Como definir transfobia? Proponho: o ódio, repúdio ou medo de contato com pessoas transgêneras, que leva a incapacidade de admitir a existência delas, apresentando-as através de uma visão moralmente negativa (ou seja, são desqualificadas enquanto seres humanos). Frequentemente a transfobia resulta em atitudes de violência física e/ou moral e/ou psicológica. Não é novidade que lideranças cristãs evangélicas com maior repercussão na mídia são abertamente transfóbicas. Basta uma busca na rede para verificar o fato.
Não é difícil rastrear as justificativas apresentadas, frequentemente introduzidas por uma frase aparentemente piedosa: “eu respeito você, mas não concordo” (alguns não a usam, e são transparentes desde o início). Pessoas que se respeitam discordam sobre diversos pontos. Mas como pode haver respeito quando se é moralmente desqualificade?
Estudar esta questão é matéria para centenas de páginas – será que alguém já o fez? Como cristão evangélico desejo dar um passo além das razões apresentadas para “discordar”, sugerindo caminhos a serem explorados. Minha percepção é talhada pela caminhada de fé, sempre particular para cada pessoa.
Dito recorrente pela ala conservadora radical é que ser transvestegênere é uma escolha conscientemente assumida. E esta postura não pertence somente a este segmento, mas a vários outros (p. ex. políticos e ministros de estado, p. ex. da educação). Neste ponto temos a primeira questão: apenas aquelas que nunca conversaram com pessoas transvestegêneres acreditam que identidade de gênero seja escolhida.
E por que não conversam? E se conversam, por que mantêm esta impressão equivocada?
Minha aposta é que não há diálogo. Este pressupõe a possibilidade de mudar conceitos, rever esquemas de reflexão, estudar novas fontes de informação. Quando este segmento ouve o segmento trans não está aberto à possibilidade de rever a interpretação aprendida de textos bíblicos escolhidos. Parte da premissa que defende ser histórico o relato da criação de um único casal inicial, homem e mulher (binariedade). Argumenta que assim sendo, o Criador não criou no passado nem cria no presente, pessoas trans. E se Ele não criou, elas não existem…
Caso escutasse a história de cada pessoa não cisgênera, e a aceitasse sem reservas, estaria em uma situação difícil. Aceitar que na primeira infância crianças recusam o gênero que lhes é designado pela genitália – não por uma questão de escolha, mas por uma questão de absoluta impossibilidade de concordância honesta com essa designação – deixa três possibilidades: doença, pecado ou variabilidade humana. Não há possibilidade técnica de ser considerada doença (tema que trabalho no meu livro “Transgêneros e Fé Cristã”). Pecado vai de encontro ao preconceito existente antes de ouvir a pessoa trans, e que não se está disposto a rever. Portanto, a possibilidade de ser uma variabilidade humana é descartada. Admitir esta terceira hipótese implica em rever a interpretação considerada sagrada sobre o relato da criação. Não é possível compreendê-lo de outra forma. Ou seja, uma interpretação se transforma em Palavra de Deus – não é mais a bíblia que é a Palavra, nem Jesus que A encarna, mas uma interpretação particular.
Uma das minhas propostas de pesquisa é esta: este segmento religioso alimenta sua transfobia pela sacralização de uma teologia. O que lhe infunde tanto terror?
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