O Conceito
Família é aquela instituição onde as pessoas aprendem, precocemente, a ter relações sociais. Precocemente porque é desde o nascimento. Nesta época não há consciência, raciocínio, razão… Idade radicalmente diferente das demais. A criança constrói, e constroem para ela, diversos laços. Biológicos, pela ascendência genética. Afetivos, pelos cuidados que recebe. Simbólicos, pelo aprendizado de como é ser pessoa humana. Jurídicos, pela existência de direitos a serem defendidos e exercidos para ela. Sociais, pelo aprendizado de respeitar e ser respeitada nas relações entre pessoas.
Através dos tempos e lugares
É uma instituição universal. Não parece existir sociedade onde não exista família. Mas não é uma instituição igual em todos os lugares e épocas.
Nos tempos bíblicos, família incluía o homem, suas mulheres (esposas e concubinas), os filhos de todas, os servos, as servas, e os seus descendentes. Hoje, o casal e, quando os há, descendentes. Um casal sem filhos não é uma família? Irmãos sem pais deixam de ser família?
Existem famílias “completas” ou “perfeitas”? Se família é o ambiente formado por pessoas em uma inter-relação de cuidados…Não foi assim definido acima?
Padrão único?
E, para os defensores de um “padrão bíblico de família”, pergunto: qual padrão? No Velho Testamento temos Abraão e sua esposa, Sara, e sua concubina, Agar. E os filhos Ismael (da segunda) e Isaac (da primeira). E Jacó, com suas esposas Leia e Raquel, com doze filhos, além de Bila e Zilpa, concubinas. No Novo Testamento, José, Maria e Jesus – Este filho adotivo de José. Temos Pedro, sua esposa e sogra (não há menção de descendentes). E Paulo, solteirão… Ele não tinha família?
Interessante que Jesus afirma que a pessoa que, para segui-Lo, tivesse que deixar sua família original, outra lhe seria dada – sem laços sanguíneos, mas, ainda assim, família. E as Escrituras usam o termo “família da fé” – novamente, sem vínculos biológicos.
Em defesa da família LGBTQIAP+
Qual a justificativa para negar o status de família às pessoas LGBTQIAP+? Um casal lésbico ou gay não pode constituir uma família? O conceito muda segundo as pessoas envolvidas? Um casal transvestegênere não pode constituir uma família? Por quê?
Um casal heteroafetivo e cisgênero que não pode, ou não deseja, ter descendentes, não é uma família? Se não for, é o quê? E se for, porque uma casal homoafetivo ou transgênere não será considerado família?
Diversos pesquisadores apontam uma razão implícita, que não costuma ser exposta. É necessário que a sexualidade reprodutiva exista para que a família exista. Ou seja, irmãos que vivam juntos não são uma família… Rute e Noemi, sogra e nora, não eram uma família…
O conceito de família parece ser manipulado conforme os interesses de poder. Interesses embasados em uma ideologia. Ou seja, em uma articulação de ideias que não têm embasamento empírico (experiências científicas). Segundo esta ideologia, somente casais heteroafetivos e cisgêneros constituem família.
Ou seja, o conceito funcional descrito no primeiro parágrafo, não é uma descrição válida. Tudo o que ele propõe, não existe. Família é importante por outras questões, não por aquelas descritas – quais seriam?
Negar às famílias LGBTQIAP+ o reconhecimento de serem famílias é desonestidade intelectual. Ou ignorância. Ou preconceito, pura e simplesmente. Como é conviver em sociedade com a desonestidade intelectual, com a ignorância e com o preconceito?
Casais LGBTQIAP+ constituem-se famílias, como conceituado no início. A não ser que exista um outro conceito de família que o negue.
texto inspirado e adaptado da conclusão da tese de doutoramento “Nós também somos família“: estudo sobre a parentalidade homossexual, travesti e transexual, de Elizabeth Zambrano