Minha Lua em Aquário sempre me lançou aos abismos da vida,para mim, a vida precisava ser vivida como se tudo acontecesse em vinte e quatro horas. Era como eu pensava quando tinha dezoito anos. Sempre escrevo sobre o grande amor da minha vida , um amor arrebatador, profundo, etéreo demais para o nosso mundo terreno. Às vezes, sinto que vivi um romance como o de Peter Pan e Wendy, lá na Terra do Nunca, mas que não terminou como em contos de fadas. Wendy voltou para casa, ela cresceu, casou, teve filhos. Quando Peter Pan retornou, quase não a reconheceu. E, quando ele a reconhece, ela lhe pergunta se pode ir com ele, mas Peter Pan diz que não, porque ela cresceu e não é mais a menina Wendy. Ela ficou no passado, assim como a menina ruiva com sardas, que jamais esqueci. Um amor impossível de esquecer.
Ela permanece nos anos 80, nas tardes em que descíamos a Rua Três Rios, no bairro do Bom Retiro, para comer strudel e burecas, na Casa Búlgara. Tenho me sentido nostálgica, e como cinéfila, existe um filme que sempre me remete aquela época. O filme, Desobediência, ou, Disobedience, dirigido e roteirizado por Sebastián Lelio. Uma adaptação do livro de Naomi Alderman.
O filme tem como trama, a história de Ronit Krushka (Rachel Weisz), uma fotógrafa que, ao receber a notícia da morte de seu pai , um rabino respeitado da comunidade judaica ortodoxa retorna a Londres para o velório. Lá, reencontra os amigos de infância, Dovid (Alessandro Nivola) e Esti (Rachel McAdams), agora casados. Desde o primeiro olhar, é palpável a conexão entre Ronit e Esti, que logo revela uma paixão proibida que ambas carregam desde a adolescência. Mas, enquanto Ronit escolheu deixar a comunidade e viver livre, Esti ficou e aceitou um casamento com Dovid, um homem bom e compreensivo, embora não corresponda aos seus verdadeiros desejos.
Ronit optou por deixar sua comunidade e ser uma mulher livre, Esti permaneceu e aceitou seu destino de esposa, apesar de nunca ter se interessado por homens, casou-se e usa peruca como todas as mulheres judias ortodoxas, um costume do ritual Sotah, cerimônia da bíblia que testa a fidelidade da mulher acusada de adultério. “Depois do sacerdote ter feito a mulher ficar de pé diante do Senhor, o sacerdote descobrirá a cabeça da mulher e desmanchará suas tranças e colocará em suas mãos a oferta de lembrança, que é uma oferta de ciúmes. E nas mãos do sacerdote deve haver a água da amargura que induz o ritual.” A peruca que Esti usa, é um símbolo do ritual de pureza de sua fé, mas, também representa a opressão e a perda de identidade dentro daquela comunidade. Somente quando a remove, nos momentos em que está sozinha com Ronit, ela se revela como realmente é.
O filme não é apenas sobre a cultura judaica ortodoxa, é sobre o amor entre duas mulheres, sobre escolhas e sobre o preço da liberdade.
Ronit, a filha do rabino, rompeu com tudo e seguiu seu caminho em New York. Para ela, deixar a comunidade foi uma libertação. Já Esti permaneceu, adaptou-se às normas e aceitou um casamento de conveniência, tentando sufocar seus sentimentos. Dentro das crenças da comunidade, o homossexualismo é visto como um desvio, algo que um bom casamento poderia “curar”. Assim, Esti tornou-se professora na escola local, dedicando-se à vida que conhecia e amava, ainda que nada disso lhe trouxesse verdadeira felicidade.
Quando Ronit retorna, a presença dela é como um furacão, desestabilizando Esti e a levando a confrontar seus desejos reprimidos. As duas não resistem à atração que carregam em suas almas e se entregam uma à outra. Ronit e Esti, não conseguem esconder a paixão proibida que nutrem desde da adolescência. Em contraste, Dovid, por mais compreensivo que seja, é fruto daquela sociedade patriarcal e se vê entre o dever e o afeto.
A volta de Ronit é um fator de desestabilização para Esti e de tensão para seu marido, que convida a filha do rabino a ficar na casa deles.
As duas não resistem ao amor contido em suas almas, e se entregam uma a outra.
Não se trata apenas de atração física, mas de uma conexão emocional e espiritual que as desafia a questionar os limites impostos por suas raízes culturais e a se confrontarem com os próprios medos e anseios.
Há um toque poético, usando cenas sutis e momentos silenciosos para transmitir o conflito interno das protagonistas. Em uma das cenas mais marcantes, vemos Esti finalmente se permitindo sentir a intensidade de seu amor por Ronit, rompendo com a rigidez de sua vida anterior.
Ronit, está feliz com seu trabalho e sua vida como “Off the derech”. “Derech” é caminho em hebraico e um termo que se aplicam aos que se desviaram da fé. O que é um trauma para muitos, romper com a comunidade religiosa e suas práticas, não parece ser para ela.
É um filme feminista e subversivo, ao assumir o ponto de vista das mulheres, seu direito ao livre exercício da sexualidade. O fato de ser uma comunidade ultra-ortodoxa é somente um pano de fundo tênue, poderia ser qualquer lugar do mundo.
Esti descobre que está grávida. Em uma das cenas mais impactantes, ela declara: “Eu nasci nessa comunidade, eu nunca escolhi. Quero que meu filho possa escolher.” Esti percebe que sua vida foi definida por expectativas impostas, mas quer algo diferente para o filho.
No sermão do rabino, ele menciona que a diferença entre anjos e bestas é a capacidade de escolha, e escolher é desobedecer. Em um mundo que ainda marginaliza as escolhas e o amor entre duas mulheres, o afeto entre Ronit e Esti se torna um ato revolucionário.
O Reencontro entre Esti e Ronit abriu a caixa de Pandora. Uma vez destampada, não há mais volta. Todos nós temos os nossos silêncios da alma. Mas, que um dia se libertam.
Quando as duas se despedem, há um fundo esperança que Esti irá pra New York, mas não naquele momento, pois está grávida.
Quando vi esse filme, fiquei imaginando ,se eu reencontrasse a menina ruiva hoje, será que eu abriria minha caixa de pandora ?
A resposta , é , sim…
O filme, então, se torna uma jornada sobre a aceitação de quem somos e sobre o poder transformador do amor. Ao mostrar a história dessas duas mulheres em uma sociedade que busca apagar seus sentimentos, Desobediência revela que a verdadeira transgressão não é o amor entre elas, mas a negação do direito de serem livres para amar.
Todos nós temos o poder de fazer o nosso “Derech” , caminho …
Silvia Diaz , é Atriz, Performer, Dramaturga e Roteirista. Estudou interpretação Teatral(Unirio). Graduada em Produção Audiovisual(ESAMC). Dramaturgia ,SP escola de Teatro. Apenas uma Artista que vende sonhos em dias cinzentos. E quando os dias não forem tão trevosos, ainda assim continuarei a vender meus sonhos!! Cores, abraços, afetos, lua em aquário. Fluindo . Cultivando minha Ilha .
@silviadiaz2015