O preconceito não nasce de uma articulação racional. Seres humanos sentem em primeiro lugar e depois pensam em relação ao sentir. Parece que foi Darwin, em 1.872, a primeira pessoa a raciocinar o papel das emoções nas sociedades animais, inclusive a humana. Ele pensou sobre 32 diferentes reações emocionais disponíveis. Outros estudos, principalmente na área da psicologia, foram desenvolvidos posteriormente sobre o tema.
Os diferentes aspectos da vivência humana podem ser pensados a partir de diferentes pontos de partida, ou pontos de vista. Quando o foco é preconceito contra o segmento LGBTQIAPN+, expressões como ideologia do ódio surgem frequentemente.
Mas há uma outra emoção que talvez seja o solo sobre o qual o ódio cresça: o nojo.
O Nojo
Compreendo que a sequência de eventos seja assim: uma determinada situação provoca a emoção do nojo, que desperta outros sentimentos (como ódio e horror). Para se tornarem socialmente aceitáveis, explicá-los é necessário. Surge o raciocínio articulado. A partir deste ponto, parece que seres humanos ocultam as emoções que podem trazer rejeição a si (nojo, ódio, horror) e proclamam a ideia desenvolvida. Não é acidental que ideologia tenha origem na palavra ideia.
Nojo é uma reação imediata a uma situação que é ameaçadora ao mais íntimo do ser, e com a qual a convivência é inevitável. Talvez na evolução da nossa espécie, esta emoção fosse inicialmente a reação a um alimento ruim, capaz de trazer doença. Posteriormente outras situações passaram a fazer uso deste mecanismo emotivo: morte, higiene, sexualidade, moralidade, autoimagem, relações românticas e familiares.
Como as experiências humanas são particulares – cada pessoa experimenta situações de forma particular – nem todas evitam sempre as mesmas situações. Há vivências que são aceitáveis para umas e inaceitáveis para outras. Isto vale para indivíduos e grupos sociais. E como a interação é uma imposição da espécie humana, um grupo explicar sua reação negativa é necessário. E, para não deixar margem à ideia de irracionalidade, uma explicação é mandatória.
Fé e nojo
Todas as sociedades são religiosas – o que não implica que sejam teístas, que acreditem em alguma divindade. O que é a versão estatal do comunismo na antiga União Soviética ou na Coreia do Norte? Basta ouvir a melodia e ler a letra do hino da URSS. A religião necessita de explicação com alguma racionalidade, pois caso contrário as pessoas adeptas estarão por demais soltas. E é necessária a explicação do nojo que tem por alguma situação específica.
Neste campo, na sociedade brasileira, culturalmente cristã, abundam teologias anti LGBTQIAPN+. É a teologia do nojo, a teologia que explica a razão pela qual a divindade expulsa da Sua presença pessoas que Lhe sejam desgostosas, que Lhe provoquem nojo. Este é o nome verdadeiro de todo discurso que maligniza a existência das pessoas não cisgêneras e não heteroafetivas.
Compreender que o raciocínio apresentado por diversas lideranças cristãs nasce de um impulso para elas inconsciente é um passo útil para enfrentar discursos de ódio. Não são somente as ideias que devem ser contrariadas – é o sentimento que deve ser analisado e exposto a elas para que por ele respondam.