Era uma quinta-feira atípica. Uma tempestade caía sobre a cidade, e eu acordei atrasada para minha consulta com a querida amiga e psicóloga, Dra. Mishico Kobayashi. Sendo autista, ela sempre me acolheu com muito carinho, acompanhando de perto todas as minhas quedas e conquistas. Dra. Mishico me lembra Madame Blavatsky, com sua espiritualidade profunda e uma mente muito à frente do nosso tempo. Ela é uma criatura seráfica, e, sinceramente, me pergunto o que faz aqui na Terra.
Desde o momento em que a conheci, ela esteve ao meu lado. Quando entro em sua sala de espera, um quadro de uma mulher cercada por borboletas chama minha atenção. Já faz anos que “paquero” essa obra, e até tive a ousadia de pedir de presente. Ela sempre ri e diz que foi pintado por sua mãe, e que jamais o daria a mim, o que me faz rir ainda mais.
Dra. Mishico é dessas psicólogas que nos fazem caminhar com coragem. Ela carrega uma doçura e um poder de cura que são inegáveis. Conversar com ela sempre me dá forças. Em uma das nossas sessões, começamos a falar sobre filmes, pois sou uma cinéfila incurável , e ela também. Foi aí que surgiu a vontade de rever um filme que eu tinha assistido há alguns anos: Pecado da Carne , ou, Einayim Petukhoth em hebraico, que significa “Olhos Bem Abertos”.
Por uma dessas coincidências da vida ,ou do Universo ,naquela mesma noite, zapeando pela TV de madrugada, reencontrei o filme . Pecado da Carne é uma obra delicada e tocante, escrita por Merav Doster e dirigida por Haim Tabakman, com atuações de Ran Danker e Zohar Shtrauss. Co-produzido por Israel, França e Alemanha, o filme foi premiado como Melhor Filme no Festival Internacional de Cinema de Ghent em 2009 e rendeu a Zohar Shtrauss o prêmio de Melhor Ator no Festival de Jerusalém. Também foi selecionado para a mostra “Un Certain Regard” do Festival de Cannes de 2009.
A trama se passa em Meah Shearim, um bairro ultraortodoxo de Jerusalém, e narra a história de Aaron Fleischman, um açougueiro devoto cuja vida é virada de cabeça para baixo ao conhecer Ezri, um jovem estudante que chega ao bairro. Aaron, casado e pai de quatro filhos, vive uma rotina rígida até que sua conexão com Ezri o leva a questionar tudo o que sempre acreditou.
A tensão entre os dois começa com olhares e gestos sutis, evoluindo para um romance proibido que desafia as convenções sociais e religiosas da comunidade. Em ambientes ultraortodoxos, como o de Meah Shearim, a homossexualidade é considerada um grave pecado pela Halachá ,lei judaica. Entretanto, correntes mais liberais do judaísmo já celebram o amor em suas múltiplas formas, a diversidade.
Pecado da Carne explora a dualidade entre a fé inabalável de Aaron e o desejo irreprimível por Ezri. Não é apenas uma simples paixão, mas uma conexão profunda entre duas almas, que transcende o físico e toca o etéreo. A Cabala fala do reencontro de almas predestinadas, uma união espiritual chamada zivug, onde duas almas separadas no início dos tempos se reencontram no plano físico para completar sua jornada. Esse conceito, é conhecido também como bashert ,“destinado”, vê o amor como algo que transcende o terreno, um elo eterno e espiritual. Esse amor entre Aaron e Ezri desafia não apenas as normas religiosas, mas também os limites da alma humana.
A luta de Aaron é interna, um dilema entre o amor por sua família e o sentimento arrebatador por Ezri. Cenas delicadas, como o banho à margem do lago, mostram a breve liberdade que encontram juntos, antes de serem julgados e condenados pelo mundo ao seu redor. Nesse instante, eles parecem dois seres etéreos, puros e livres.
Há amores que existem além do que o mundo terreno pode compreender ou aceitar. Aaron e Ezri compartilham um desses amores profundos, um amor que desafia as barreiras impostas pela sociedade e pela moralidade. O filme nos deixa com uma reflexão sobre o significado de amar, desejar e viver em um mundo que proíbe esses sentimentos.
Pecado da Carne é uma obra delicada e atual, que transcende o tempo e o espaço, abordando temas universais como o amor, o desejo e o preço de seguir o coração. Ele me faz acreditar em amores profundos, aqueles que têm coragem de existir, mesmo quando o mundo diz que não deveriam.
Sou profundamente grata à Dra. Mishico por me ensinar a ter coragem , coragem de amar, de viver e de não desistir dos meus sonhos. Ela me ensinou que há uma diferença entre viver e simplesmente sobreviver, e que devemos nos jogar nos abismos da vida e, ainda assim, viver plenamente. Gratidão Dra. Mishico, por me ensinar a caminhar nesse mundo de trevas, e ainda assim acreditar que há esperança de viver . Não somos ilhas, mas, devemos cultivar nossas ilhas.
A vida é se jogar em nossos abismos . Cultive sua ilha !!
Silvia Diaz , é Atriz, Performer, Dramaturga e Roteirista. Estudou interpretação Teatral(Unirio). Graduada em Produção Audiovisual(ESAMC). Dramaturgia ,SP escola de Teatro. Apenas uma Artista que vende sonhos em dias cinzentos. E quando os dias não forem tão trevosos, ainda assim continuarei a vender meus sonhos!! Cores, abraços, afetos, lua em aquário. Fluindo . Cultivando minha Ilha …
@silviadiaz2015