Protagonizado por Jeffrey Wright (Rustin), que interpreta o escritor Thelonius, o filme Minorias à Venda conta com performances emocionantes. O que é melhor: tem uma representativade gay diferente da norma.
Quanto às performances emocionantes, tem a Tracee Ellis Ross (Black-ish), filha de Diana Ross, e Sterling K. Brown (This Is Us), cujas cenas sem camisa vão te manter interessado, caso nada mais consiga.
E mais: há papeis importantes feitos por rostos conhecidos. Issa Rae (Barbie) interpreta uma escritora de sucesso que faz espelho para o personagem de Wright.
Já Adam Brody (The OC), marido da eterna Blair de Gossip Girl, faz um produtor cinematográfico convincente, e rende bons momentos de comicidade.
Dramédia de 2023 da Prime Video tem elenco de peso e bom equilíbrio entre risos e lágrimas. O que o filme faz a gente pensar, no entanto, pode te deixar mais triste do que feliz.
Se “Ficção Americana” critica os clichês da representação de negros nos EUA, o longa não para de apontar o dedo só nesse aspecto.
Isso porque é possível transpor a crítica que o filme traz para qualquer representação de minorias, sempre determinadas por clichês. Aqui no site, você já ouviu falar das séries LGBTQ com mais destaque.
Não é o caso das séries na lista, mas quando o assunto é representação LGBTQIA+ nas telas, o difícil é achar alguma que fuja aos clichês.
Enquanto hoje protagonistas queers só aumentam em séries e filmes, isso não quer dizer que produtos culturais nos representam com qualidade.
Representar comunidades minorizadas é desafiador, mas seguimos tentando encontrar unidade num coletivo de diferenças. A dificuldade permance porque não é prático agradar gregos e troianos e, na comunidade LGBTQIA+, temos um pouco de tudo.
Equilíbrio entre crítica social e comédia de erros
Ainda que tenha perdido o Oscar, a produção americana é memorável por conta da história que faz pensar, sem deixar de divertir.
Em Ficção Americana, Monk, um escritor negro de romances, está frustrado com o feedback do público leitor.
As coisas só pioram quando uma autora negra alcança notoriedade com uma história que ele considera estereotipada. A autora, interpretada por Issa Rae, navega o sucesso com classe e consciência, o que só irrita mais Monk, o protagonista.
Resistente até o último soar do gongo, ele somente deixa o orgulho de lado quando sua família começa a desmoronar.
Pressionado para fazer mais dinheiro e pagar o tratamento de um familiar, ele escreve um livro que considera um lixo.
Ironicamente, a obra é acolhida pelas editoras e mercado cinematográfico com enorme interesse.
Discussão temática que vai além do enredo
Será que a visão dos outros sobre nós está essencialmente errada, ou é somente a ponta do iceberg? Essa é uma reflexão que o filme nos traz com maestria.
De fato, o drama pessoal de Monk, sua via crúcis, é um desalinho com sua própria comunidade, além de uma falta de identificação com a perspectiva da maioria.
Assistindo ao filme, não se pode deixar de pensar sobre a comunidade LGBTQIA+, em especial, a comunidade gay, que é o escopo desse texto.
Clichê a gente conhece bem: quantas vezes sacamos o final da história só de olhar para a capa do filme? A maioria dos curtas gays trata da descoberta do desejo, o que é válido. Mas não deixa de ser um clichê.
O problema disso é que as histórias que contamos sobre nós mesmos chegam aos outros, que passam a nos reduzir àquilo que repetimos.
Se, antes, tínhamos que nos resignar com tramas vagas cujos personagens secundários davam pinta sem sair do armário, hoje temos mais opções na hora H do entretenimento.
No entanto, séries, filmes e até livros ainda seguem uma tendência centenária de narrativas tristes e “realistas”, principalmente no mercado mais cabeça.
Enquanto isso, o leque de histórias que nos representa, apesar de maior, continua limitado.
Copo pela metade
É claro que histórias repetidas são necessárias e têm lugar. Elas não deixam de provocar discussões interessantes, em especial sobre a pressão social e a heteronormatividade forçada, que são temas recorrentes no catálogo de enredos LGBTQIA+.
Resta a pergunta: o que somos sem a dificuldade de aceitação das famílias, o sexo arriscado, a hipocondria sexual, os encontros fortuitos e a dificuldade em se apaixonar quando ainda estamos em descoberta?
O que somos sem o armário? Temos identidade própria, se tirarmos o sexo da jogada? Será que tudo o que nos faz diferentes é a forma de trepar?
Os casais homossexuais ainda são representados com estereótipos e clichês, que conseguem maior adesão do público em plataformas de streaming e histórias de largo alcance.
Por extensão, o clichê faz parte do conjunto de perspectivas que compõem nossa identidade.
Não se trata de rejeitar os símbolos que fazem parte do conjunto, mas sim de tentar nos enxergar de outros modos.
Todo espelho é distorcido, então porque não trocar de moldura de vez em quando? Assim, filmes como Ficção Americana talvez um dia não sejam tão necessários.
Até lá, vale a pena assistir ao indicado a melhor filme para aprender uma coisa ou outra.