Poucas pessoas transvestegêneres são conhecidas pelo seu currículo acadêmico. A visibilidade dessa população é extremamente importante para sua preservação, proteção e cuidados com a saúde. Muitas pessoas ativistas são conhecidas. E quando dois currículos, ativismo e academia, andam juntos?
Paul Preciado, filósofo e escritor feminista transvestegênere, faz os dois.
Sua carreira
Preciado, espanhol de nascimento, obteve o mestrado em filosofia em Nova Iorque. Posteriormente concluiu doutorado na Universidade de Princeton, abordando arquitetura e sexualidade (Pornotopia: um ensaio sobre a arquitetura e a biopolítica da Playboy). Essa tese ganhou o Prêmio Sade em 2011.
Foi professor de “História Política do Corpo, Teoria de Gênero e História da Performance” , na Universidade Paris VIII e diretor do Programa de Estudos Independentes do Museu de Arte Contemporânea de Barcelona.
“Orlando, minha biografia política”, filme que dirigiu, recebeu o prêmio especial do júri no 73º festival internacional de cinema de Berlim, em 2023. Nele, reuniu um elenco de 26 pessoas transvestegêneres, de 8 a 70 anos de idade, para uma versão atualizada da obra de Virgínia Wolf, de 1928.
Via pessoal
Nasceu em 1970, e por lhe ter sido designado o gênero feminino, recebeu o nome de Beatriz. Família católica, frequentou escola apenas de meninas. Compreendeu-se inicialmente como pessoa lésbica caminhando para “sapatão trans” e “garoto-menina”. Aos 44 anos, transicionou em direção ao masculino, assumindo o nome Paul, oficializado em 2016. Esteve envolvido sentimentalmente com a escritora francesa Virginie Despentes entre 2005 e 2014.
Manifesto contrassexual
É seu livro de estreia, em 2002, inspirado em Judith Butler, Donna Haraway e Michel Foucault. Nele comenta sobre como é pessoal a identidade de cada humano, assim como a construção social e política do sexo. Ele trabalha uma ideia do corpo que foge homem X mulher, masculino X feminino, heterossexualidade X homossexualidade. Foi traduzido em diversas línguas e é considerado essencial para quem se interessa pela teoria queer. Observe que ainda se apresentava com seu nome de batismo, Beatriz.
Pode o monstro falar?
Preciado foi convidado a falar na Jornada Internacional da Escola da Causa Freudiana em Paris, em 2019. Sua fala foi tão provocadora que foi amputada. Ele, então, colocou no papel o que tinha a dizer.
Denomina a si mesmo “monstro” não porque assim se considere, mas porque a audiência assim considerava. Paul questiona a paralisia no tempo da psicanálise, parada após a morte de Freud. Questiona o padrão patriarcal que os escritos freudianos assumem como universal e “saudável”. Assim como a resistência de quem exerce a psicanálise em considerar como humanas todas as possibilidades de gênero.