Toda atividade profissional que visa ajudar a pessoa próxima em sua saúde é regida por um código de ética. A necessidade de normas de conduta parece óbvia. Somos seres humanos, imperfeitos, governados por instintos que brotam do interior sem que saibamos sua origem ou propósito. E mesmo quando não se está sob o império dos instintos, é legítima a pergunta: qual atitude é o bem?
A medicina tem princípios éticos que são respostas ao tempo em que se vive. Cada época, cada cultura, traz situações e vivências que difere de outra época e outra cultura. Princípios éticos mudam. Às vezes, por questões políticas (você acha que na Alemanha sob Hitler não havia código de ética?).
Há um princípio ético da medicina que pretende ser universal, atribuído ao famoso médico da antiguidade, Hipócrates: em primeiro lugar, não causar mal ( “primum non nocere”).. A pessoa que exerce a medicina tem esta obrigação: antes de fazer o bem (princípio da beneficência) importa não fazer o mal (princípio da não maleficência).
Quando a pessoa transvestegênere procura auxílio médico ela enfrenta problemas, como já comentamos em texto anterior. É necessário um olhar complementar.
Transfobia institucional existe, e não é percebida pelas pessoas. Se fosse reconhecida e praticada, não seria institucional, mas pessoal. Fatores que não são percebidos levam a não percepção de problemas graves. Racismo não percebido conduz a erros diagnósticos, a sofrimentos e, por que não, a morte. Machismo, idem. Não saber reconhecer um quadro psiquiátrico pode resultar em danos físicos e morais. Não ter recebido aulas na faculdade, ou durante a residência / especialização médicas, sobre a saúde de pessoas LGBTQIA+ promove desassistência, doença e, por que não, morte.
Não saber como compreender uma determinada situação de saúde, e o que pode ou não causar dano a pessoa, é razão legítima para encaminhar a quem sabe. Nem toda recusa em atender uma pessoa trans em suas demandas de apoio hormonal para adequação social de gênero é transfobia. Esta existe no modo de falar, de olhar, de receber, de despedir, ou seja, no comunicar. Não necessariamente no não atender na prescrição de hormônios. Se eu não sei se pode causar mal, não posso fazer.
Mas deixar de tratar cólica renal, enxaqueca, diabetes, hipertensão arterial, parasitose intestinal, infecção urinária, ou seja lá que problema for, pelo fato da pessoa que procura estar fazendo uso cruzado de hormônios (termo técnico para apoio hormonal para a adequação social de gênero) é má vontade quando se tem a internet ao alcance dos dedos no celular, é preguiça quando se tem telefone ao alcance, é preconceito quando não é a primeira vez que atende uma pessoa trans e não procurou nenhuma informação sobre o tema. Nestes casos, a regra “primum non nocere” é violada.