Muitas pessoas me questionam acerca das versões bíblicas que eu indico e considero menos manipuladas em relação ao original das escrituras.
Quando analisamos as versões bíblicas na língua portuguesa, não podemos deixar de considerar que o que temos em mãos são traduções. Quando se tem uma tradução, espera-se que o tradutor tenha sido fiel ao autor, traduzindo ipsis litteris (de modo literal) as palavras ou termos utilizados no original. O tradutor não tem que se colocar no lugar no escritor, reformulando o texto.
Autor é autor. Tradutor é tradutor. Manipulador é manipulador.
Os italianos possuem um ditado para isso: “traduttore, traditore” (tradutor, traidor). Isto é, se o tradutor não concorda com o autor ou resolve interpretar o que o autor disse, ele muda o original escrevendo conforme o seu entendimento.
Pois bem. Iniciando pelas versões bíblicas que eu indico (dentre as que eu já li), eu listo as seguintes:
1) Bíblia de Jerusalém
2) King James 1611 (cuidado com as KJ atualizadas, que distorcem o original)
3) Almeida Corrigida e Fiel
4) Almeida Revista e Corrigida 1969
5) Almeida Revista e Atualizada 1993
Qual a razão de eu indicar essas versões?
Observe que algumas indicam os anos nas quais foram lançadas. A importância disso é que tenho percebido que as versões mais antigas, até o século XX (ano 2000) são as que possuem traduções mais fiéis em relação ao original das escrituras, se comparadas às versões do século XXI (início no ano 2001).
E esse fato possui estreito vínculo com os fatos sociais. Explico:
O grande marco da busca pelos direitos civis das pessoas LGBTI+ é a Revolta de Stonewall em 1969.
A partir desse marco, tivemos no ano de 1970 a primeira grande parada do orgulho – ou marcha para libertação gay – na cidade de Nova York, um ano após a Revolta de Stonewall, organizada pelos ativistas LGBTQIAP+.
No Brasil, no ano de 1978 nascia o movimento homossexual brasileiro (MHB), o qual surgia num processo de contestação proveniente do movimento de liberação homossexual da Argentina em 1967 e o dos Estados Unidos de 1969, acima citado.
A primeira parada do orgulho de São Paulo ocorreu no ano de 1997.
As primeiras decisões judiciais a favor da possibilidade do reconhecimento das uniões entre pessoas do mesmo gênero, enquanto entidades familiares, são de idos de 1998. Ou seja, no século XX o movimento LGBTQIAP+ vai ganhando força no país. Os religiosos conservadores foram acompanhando isso.
Outro dado importante é o surgimento das Igrejas Inclusivas. A primeira, denominada Igreja da Comunidade Metropolitana (ICM) surgiu nos Estados Unidos. Foi fundada no dia 06 de outubro de 1968, em Los Angeles, pelo reverendo Troy Perry, ex-ministro da igreja batista.
No Brasil, os primeiros grupos inclusivos surgiram na década de 1990, mas somente a partir dos anos 2000 é que as igrejas inclusivas começaram a surgir enquanto congregação. Em 27 de maio de 2002, o pastor Victor Orellana, oriundo da Assembleia de Deus, fundou, em São Paulo, a Igreja Cristã Acalanto, primeira denominação inclusiva no Brasil.
Observe que esses fatos foram surgindo entre meados do século XX e início do XXI.
Nas leituras que fiz, observei que as versões escritas até o século XX (sem considerar atualizações delas) possuem uma tradução mais condizente com o original, ao menos no que diz respeito às pessoas LGBTQIAP+.
Por outro lado, versões bíblicas lançadas após o ano 2000 apresentam a tendência de alterar o original das escrituras, trazendo palavras e expressões que não existiam no tempo em que o texto foi escrito. Nesse cenário se encontram as seguintes versões, as quais eu NÃO indico:
1) Nova Versão Internacional – NVI: é uma das mais indicadas para novos convertidos e pessoas que possuem pouca familiaridade com as escrituras e sua linguagem arcaica. No entanto, a utilização de uma linguagem mais fácil e agradável para leitura tem gerado uma ruptura com o que o original da Bíblia traz. A NVI, na minha opinião, se insere no dito italiano “traduttore, traditore”. Lembre-se: nem tudo o que reluz é ouro.
2) Nova Versão Transformadora – NVT: para essa versão eu diria “passe longe”. Essa é uma das piores versões que eu já vi. Assim como a NVI, com a sua proposta de linguagem popular, ela altera completamente o original da Bíblia, utilizando expressões como “práticas homossexuais” para substituir “sodomitas” e nos equiparar a abusadores sexuais. Aliás, essa expressão começou a ser utilizada para incluir as lésbicas ou qualquer tipo de sexo realizado entre pessoas do mesmo gênero, já que o original bíblico das escrituras é o termo “arsenokoitai”, o qual se refere apenas ao coito realizado entre homens.
3) Nova Almeida Atualizada – NAA: é outra versão que traz a palavra homossexual na tradução, demonstrando maior fidelidade do tradutor à sua própria concepção em relação aos sodomitas, em detrimento do que o autor realmente quis dizer.
4) Bíblia Nova Tradução na Linguagem de Hoje – NTLH: fuja de Bíblias que apresentam a linguagem de hoje. Elas distorcem incluindo questões sociais que não eram pauta no tempo em que o texto foi escrito. Não adianta você ler uma versão bíblica “mais fácil” que te induz ao ensino errado.
Se o leitor fizer uma comparação entre essas versões (elas se encontram disponíveis on-line), perceberá o quão manipulada as escrituras têm sido neste século. Quanto mais a nossa luta por direitos aumenta, mais eles buscam lançar contra nós a opinião dos cristãos. Segundo dados do Datafolha, em pesquisa realizada no ano de 2019, 50% dos brasileiros são católicos e 31% são evangélicos.
Segundo o censo do IBGE, no ano 2010 o percentual de cristãos evangélicos era de 22%. Ou seja, nos últimos 10 anos, o número aumentou em torno de 9%. Imaginem se esses 9% tenham adquirido uma versão NVI ou NVT ou NTLH ou NAA. Imaginem que eles nunca tenham lido a Bíblia antes.
Vou citar dois exemplos de distorções trazidas por essas versões para ilustrar a situação.
1) O uso das expressões “homossexuais” ou “práticas homossexuais“. Como você traduz um texto utilizando palavras que não existiam no tempo que ele foi escrito? Traduzir é passar um texto de uma língua para outra utilizando as palavras que condizem com o original, e não “colocando palavras na boca” de quem escreveu. A igreja tradicional, no entanto, quer alterar todas as passagens antigamente traduzidas como “sodomitas” para homossexuais. Isso é desonesto, pois fala muito mais do preconceito de quem traduz e sua visão em relação aos sodomitas, do que diz respeito ao que o autor escreveu.
E o reflexo disso? Quem compra essas versões mais recentes acreditam que a Bíblia diz expressamente homossexuais ou práticas homossexuais.
E essa desconstrução é bem difícil. Sabe aquele ditado “a primeira impressão é a que fica?”. É bem isso.
2) Um segundo exemplo que eu dou é a passagem bíblica que relata que “a alma de Jônatas se apegou a de Davi” (I Samuel 18). A despeito de muitos não acreditarem no romance entre Davi e Jônatas, o fato é que se lêssemos essa passagem dizendo que “a alma de Jônatas se apegou a de Raquel“, ninguém teria dúvida de que se tratava de um amor à primeira vista.
Contudo, como a igreja não quer assumir a possibilidade de que o tão amado Rei Davi, homem segundo o coração de Deus, tenha vivido um relacionamento homossexual com Jônatas, seus tradutores passam a traduzir a passagem de uma forma completamente diferente do original. Segundo a NVT “formou-se de imediato um forte laço de amizade entre ele e Jônatas, filho do rei, por causa do amor que Jônatas tinha por Davi“.
Por sua vez, a NVI diz que “surgiu tão grande amizade entre Jônatas e Davi que Jônatas tornou-se o seu melhor amigo“.
Isso condiz com o original da Bíblia? Óbvio que não! Entre Davi e Jônatas foi Amor à Primeira Vista sim! Os tradutores traidores conservadores é que querem afastar qualquer possibilidade de o Rei Davi ter vivido uma relação homossexual. Existe um nome para isso: MANIPULAÇÃO.
Quem lê as versões NVI e NVT, sem ter um conhecimento bíblico, acreditam que a Bíblia realmente fala “amizade” no original. A partir daí surgem aqueles que enchem a boca para dizer que a Bíblia condena sim a homossexualidade ou então que Jônatas e Davi viveram apenas uma linda amizade.
É muito lamentável o que os tradutores têm feito com o original da Bíblia neste século XXI. Traduzir as Escrituras passou a ser um instrumento para se condenar pessoas, trazendo questões sociais dos dias atuais.
Precisamos ter muito cuidado com a versão bíblica a ser escolhida na hora de comprar e precisamos ter muito cuidado na hora de presentear alguém com uma versão bíblica.
Reflita: A Palavra de Deus é Sagrada, mas a Bíblia manipulada não!