É bom saber

Por que os serviços de saúde não atendem a população trans

Quando a moralidade promove o adoecimento e facilita a morte de 4 milhões de pessoas no Brasil

Milton Ribeiro
Milton Ribeiro

Seres humanos são, por natureza, interdependentes para existirem. A psicanálise construiu um edifício sólido sobre como o olhar do outro para a criança nos primeiros anos de vida nela imprime subjetividades poderosas, com influência potencial até o final da vida. (aos interessados, sugiro o livro “o primeiro ano de vida” de René A. Spitz)

Ou seja, todas as pessoas necessitam do olhar do outro para se verem como pessoas. Esta é uma das razões pelas existem grupos que compartilham características comuns não universais. A face contrária desta característica é a possibilidade de lesar a saúde emocional de quem tem seu valor enquanto pessoa reduzido pelo olhar do outro sem que tenha cometido uma ofensa, um crime, contra a humanidade de quem a vê.

A declaração do titular da pasta de educação deste ano, feita no dia 08 de março, participa deste processo de adoecimento e morte. Segundo a reportagem, ele afirma que pessoas podem querer ter outro gênero / sexo: “…se ela nasceu homem, se quiser pode ser mulher…não vou permitir…não tenho vergonha de falar nisso. Não tenho compromisso com o erro”.

Como já citei anteriormente, apenas pessoas que nunca ouviram aquelas transvestegêneras, que nunca se debruçaram na literatura científica, afirmam que ser trans é algo que foi desejado. Há uma constante nas entrevistas com mais de 500 que acompanho enquanto endocrinologista, traduzida em uma frase dita por uma delas: “a pior coisa que me aconteceu foi ser trans; a melhor foi assumir que sou”.

O citado funcionário público federal em cargo de confiança comete vários erros: diz que ser transvestegênere é uma questão de desejo individual e que é uma atitude moralmente má, indesejada, que não deve ser informada ou discutida com as crianças.

Não vou analisar as questões de fundo ético nesta postagem. Vou comentar as questões de saúde pública.

Razões pelas quais profissionais da atenção primária não atendem a população transvestegênere:

– falta de competência cultural

– não percepção das características especiais de saúde desta população (toda parcela da população com características especiais tem cuidados diferenciados – por exemplo, as pessoas com diabetes, hipertensão arterial, insuficiência renal, alterações genéticas como hemofilia e trissomia do 21)

– não reconhecimento dessas pessoas como capazes de serem os sujeitos dos seus próprios cuidados

– falta de formação específica (justifica em uma época onde a informação está no celular com 4G?)

Razões pelas quais a população LGBTQIA+ evita avaliação com profissionais da saúde:

– orientações e cuidados inadequados recebidos anteriormente

– registro inadequado do gênero

– recusa do uso do nome social, mesmo quando solicitado (uma postagem no Instagram de um rapaz trans mostra que ele escreveu, em sua testa, a palavra “ele”, para que as pessoas não errassem)

– medo da humilhação ao revelar a orientação sexual ou identidade de gênero

– medo da falta de confidencialidade

– receio de receber tratamento como se não fosse LGBTQIA+

– discussão com a pessoa profissional que atende para legitimar sua condição de LGBTQIA+, vista como patologia mental ou física

– associação com a convivência com o HIV

Sabe qual a chance de uma pessoa trans não procurar o serviço de saúde, comparada com as da pessoa cis? 6,7 vezes.

A fala comentada acima vem de uma pessoa que ocupa o mais alto cargo na área de educação do Brasil. Ela fornece todos os subsídios necessários para que as pessoas que integram as equipes de saúde em várias profissões mantenham seu desinteresse e / ou preconceito em relação à atenção para com as pessoas trans. Ela também dá razão a todo o segmento LGBTQIA+ para ter receio de procurar os serviços de saúde.

O titular da pasta da saúde deveria ser comunicado que seu colega atrapalha o serviço de sua pasta, sendo um gerador de doença e de perpetuação de falta de assistência à saúde.

[email protected] @eduardoribeiromundim

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