grupos e cantores?

Angela Ro Ro: Eu ouvia muito Cat Stevens, eu ouvia muito blues do Mississipi, Sonny Terry, Fats Domino. Eram sempre pessoas cegas que cantavam e tocavam alucinadamente bem e não eram muito populares, não. Eram músicos negros e de origem do Mississipi. Do gueto de New Orleans na época. Lá em Londres tinha o Portobello Road, Lancaster Gate…lá tinha aquela turma do reggae que lá se pronuncia “riguêi”. Aqui é que a gente começou a pronunciar “réguei” e pegou. Aquela galera não tinha nome artístico. Eles tocavam em botecos, eles tocavam nas esquinas…Tinha um grupo brasileiro misto, devia ter algum inglês no meio, era o Riff Raff, que tinha o baterista Áureo de Souza. Eles,volta e meia, faziam um show. Eu não cheguei a cantar com eles, não, mas eu ia pra curtir. Um som muito bom, uma sonzeira maneira do Áureo de Souza, que é percussionista e baterista. Ele está,inclusive, no disco “Transa” do Caetano, que foi gravado lá em Londres, onde eu toco na faixa “Nostalgia” uma gaitinha sem-vergonha. O Áureo também toca ali junto com o Perinho, junto com Tutty Moreno, Gal maravilhosa fazendo uma gaita com a voz, que nem precisava da minha gaitinha, mas, enfim. Esse era o Riff Raff. Eles, volta e meia, tocavam em alguns lugares importantes como consulados, como o Consulado do Brasil. Uma vez eu fui numa festa onde esse conjunto do Áureo de Souza tava tocando. Eu era fã. Mas a música que eu ouvia lá era a música dos negros dos guetos de Londres e de Portobello Road.

Observatório G: Você poderia falar um pouco sobre a sua amizade com a Áurea Martins e o Emílio Santiago na Boate 706?

Angela Ro Ro: Ah, isso é uma alegria falar! Em março de 74, no dia em que eu cheguei, foi o dia em que inauguraram a ponte Rio-Niterói, enfim, só pra situar. O pessoal dentro do avião ora ia pra um lado, ora ia pra outro e eu disse: “Meu Deus, tá balançando a aeronave”. Isso tudo porque eles queriam ver o diabo da ponte. Isso tudo só pra situar o que acontecia no dia. Eu, enfim, cheguei e, mesmo sem dinheiro e sem gostar de birinight e fazer vida social, ia aonde tinha piano, onde tinha alguém fazendo som que eu sabia que era de qualidade. Então, na Ataulfo de Paiva, ali no Leblon, quase com a Bartolomeu Mitre, tinha o 706 maravilhoso com o Osmar Milito no piano, Emílio Santiago, Djavan e Áurea Martins. Olha só os três cantores da noite na época! Áurea Martins foi um doce como ela é, generosa e harmoniosa até hoje. Áurea me ensinava uma letra ou outra, me atualizava sobre as coisas que tavam tocando aqui no Brasil. Já sobre o Emílio…bem, eu fui dar uma canjinha por um momento com o piano, num momento em que tinha pouca gente pra aproveitar porque eu não poderia tocar de noite no apartamento que eu morava com meu pai, minha mãe, minha tia, o gato e a empregada. É um apartamento pequeno. Até hoje eu cuido dele. Então eu tinha que sair procurando piano na rua pra poder fazer barulho, pra fazer minhas composições. De tardinha, eu começava uma música e não podia continuar, porque meu pai era muito rígido e eu obedecia porque a casa era dele e eu não sou louca, aquela coisa toda. Aí eu falava comigo: “Pô, cara, depois das dez eu não posso fazer barulho”. Então eu ia catando piano pela cidade pra dar um jeitinho, em cinco, dez minutinhos eu quebro um galho pra eu conseguir terminar de compor alguma música, como “Mares da Espanha”, como “Não Há Cabeça”, como tantas. Do primeiro disco houve muitas músicas que eu começava em casa e terminava nas boates onde tinha piano e que me deixassem tocar um pouquinho. Emílio um dia me ouviu baixinho ali, eu cantando quieta num canto, ele me ouviu e falou: “O quê? Eu vou entrar daqui a pouco no último set. Você vem comigo. Você sabe “Stella By Starlight?”. Aí, pra variar, a Áurea me puxou o caderninho pra eu meter bronca na letra, porque eu nunca tinha cantado, mas já tinha ouvido porque eu sou fã de Ray Charles desde novinha. Então, eu fiz um dueto, meu deus! Eu e Emílio Santiago, já imaginou? Euzinha, 24 anos, ninguém me conhecia. Eu já tinha me apresentado publicamente, mas não tinha dado sequência à carreira por preguiça mesmo. Foi sensacional! Djavan já era mais tímido e eu respeitava o trabalho dele como respeito muito ainda e não ficava enchendo a paciência dele fazendo amizade, mas eu tenho muito carinho pelos três e lembranças muito generosas da parte de Áurea e de Emílio, pessoas maravilhosas!

Observatório G: Você se apresentou em um palco pela primeira vez em 1970 no extinto Teatro Vereda de São Paulo. Como foi esse momento? Que tipo de repertório você cantava nessa época?

Angela Ro Ro: Foram Mônica Lisboa e Judy Spencer as duas empresárias, produtoras, que tentavam fazer que eu conseguisse trabalhar e desse sequência. Nessa ocasião, elas convidaram um rapaz chamado Sérgio Bandeyra, que é meu parceiro em poucas músicas porque faleceu cedo, ficou dodói e morreu com 32 anos só. Era o meu namorado musical, era o meu gatinho malandro como eu já fiz uma música só pra ele depois que ele virou anjinho…anjinho danado ele! Ele era tipo assim meio maldito, entendeu? Era aquele maldito genial! Tipo o Macalé. Só que não deu sorte de ficar um símbolo maravilhoso como o Macalé é até hoje. Ele não deu tanta sorte. Foi um momento e tanto essa apresentação! Tava no inverno de 70. Foi antes de eu ir à Europa. Eu me lembro que fazia muito frio e eles serviam para o público sangria de vinho. O Walter dizia. Na época eu nem bebia. Mas era sangria, quentinha mesmo, morninha pro povo. Era um povo bem alternativo que ia, o público. Tanto alternativo como o Sérgio Bandeyra, a banda do Sérgio e eu, que tocava um pouco de piano e tocava alguma coisa do Jimi Hendrix, por exemplo, “Hey Joe”. Uma coisa assim sempre na base da negritude, na base do blues, usando a minha voz mais visceral, a minha voz mais impactante pra ver se eu agradava aquele povo, aquela plateia doidona(rindo). Foi muito bacana. Eu agradeço até hoje a Mônica Lisboa, que também virou anjinho e Judy Spencer pela oportunidade da gente ter ido à São Paulo, eu e Sérgio Bandeyra. A gente fez um fim de semana em vereda, foi e é inesquecível, foi muito bacana.

Observatório G: Você acha que a baianidade do seu pai e a mineiridade da sua mãe exerceram alguma influência no seu processo de composição?

Angela Ro Ro: A baianice do meu pai era matemática. Ele era engenheiro civil e policial civil, apesar de ser um cara da paz, contra a violência, mas ele era policial, sim, investigativo. Isso é que papai me deu de herança(rindo). A matemática e uma honestidade pentelha. Meu pai era chato de tão certinho que era. Mas, hoje em dia, isso é parte da minha personalidade que chega a ser de uma exuberante excentricidade(rindo). Agora, a influência da mineirice da minha mãe é total porque minha mãe é que tem a voz original, eu puxei a voz da mamãe. Meu pai se chamava Ayênio. Todo mundo na família dele tinha um nome estranho começando com A. Tipo: Albérico, Alacil, Aliozete, Almáquio. Eu dei sorte, né? Na minha vez chegou: Angela! Que beleza! Graças à minha madrinha! Mas a minha mãe, Conceição, Maria da Conceição, cantava e tinha uma voz assim também grave. De vez em quanto atendiam o telefone e diziam: “O que é que o senhor deseja?”. Ela ficava tiririca! Ela ficava louca! Ela dizia que “o senhor” é isso, aquilo e aquilo outro. Mamãe me influenciou muito, não no meu trabalho de composição, mas na minha formação de ouvinte musical porque desde pequena, pequetita, eu era pra nascer muito pobrinha, pobrinha que eu digo lá atrás da América Fabril. Hoje a Vila Isabel é um bairro nobre, mas na época não era. Não tinha nem banheiro pra gente, sabe? E…por via dos destinos, minha mãe, que estava sempre junto com meus padrinhos, deu uma reviravolta. Vou contar um pouco dessa história. Meu padrinho era viciado em jóquei. Meu pai tava com todo o dinheiro dele pra pagar a semana dos empregados que ele comandava nas obras. Tudo dinheiro ao vivo, não tinha cheque na época. Era tudo muito difícil, não tinha cartão, nada disso. A mamãe enfiou a mão no bolso do papai e tirou tudo o que era de dinheiro e meu pai falou: “Meu Deus, minha filha! Não faça isso, Conceição!”. A mamãe disse: “Eu tô vendo, tem dois cavalos ali com o número de São Jorge. Vou jogar nos dois”. Ela chegou no guichê do estabelecimento e o funcionário falou: “A senhorita tem certeza que quer aplicar esse dinheiro todo nesses dois? Eles são dois pangarés! Não vão sair! A senhora pode jogar naquele ou naquele outro”. Ele tava dando dicas. Nessa época ela já estava grávida. A minha mãe, com aquele temperamento dela falou: “De jeito nenhum! São esses dois: 42 e 44. É no jogo do bicho, é cavalo, é São Jorge e eu vou oferecer meu filho a São Jorge. Vou botar o nome dele de George”. A minha mãe pensou que teria um filho homem. Aí tudo aconteceu estranho. Os cavalos favoritos enguiçaram, tiveram cólicas, passaram mal na coxia, tadinhos! Nenhum deles conseguiu ganhar. Ganhou o Placê. Ganharam os dois cavalos, os pangarés, que minha mãe tinha jogado. Você imagina que nós passamos de um buraquinho atrás da América Fabril, sem banheiro, para um dois quartos e salão, com dependências de empregada em Ipanema(rindo). Então, mamãe comprou tudo o que era de eletrodoméstico, ligava tudo ao mesmo tempo, era uma farra. Na vitrola, na época ainda mono, depois foi o advento do estéreo. Minha mãe botava muito pra tocar. Desde calypsos do Harry Belafonte, músicas cubanas, salsas, cúmbias, rumbas….até os sambas, como Wilson Batista, Geraldo Pereira, Noel Rosa, Ataulfo Alves, tanta gente incrível! Aracy Cortes com aquela “Linda Flor”(Ai, Ioiô), uma coisa linda! Botava tudo pra tocar junto com Bing Crosby, Al Jolson, que vieram antes de Frank Sinatra. Mammy fazia aquela mesclada geral junto com “Boogie Oogie Negro”, que eu me lembro até da capa do disco. Era de 78 rotações e tinha na capa umas mãos com luvas brancas, indicando que as mãos dos negros tinham que ser cobertas com luvas brancas por causa do racismo. A mamãe tinha essa discografia enlouquecida de boa. Claro, com muito Gardel, Julio Sosa, com muito tango…todos os gêneros…valsas do Strauss, alguma coisa erudita. Então foi nessa base que meu ouvido ficou acostumado. Essa excentricidade, esse dinheiro chegado, bem chegado pela sorte nas patas dos cavalos do jóquei, que Mammy, por intuição louca, ganhou uma boa fortuna. Meu pai conseguiu na época comprar dois ou três imóveis. Não havia fábrica nacional de motores. Papai comprou um carro, um pontiac muito bonito, só tinha carro estrangeiro. Mamãe conseguiu comprar roupas, de rol de loja, porque antes ela pegava retalhos na América Fabril, no lixo e, ela mesma costurava os modelitos dela. Mas voltando à música, a música foi muito fértil por causa de mamãe. A mamãe realmente, com o advento de dinheiro e o advento dos eletrodomésticos, especialmente os sonoros, fez minha cabeça desde que eu nasci com o melhor da música popular. Maravilha! Muito Aracy de Almeida, Elizeth Cardoso, enfim, o que vinha, a gente tinha e eu ouvia desde pequena. Isso fez muito a minha cabeça. Eu agradeço ao destino.

Observatório G: Algumas pessoas consideram que você foi a grande referência musical do Cazuza e da Cássia Eller. O que você acha disso? Como você vê o trabalho deles dois dentro da música popular brasileira?

Angela Ro Ro: É muito lisonjeiro, mas é um absurdo! Imagina se Cássia Eller teria alguma influência minha! Cássia Eller já nasceu feita. Ela era um gênio musical! É uma pena a partida dela tão prematura…e o Cazuza também, né? Caju, como a gente chamava ele. Cazuza foi um poeta maravilhoso, um cara de uma intuição musical e poética fantásticas. Infelizmente também partiu, virou anjo antes do tempo. Mas, imagina! Eu acho que eu não influenciei nada neles, não. Nem eles me influenciaram. Uma vez eu cantei com Cássia porque Cássia era muito engraçada(rindo). Ela subiu de surpresa num show meu. Ela tinha passado o som de tarde com a banda sem eu saber. Atacou com uma música que foi feita pra mim pelo Cazuza, mas que eu não pude gravar porque o disco na época já estava feito. Então eu falei mil bobagens, mil desculpas pra diversos tipos de imprensa. Mas o Cazuza sabia, o Frejat também sabe, que eu não gravei “Malandragem” porque não cabia mais, meu disco tinha fechado. Era final da década de 80. Logo depois o Caju morreu. Cássia Eller levou nesse show meu “Maladragem” e ainda me fez cantar de alguma forma umas coisas. Eu tentei me virar em mil pra acompanhar. As ousadias maravilhosas de Cássia Eller! Mas eu creio que eu não tenha influenciado os dois, não. Acho que ninguém influencia gente como Cazuza ou Cássia Eller. Eles é que influenciam muita gente e eu espero que as pessoas aproveitem eternamente a arte desses dois gênios.

Observatório G: Gostaria de saber uma curiosidade sobre o hit “Amor, Meu Grande Amor”. A música veio antes da letra ou o contrário? Como aconteceu essa parceria com a Ana Terra e como vocês duas se conheceram?

Angela Ro Ro: “Amor, Meu Grande Amor” é uma coisa doida, porque desde 79 faz sucesso, o povo canta junto, se eu não cantar o povo pede. A música veio antes, a música eu fiz em Londres, chamava “The Split Up Song Number One”, a canção de separação número um. Eu já sabia que eu voltaria ao Rio, ao Brasil. Eu tava querendo. Não sei o que me deu! Uma brasileirada danada…que voltei! A minha companheira lá em Londres, era uma inglesa, então eu fiz “The Split Up Song Number One”. Só que essa música rendeu mais de uma música. Quando eu comecei a trabalhar, conheci a Ana Terra, porque ela era sócia de Paulinho Lima e Mário. A gente brincava de chamar o Mário de Mário Tabaréu. O Mário já faleceu. Então, a Ana fazia parte do escritório de agenciar e produzir artistas e também da editora deles “Luzes da Cidade”, que Paulinho continuou administrando. Eu mantenho contato com o Paulinho, apesar dele morar no interior, num lugar bonito no sul da Bahia. Agora, essa música que eu fiz em inglês, lá em Londres, foi feita por mim em 1973. Ela rendeu também “Portal do Amor”, canção que está no último disco que eu fiz pela Biscoito Fino, que é um disco grande, com bastante música, prensadinho. “Portal do Amor” é a segunda parte melódica, que eu não aproveitei, porque não precisei, pra encaixar na letra da Ana Terra. Eu usei só a metade da música em inglês, “The Split Up Song Number One”, pra fazer o “Amor, Meu Grande Amor” e o que sobrou, eu gravei como “Portal do Amor” em 2017 no disco “Selvagem” pela Biscoito Fino. Agora, esse sucesso, a culpa é obviamente da Ana Terra(rindo). Eu agradeço imensamente ao público, porque, sem o público, não adianta a gente fazer arte da melhor qualidade, não adianta nada. Sem o povo gostando, sem o público aplaudindo, sem o público comparecendo, o artista fica só. Sou grata ao público.

Observatório G: Quando você começou não havia tantas mulheres compondo e cantando um trabalho autoral. O que você acha desse crescimento do número de compositoras? Quais as compositoras da nova cena da música brasileira mais lhe agradam?

Angela Ro Ro: Quando eu comecei havia muita gente boa. Fátima Guedes, Joyce Moreno, Sueli Costa e muitas e muitas outras pessoas maravilhosas. Elas só não tinham tanta chance de serem reconhecidas. Algumas, sim; outras, não. Tinha já na década de 70 muita gente fazendo coisa boa, como Luhli & Lucina, por exemplo, elas têm um trabalho de uma delicadeza e de uma força inigualáveis. Acho que essas serão as eternas atuais(rindo). Atualmente, eu gosto muito do trabalho da Alice Caymmi. Alice é um grande talento!

Observatório G: Você sendo mulher e LGBT+ conseguiu perceber alguns avanços políticos que as mulheres e a comunidade LGBT+ tiveram nas últimas décadas?

Angela Ro Ro: Eu sou uma mulher, aprecio as mulheres, sou lésbica, não sou bissexual. Meus pais me criaram sabendo disso desde a mais tenra adolescência e me respeitaram. Mammy sempre falava: “Você é maravilhosa. Você é uma pessoa honesta, coração puro. Nós vamos amar você do jeito que você é, de qualquer maneira”. Mesmo com meu pai sendo bastante severo, sério, não queria esses assuntos…Agora, avanço político? Até que tem, de uma certa forma. Mas paralelo ao avanço, tem também o sistema querendo nos fazer de bonecos, como se fossemos aves raras. Ao mesmo tempo e, apesar do avanço, a brutalidade como as trans e as travestis são tratadas continua muito grande. Continua intensamente medonha. Eu fui vítima de diversos ataques homofóbicos que me tiraram a visão do olho direito, a audição do ouvido esquerdo, mas seguimos com coragem e fé na arte. Agora, infelizmente, nos usam como decoração. Fazem um evento bacana com drag queens, com pessoas trans, promovendo a inclusão por um lado. Mas continuam de outro lado da sociedade o fascismo e a homofobia ocorrendo. Temos que parar com essa truculência covarde e temos que dizer: “Não Passarão!” ao fascismo e a todos os tipos de preconceitos.

Observatório G: Outra curiosidade, agora sobre a capa do álbum “Simples Carinho”, que você está dentro da água e um papagaio pousa na sua mão. Onde foi feita essa foto e como ela aconteceu?

Angela Ro Ro: Ah, a capa do “Simples Carinho” é a minha favorita, de todas! A capa é do fotógrafo Frederico Mendes, excelente fotógrafo! Ela aconteceu numa casa de aluguel. Eu aluguei uma casinha pequena que dava pra alugar com meu dinheirinho lá no Recreio dos Bandeirantes. Isso era início da década de 80, mais ou menos em 82 e 83. Era uma casa pequetitinha, porém tinha um jardim bonitinho e uma piscina maneira. Então, eu mergulhei junto com o meu amorzinho, o Romeu, que era o nome dele, do papagaio. Eu estava segurando só ele, sem corrente, porque ele vivia solto. Tinham furado as asas dele. Nas articulações, ele não tinha como voar. Ele era muito, muito querido. Ele vinha às vezes dormir comigo, deitava de ladinho no travesseiro. Eu dizia: “Ô, papagaio doido! Ô, meu filho, pássaro não dorme assim, não, pássaro dorme em pé”. Então eu tinha que botar ele de novo em pé lá no poleiro dele. Mas ele entendeu que não era pra dormir de lado(rindo). Você já imaginou, papagaio dormindo no travesseiro de lado? Ele, como confiava muito em mim e vivia solto, deixou eu agarrar ele nas patinhas e mergulhamos, nós dois juntos, rapidinho, sem torturar o bicho, nem a mim, mergulhei só a cabeça e ele um pouco. Quando eu me levantei, saí da água, o Frederico, com as suas clicadas ligeiras e magistrais, foi clicando e ficou engraçado porque a asa dele sobre a minha cabeça ficou parecendo um cocar indígena. Por falar nisso, salve os nossos povos indígenas! Aliás, nossos, não, nós é que somos deles! Salve o povo originário brasileiro! Chega de matança! Mas voltando à capa do “Simples Carinho”, ele abre uma das asas, molhadinha e eu fico como se tivesse com um cocar na cabeça, com a minha cabeça molhada..e não é que saiu bonito mesmo? Minha cara tava boa, a cara do papagaio também tava e a contracapa sou eu fingindo que vou dar um beijo na boca do papagaio, muito neném, muito querido, era um papagaio grande até, muito bonito. Foi isso que aconteceu! Eu acho a melhor capa de todas, até hoje.

Angela Ro Ro é, sem dúvida, uma das artistas mais revolucionárias da história da música brasileira.

Angela tem uma assinatura inconfundível tanto nas composições, quanto no seu canto único e magistral.

Que ela continue sendo inspiração pra todos nós que acreditamos na força da arte, da alegria e do amor!

Viva, Angela Ro Ro!