“Como sou uma pessoa negra com deficiência, uma das principais razões que não corrijo profissionais de saúde que me atendem, porque não me sinto confortável em fazê-lo, é que não desejo ser visto como pessoa raivosa ou violenta, ou não aderente ao tratamento.”
Esta frase foi dita por uma das 24 pessoas não binárias que participaram de um estudo científico sobre as experiências das pessoas não bináries nos centros de saúde.
Uma postagem anterior já havia introduzido este tema: por que os serviços de saúde não atendem as pessoas trans? Este texto pretende ouvir, além de analisar, o que as pessoas não bináries têm a dizer sobre como é esta experiência.
Os testemunhos
“Havia tantos pronomes usados no meu prontuário médico. Nunca me perguntaram, então adivinhavam.” Ou seja, muitas clínicas não usam o gênero correto nos documentos e comunicados.
“Não havia como colocar nome social ou mesmo pronomes ou gênero. Meu médico escrevia no prontuário que tinha desordem de identidade de gênero, uma maneira de assinalar que sou trans. Muito desconcertante.” Exemplo de como a experiência trans é encarada como uma doença, deixando de ser reconhecida, validada e valorizada.
O testemunho no início deste texto aponta a fragilidade que uma pessoa com deficiência experimenta. Um somatório de fragilidades: deficiência, negritude, doença crônica. Teme que, ao demandar o uso correto do nome social, ou do pronome, seja apelidada. Paciente difícil, com nervos à flor da pele, que se irrita facilmente… conseguirá atenção médica adequada?
As conclusões do estudo
As pessoas não bináries frequentemente têm interações negativas com os serviços de saúde. Uso incorreto de pronomes. Recusa em usar nome social. Não reconhecimento do gênero percebido pela própria pessoa. Não valorizar e referendar a experiência de ser trans como legítima. Patologizar, ou seja, afirmar que ser transvestegênere é ser doente. Estas experiências acontecem inclusive em serviços que dizem ser aliados nas pessoas trans.
Como resposta às experiências negativas, as pessoas não bináries (assim como todas as outras expressões transgêneres) adotam atitudes protetoras.
- evitar serviços de saúde
- não informar a identidade trans
- procurar profissionais que pertençam a minorias de gênero, status ou raça
Serviços de saúde têm deficiências importantes no cuidado para com as pessoas trans. Estas deficiências exilam as pessoas transgêneres e as desvalorizam socialmente. E a correção demanda atitudes nesta direção por todos os participantes.
Propostas
Os autores propões que profissionais de saúde:
- perguntem às pessoas pelo gênero com o qual se identificam
- perguntem às pessoas qual o pronome de tratamento
- colocar nome e pronome corretos nos documentos institucionais
- estejam abertes a serem corrigidos
- defendam a documentação e cuidados para com as pessoas não bináries
- compartilhem essas informações
Recomendam que os serviços de saúde:
- incluam no currículo os cuidados com pessoas não bináries
- tornem conhecida a aliança com as pessoas trans
- criem meios para registrar identidade de gênero sem patologizá-la
- Incluam profissionais não bináries, de pele não branca e com deficiência nos seus quadros