No contesto da sigla LGBTQIAP+ existe uma letra, cuja história e luta são conhecidas de poucos: a letra “I” de Intersexualidade.
No ano de 2018 ocorreu na cidade de Brasília o II Congresso da Associação Brasileira de Famílias Homotransativas – ABRAFH. Durante o evento eu tomei conhecimento de um rapaz, a quem fui apresentada, que havia nascido um bebê intersexo. Diante da presença de genitália ambígua (pênis e vagina), os médicos decidiram retirar o pênis e ajustar a formação da vagina, de modo que aquele rapaz viveu a sua infância como menina.
Contudo, com o decorrer dos anos, na medida em que foi se conhecendo e se percebendo, ele passou pelo processo de não se identificar como mulher. Após verbalizar seu sentimento para a família, tomou conhecimento de que havia nascido um bebê intersexo, submetido a uma “cirurgia de correção”. Hoje esse rapaz se identifica como um homem transgênero.
Essa é uma história dentre tantas vividas por pessoas intersexo. Em decorrência da crença de que seria mais difícil cirurgicamente “criar” um menino do que uma menina, muitas crianças intersexo foram submetidas a cirurgias, endocrinologia e tratamentos psicológicos para que se tornassem o mais “feminino” possível.
A medicina sempre atuou em favor da binariedade heteronormativa, de modo que os bebês intersexo sempre foram vistos como “anomalias”. Não se trata apenas de obediência a uma lei que determinava a definição do sexo do recém-nascido. Para além disso, é uma crença cultural judaico-cristã.
Na seara da saúde, inclusive, o Conselho Federal de Medicina editou a Resolução 1.664/2003, a qual define os procedimentos necessários para o tratamento de pacientes portadores de “anomalias de diferenciação sexual”, o que não tem sido suficiente diante de divergências dentro do próprio corpo médico, além da impropriedade do termo “anomalia”, que apenas reforça o estigma patológico imposto sobre os intersexos.
Apenas no ano passado é que o Provimento 122/2021 do Conselho Nacional de Justiça passou a determinar o registo do sexo “ignorado” na Declaração de Nascido Vivo – DNV de bebê intersexo, o que também ainda não constitui o ideal na visão do ativismo intersexo. Para eles, a decisão mais adequada seria o formulário apresentar os campos “feminino”, “masculino” e “intersexo”, haja vista se tratar de um terceiro sexo biológico.
Bem, mas em que consiste esse terceiro sexo biológico? Enquanto muito se fala de intersexualidade como condição presente no nascimento, o fato é que nem sempre é possível de ser percebida de forma visível no bebê. Algumas vezes, a pessoa só descobre que pode ser intersexo na fase da puberdade, ou quando descobre que é infértil ou quando morre e é feita uma autópsia. Algumas, inclusive, vivem e morrem sem ao menos terem tomado conhecimento de que apresentavam anatomia de intersexo.
Um exemplo que o site da BBC Brasil divulgou é o da russa Iryna Kuzemko, a qual foi percebendo que seu corpo não desenvolvia como os das demais meninas. Ela relata que foi levada ao médico por seu pai quando tinha 15 anos. Após a consulta, ela tomou conhecimento de uma cirurgia que precisaria fazer, mas não especificaram as razões. Apenas aos 22 anos ela soube que tinham removido dela um testículo e tecidos não funcionais com elementos de tecido ovariano. Ela relatou na matéria:
“Então, aos 22 anos, descobri que, sete anos antes, eu havia removido um testículo e tecidos não funcionais com elementos de tecido ovariano. Tenho tomado hormônios desde então.
Também descobri que tenho cromossomos masculinos e também femininos. E que tenho um útero.
Depois disso, tive uma conversa séria com meu pai. Ele disse que dois psicólogos infantis o aconselharam a não me contar sobre isso.”
(matéria BBC Brasil, 26/11/2020)
Pelo relato de Iryna, você já deve ter percebido que pessoas intersexo nascem com características femininas e masculinas.
Pois bem. Os intersexos constituem aproximadamente 1% da população mundial e hoje lutam pelo fim das cirurgias em bebês, assim como pela despatologização de seus corpos. Para se falar de Intersexualidade, primeiramente é preciso esclarecer alguns pontos:
1) Sexualidade diz respeito a com quem a gente se relaciona sexualmente ou afetivamente. É a orientação sexual;
2) Transexualidade diz respeito à Identidade. É a identidade de Gênero;
3) Intersexualidade diz respeito ao Sexo Biológico, ou aos componentes biológicos, os quais podem apresentar variações que são chamadas de Estados Intersexuais.
Dito isso, vamos para as questões sociais:
I – O que é um padrão de um corpo dito como masculino?
1) Genital – Pênis 2) Gonodal – Testículos
3) Sistema Reprodutivo: testículos e Geneticamente Cromossomos XY
II – E o que é dito como um corpo padrão feminino?
1) Genital – Vagina 2) Gonodal – Ovários
3) Sistema Reprodutivo: ovários e útero e Geneticamente Cromossomos XX
Mas, qual a problemática disso?
O problema é que vivemos em uma sociedade que padroniza os Corpos no Binarismo: Masculino ou Feminino, XX ou XY.
Mas a verdade é que a Diversidade Humana, criada por Deus, não se limita a isso, e por muito tempo as pessoas intersexo foram ignoradas, pois os bebês já saíam cirurgiados do hospital.
A sociedade não sabe conviver com aquilo que está fora dos limites do dito “padrão”. E as igrejas, limitando a Obra Criadora ao Gênesis, e não querendo ver a realidade, ou não tendo conhecimento dela, sempre pregaram que Deus fez macho e fêmea. Então, se um bebê nasce com pênis e vagina, o médico logo definia cirurgicamente qual dos dois órgãos genitais permanece, “corrigindo a anomalia”. Ou seja, definindo em um recém-nascido qual seria o seu gênero.
E o problema que isso causa? Nem sempre esses bebês submetidos à cirurgia, quando adultos, se identificaram com o Gênero que lhe foi imposto pelos médicos. E aí temos uma parcela das pessoas transgênero que foram bebês intersexo e vítimas dessa prática tão comum em vários países.
A verdade é que é mais fácil esconder aquilo que não se sabe explicar ou não se quer aceitar a explicação. Nisso, ignorou-se que além do sexo masculino e feminino, existem as variações conhecidas como Estados Intersexuais, nas quais se inserem as pessoas intersexo.
Essas variações podem ser de ordem Genital (Interno ou Externo), Reprodutiva, Hormonal e Cromossômica (XX, XY, XXY, XYY, XXO… – é isso mesmo! Não existe só XX e XY como pregam por aí).
Muitos já sofreram perseguição por serem considerados fora dos padrões do dito “normais”. Pessoas Canhotas são um exemplo disso também. Cerca de 15% da população mundial é canhota e hoje olhamos isso como natural. Mas Canhotos já foram perseguidos, endemoniados, e obrigados a aprender a escrever como destro, como meio de “correção”, o que causou transtornos na aprendizagem de muitos.
E me diga uma coisa. Por que essa necessidade de “corrigir” para o “padrão”?
Aliás, o que é padrão, já que a sociedade sempre criou falsos “padrões”?
Bom, eu penso que Deus fez as pessoas intersexo exatamente para derrubar mais um falso padrão. A Obra Criadora de Deus nunca se limitou ao gênesis. O ser humano é que tem a mente limitada.
Viva a Diversidade na Obra Criadora de Deus!!