As crianças conseguem identificar os gêneros masculino e feminino entre os 2 e 3 anos de idade. E nesta faixa, também conseguem se colocar em um dos dois. Por volta dos 3 a 5 anos, a percepção “sou do gênero tal” fica estável.
O relato das pessoas transvestegêneres esclarece um ponto importante. A contradição entre o gênero atribuído pelos adultos e o percebido pelas crianças pode estar presente já entre os 3 e 5 anos de idade. Ou seja, existe uma ideia equivocada. A genitália não produz a identificação com o masculino ou feminino, é falsa.
A normalidade da identidade trans pode ser verificada de várias formas. Uma delas, o desenvolvimento dentro do gênero. Quando são comparadas as crianças cisgêneras com as transgêneres não há diferença.
As dificuldades
Saber que crianças trans existem não faz parte do dia a dia. Se adultos transvestegêneres são vistos por muitos como “aberração”, como elas serão?
O que pode resultar da soma ignorância + preconceito? “Ignorar a existência” + “aberração”?
A maior parte dos pais ignora o fato. Ou pensa que “é uma fase”. E, com muita frequência, reprimem a manifestação. Obrigam as crianças dentro da lógica “meninas vestem rosa e meninos vestem azul”. Castigos físicos fazem parte do comportamento dos pais. Não são incomuns relatos de crianças expulsas de casa aos 13 anos de idade. Qual o caminho de sobrevivência que lhes resta??
Alguns, mesmo não compreendendo o que acontece, aceitam as crianças trans. Mas somente dentro de casa. No ambiente externo, se expressar diferente do que as pessoas esperam é evitado.
A criança trans tem a escola, o ambiente religioso, o ambiente esportivo, amigos e família para lidar. Quando os pais não somente aceitam, mas partem para a luta junto com elas, há uma grande diferença. Na vida infantil. E, consequentemente, na adulta.
O peso da solidão
Quando ser trans é visto pelos pais como errado, a criança se reprime. Acaba por se mostrar ao mundo como ele quer, e não como ela é. Na adolescência a situação piora.
A cobrança social aumenta, e as mudanças corporais, não desejadas, trazem questões. O que fazer com esta genitália que não é minha? Como escondo estas mamas que se intrometem na minha vida?
Como estão no trajeto para serem adultas, é cobrada atitude. E como elas não são o que os pais determinaram que fossem, o conflito está declarado. Eles determinaram pelo nome binário, pelas roupas binárias, pelo comportamento binário exigido.
Não é à toa que a taxa de suicídio entre adolescentes trans alcance 14%. A taxa entre adolescentes cis chega a 6,7%. O gênero percebido por elus também tem impacto. As taxas de tentativas de autoextermínio são:
- 50,8% para rapazes trans
- 41,8% para não binários
- 29,9% para moças trans
O abuso
Crianças transvestegênere sofrem abusos. E as cis também. Independente disto, são crianças! Não há justificativa para o abuso sexual. Nem das trans, nem das cis.
Mas as trans sofrem abusos extras.
- negligência por parte dos pais
- abuso emocional dentro da família
Na escola, a situação também é abusiva. Ela não está preparada para receber crianças trans. Muitas nem sabem que existem. E as que conhecem a existência, muitas repetem os pais. É uma fase a ser revertida. É uma “aberração” a ser consertada. Mais da metade des alunes trans sofrem violência verbal e física na escola.
Eis uma lista de abusos:
- piadas dos colegas
- não respeito ao nome social por parte da direção e professores
- uso incorreto do pronome pessoal pela instituição
- obrigar a usar o banheiro pela genitália e não pelo gênero percebido
- não colocar na turma correta nas aulas de educação física
Com este panorama, é possível entender a evasão escolar trans. Segundo a ANTRA, 82%, entre 14 e 18 anos, abandonam a escola.