Meu chacra cardíaco arde e floresce. Meu coração está em chamas ,alimentado por este desejo quase infantil de viver um novo amor. Com essa chama acesa, recordei um filme muito especial que assisti durante a pandemia, época em que eu fazia uma especialização em roteiro. Foram muitos filmes marcantes, mas um deles me atravessou de maneira única. O filme , Retrato de Uma Jovem em Chamas (Portrait of a Lady on Fire), com roteiro e direção de Céline Sciamma.
Lançado em 2020, o filme é ambientado na França do século XVIII e traz a história de Marianne (Noémie Merlant), uma pintora contratada para criar, em segredo, o retrato de Héloïse (Adèle Haenel), uma jovem prometida em casamento. Héloïse, contrária ao matrimônio, recusa posar, e Marianne, sob o pretexto de ser sua companheira de passeios, observa-a atentamente durante o dia e pinta de memória à noite.
Com o passar do tempo, a relação entre artista e modelo transcende o campo profissional. Cada encontro, cada troca de olhares, estreita os laços que as unem, e o envolvimento emocional floresce em um amor delicado e arrebatador. No entanto, como na tragédia de Orfeu e Eurídice, citada no filme, esse amor está destinado a ser breve, mas inesquecível.
A Poesia de “Retrato de Uma Jovem em Chamas” é potente .
Há filmes que não apenas contam histórias, mas sussurram, respiram e queimam dentro de nós. Retrato de Uma Jovem em Chamas , é um desses filmes raros, uma chama contida que explode em poesia visual e emocional. Céline Sciamma constrói uma narrativa que captura o efêmero e o eterno, o desejo e a renúncia, como uma pintura viva que transcende o tempo e o espaço.
A trama simples revela uma profundidade comovente. Marianne e Héloïse, presas entre o dever e o desejo, a tradição e a liberdade, descobrem no olhar silencioso e nos gestos contidos uma forma de comunicação que transcende palavras. A direção de fotografia de Claire Mathon transforma cada quadro em uma obra de arte, evocando o renascimento e o barroco. Tons quentes e luminosos dançam entre a paixão e a melancolia, enquanto os elementos naturais , o vento, o fogo, o som do carvão no papel tornam-se personagens dessa história.
O título do filme é literal e metafórico. O fogo é símbolo de desejo, transformação e perda. Uma das cenas mais impactantes ocorre ao redor de uma fogueira, com Héloïse envolta pelas chamas, olhando para Marianne com uma intensidade atemporal. É um momento que encapsula o presente absoluto do desejo, livre das limitações do tempo.
Ah !! os amores inesquecíveis, aqueles que a gente lembra quando ouve uma música ou quando revisita algum lugar especial.
Mesmo condenadas à separação, Héloïse e Marianne compartilham um amor que é eterno em sua essência. A lembrança desse amor, como o olhar final de Orfeu para Eurídice, carrega uma força transformadora. Sciamma sugere que o verdadeiro poder do amor está na memória, que o mantém vivo como uma chama invisível, gravada na alma.
O uso mínimo de diálogos e a ausência de trilha sonora tradicional intensificam os sons do mundo ,o mar, os passos, o fogo , criando uma intimidade quase palpável. Quando a música finalmente surge, em dois momentos cruciais, ela emociona profundamente. Primeiro, na fogueira, como uma epifania coletiva. Depois, com As Quatro Estações de Vivaldi, no adeus final, que ressoa como um grito silencioso.
Em grande parte do filme, a música é substituída por sons naturais e o silêncio, criando uma atmosfera intimista e realista que amplifica a conexão entre as personagens.
Com a trilha de “La Jeune Fille en Feu” Uma música composta especificamente para o filme, interpretada por um coro de mulheres. Essa cena ocorre em um encontro ao redor de uma fogueira e é extremamente simbólica, reforçando a ideia de união, força feminina e intensidade emocional.
Além do , Prelúdio da Suíte para Teclado nº 4 em Ré menor de Vivaldi.
Essa peça clássica aparece em uma cena crucial, quando Marianne toca cravo para Héloïse. O uso de música barroca contrasta com o silêncio predominante no filme, sublinhando um momento de intimidade e emoção entre as protagonistas.
A ausência de uma trilha sonora constante é uma escolha deliberada que intensifica o impacto emocional desses dois momentos musicais, tornando-os ainda mais memoráveis. Eu confesso que baixei essas duas trilhas e fico ouvindo enquanto corro na esteira ou no meu dia a dia.
Retrato de Uma Jovem em Chamas é uma ode ao feminino, ao olhar mútuo que reconhece e respeita o outro, e ao amor que não precisa ser eterno para ser verdadeiro. É também um tributo à criação artística e à liberdade. A fotografia de Claire Mathon, que lhe rendeu o César de Melhor Fotografia, e a narrativa delicada e impactante fazem deste filme uma obra-prima.
Premiado no Festival de Cannes com o Melhor Roteiro e a Palma Queer, Retrato de Uma Jovem em Chamas é mais do que um filme. É uma experiência visceral. Ao terminar, ele não se apaga. Permanece em nós, como uma cicatriz, uma memória ardente e inconfessável, um fogo que continua a arder em nosso coração.
Cultivemos nossas ilhas , eu sinto !!
Silvia Diaz , é Atriz, Performer, Dramaturga e Roteirista. Estudou interpretação Teatral(Unirio). Graduada em Produção Audiovisual(ESAMC). Dramaturgia ,SP escola de Teatro. Apenas uma Artista que vende sonhos em dias cinzentos. E quando os dias não forem tão trevosos, ainda assim continuarei a vender meus sonhos!! Cores, abraços, afetos, lua em aquário. Fluindo . Cultivando minha Ilha.. Eu Sinto...
@silviadiaz2015