Formar uma família é o sonho de muitas pessoas, mas casais LGBTQIA+ enfrentam desafios específicos no acesso à reprodução assistida. Para esclarecer dúvidas sobre o tema, o médico urologista e especialista em reprodução humana, Dr. Matheus Gröner, partilhou com o Observatório G os principais caminhos e cuidados para quem deseja ampliar a família.
Observatório G: Dr. Matheus, para começar, quais são as opções de reprodução assistida disponíveis para casais homoafetivos?
Dr. Matheus Gröner: É essencial entender que, independentemente da orientação sexual, a reprodução assistida depende de três elementos básicos: sêmen, óvulo e útero.
No caso de casais masculinos, eles já possuem o sêmen, mas necessitam de óvulos e de um útero de substituição. Para isso, utiliza-se a fertilização in vitro (FIV), em que os óvulos são fertilizados em laboratório com o sêmen de um dos parceiros, e os embriões formados são transferidos para o útero de substituição.
Já os casais femininos geralmente têm óvulos e útero, mas precisam de sêmen. Nesse contexto, existem três opções principais: inseminação intrauterina (IIU), fertilização in vitro (FIV) ou FIV com recepção de óvulos da parceira (ROPA). Esta última técnica permite que ambas as parceiras participem ativamente: uma doa os óvulos e a outra carrega a gravidez.
Observatório G: Como funciona o processo de obtenção de óvulos ou sêmen para casais homoafetivos?
Dr. Matheus Gröner: Para casais masculinos, os óvulos podem ser obtidos de três formas:
1. Doação familiar: Um familiar de até 4º grau de um dos parceiros pode doar, desde que não haja consanguinidade entre o óvulo e o sêmen utilizado.
2. Programas de doação anônima: Clínicas de reprodução assistida oferecem esse serviço de forma ética e sigilosa.
3. Bancos de óvulos internacionais: Embora a venda de óvulos seja proibida no Brasil, é possível adquiri-los de bancos internacionais aprovados pela ANVISA.
Já para casais femininos, o sêmen pode ser obtido por doação familiar, seguindo os mesmos critérios de ausência de consanguinidade, ou através de bancos de sêmen nacionais e internacionais, onde é possível escolher o doador com base em características específicas.
Observatório G: Existe algum procedimento que aumente as chances de sucesso na reprodução assistida?
Dr. Matheus Gröner: Não há técnicas exclusivas para a população LGBTQIA+, mas o sucesso está diretamente ligado à saúde geral do casal. Manter uma dieta equilibrada, praticar atividade física, evitar o tabagismo, consumo excessivo de álcool e drogas, além de controlar o stress e garantir uma boa qualidade de sono, são fatores cruciais.
Além disso, identificar precocemente condições que possam afetar a fertilidade, como varicocele em homens ou baixa reserva ovariana em mulheres, pode aumentar significativamente as chances de sucesso.
Observatório G: Que exames de fertilidade são recomendados para pessoas LGBTQIA+ que desejam ter filhos?
Dr. Matheus Gröner: Para pessoas com testículos, o espermograma é essencial, assim como uma avaliação urológica para diagnosticar condições como varicocele. Já para pessoas com ovários, exames como o hormônio antimülleriano (AMH) e ultrassom transvaginal ajudam a avaliar a reserva ovariana.
Independentemente do género, a prevenção de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) é fundamental, com vacinação, exames periódicos e práticas seguras.
Observatório G: Homens trans devem tomar cuidados especiais antes de iniciar a terapia hormonal?
Dr. Matheus Gröner: Sim. Embora os estudos ainda não confirmem se a testosterona afeta diretamente a qualidade dos óvulos, recomenda-se o congelamento de óvulos antes de iniciar a terapia.
Para mulheres trans, o uso de estrogénio pode comprometer a produção de espermatozoides, podendo até cessá-la completamente. Por isso, o congelamento de sêmen antes do início da terapia hormonal é crucial para preservar a fertilidade.
Observatório G: E quanto ao uso de barriga solidária no Brasil para casais masculinos?
Dr. Matheus Gröner: No Brasil, a barriga solidária é permitida apenas se houver um vínculo familiar de até 4º grau com um dos parceiros, e desde que a pessoa já tenha pelo menos um filho vivo. Além disso, a doadora de óvulos não pode ser a mesma pessoa que fornece o útero de substituição.
Se não houver familiar disponível, o caso pode ser levado ao Conselho Federal de Medicina (CFM) para avaliação, desde que não haja qualquer compensação financeira envolvida.
Observatório G: Quais são os principais cuidados de saúde reprodutiva para homens e mulheres que planeiam ter filhos?
Dr. Matheus Gröner: Para homens, é essencial o acompanhamento urológico desde a adolescência, especialmente para diagnosticar e tratar condições como varicocele. Para mulheres, fatores como idade e reserva ovariana são determinantes, sendo importante planejar com antecedência.
Além disso, manter uma boa saúde geral e prevenir ISTs é fundamental para todos.
Observatório G: Para finalizar, que mensagem o senhor deixa para quem deseja formar uma família?
Dr. Matheus Gröner: Formar uma família é um direito de todos. A medicina reprodutiva oferece ferramentas incríveis para tornar esse sonho possível, mas o sucesso depende de planeamento, saúde e acompanhamento médico especializado. Procurem profissionais capacitados para garantir uma jornada segura e feliz.