Confesso que nunca tinha assistido ao filme. E talvez por isso, “Summertime” me pegou de surpresa .Dessas boas surpresas que não nos soltam fácil. O título original é La Belle Saison (“A Bela Estação”), e realmente há beleza ali, mas também dor, silêncio, resistência e delicadeza. Dirigido por Catherine Corsini, esse drama romântico francês, lançado em 2015, nos transporta para o verão de 1971 na França. É nesse cenário de sol e luta que conhecemos Delphine (Izïa Higelin), uma jovem de 23 anos, filha de agricultores, e Carole (Cécile de France), uma ativista feminista de espírito livre que vive em Paris.
Delphine, criada no campo, guarda dentro de si o peso de uma vida herdada. Seu amor por outra mulher é segredo, trancado a sete chaves. Depois do fim de um relacionamento com uma moça da região, ela decide mudar de vida, deixando a fazenda para trás e indo viver na capital. É em Paris que ela conhece Carole , mais velha, carismática, envolvida até o pescoço com o movimento feminista. Carole vive com um namorado, participa de protestos, encontros e discussões acaloradas sobre liberdade e igualdade. Quando Delphine entra nesse universo, algo se acende. A atração entre as duas é imediata.
O que começa como amizade logo se transforma em um romance intenso e inesperado. Carole, até então heterossexual, se vê tomada por sentimentos que nunca havia experimentado. A relação se constrói em gestos simples, olhares demorados, coragem e cumplicidade. Corsini filma esse amor com sensibilidade, permitindo que ele floresça em tela de forma orgânica, real, com cenas de afeto e intimidade que nunca soam forçadas ou estereotipadas.
Mas a sociedade em que vivem é outra história. Homossexualidade, em 1971, ainda é um tabu especialmente fora dos grandes centros urbanos. Quando o pai de Delphine sofre um derrame, ela decide retornar à fazenda para ajudar sua mãe. Carole, tomada pelo afeto, resolve acompanhá-la. É aí que o filme muda de tom. A liberdade da cidade dá lugar à rigidez do campo. Carole passa a se esconder. A paixão das duas precisa ser camuflada sob o disfarce de amizade. A mãe de Delphine, desconfiada, pressiona. Um vizinho, Antoine, é visto como o “partido ideal” para a moça.
O amor que antes parecia capaz de tudo, começa a encolher diante da realidade. Delphine se vê diante de um dilema cruel: Assumir-se, correndo o risco de perder tudo ou renunciar a Carole para manter a estrutura da qual depende. A tensão se intensifica até que a verdade vem à tona. Monique, a mãe, reage com rejeição. Carole, sentindo-se sufocada naquele ambiente opressor, retorna a Paris. E Delphine fica.
Sim, esse é meu pequeno “spoiler”: elas não ficam juntas no final.
Mas essa ausência de final feliz não torna o filme menos bonito, ao contrário, faz dele ainda mais honesto. A obra retrata os desafios reais de viver um amor queer num mundo que insiste em limitar afetos. Cada escolha de Delphine carrega o peso da culpa, da lealdade à família, do medo de ser rejeitada. Carole, por sua vez, representa o ideal da liberdade, mas também sente o luto de um amor que não pôde sobreviver ao mundo.
O que “Summertime” nos oferece é mais do que um romance. É um retrato de época, com toda sua complexidade. O feminismo da segunda onda serve de pano de fundo à história, em plena ebulição após os protestos de maio de 1968. O contraste entre campo e cidade é simbólico. De um lado, as raízes e as tradições; do outro, o desejo de romper com tudo e viver uma nova narrativa. Entre esses dois mundos, Delphine caminha em silêncio tentando ser fiel a si mesma sem destruir os pilares sobre os quais cresceu.
A direção de Catherine Corsini é íntima e calorosa. A paleta de cores acompanha o tom do filme: quente, dourada, carregada de sensações. A fotografia no campo é naturalista, sensível aos gestos e às estações, enquanto Paris é retratada com energia, ritmo e promessas. A trilha sonora, composta por Grégoire Hetzel, intensifica as emoções com toques melancólicos e ternura.
Izïa Higelin e Cécile de France estão em perfeita sintonia. Há verdade no modo como se olham, se tocam, se afastam. A química entre elas é palpável, e suas atuações dão profundidade às escolhas dolorosas de cada personagem. Não é à toa que o filme foi aclamado pela crítica, com passagens importantes por festivais como Locarno, e indicações ao César, incluindo a de Melhor Atriz Coadjuvante para Noémie Lvovsky.
No fundo, “Summertime” é sobre coragem. Sobre o que nos custa ser quem somos. Sobre o amor que floresce mesmo em terrenos difíceis. E sobre as perdas que, por mais duras que sejam, nunca invalidam a beleza do que foi vivido.
Sob o sol morno da França dos anos 70, duas mulheres se encontram como quem reencontra o próprio fôlego. Delphine, feita de terra e silêncio. Carole, feita de vento e voz. Entre elas, um verão. E tudo o que um verão pode conter: descoberta, desejo, luta, ternura, partida. Um verão breve e eterno na memória.
Porque há amores que não sobrevivem. Mas também há os que não se apagam.
E mesmo quando o amor se cala, ele permanece, latente, como a memória de um trem que partiu.
"Summertime" floresce naquilo que não pôde durar. Por isso mesmo, nunca morre.
Além do romance, o filme também dialoga com o movimento feminista da segunda onda, mostrando protestos, debates e a busca por liberdade em várias frentes. A direção delicada de Corsini, a fotografia quente e naturalista, e as atuações de Higelin e Cécile de France tornam “Summertime” uma experiência cinematográfica sensível.
Duas mulheres se encontram como quem reencontra o próprio fôlego.
Delphine, filha da terra, carrega nos olhos a solidão dos campos e nas mãos a rigidez da vida herdada.
Carole, vento de Paris, sopra feminismo, liberdade e desejo por entre as páginas de livros e reuniões em salas apertadas.
O amor acontece no silêncio entre os gritos , um toque de mão, um olhar que hesita, um beijo que rompe o mundo.
Elas dançam entre as estações com corpos em combustão, enquanto o tempo, cruel e imenso, as observa com calma de testemunha.
A terra pede permanência, mas o amor pede coragem.
E é no limiar entre o impossível e o inevitável que “Summertime” floresce: um verão breve, eterno em lembrança.
Um amor que arde, mesmo depois da última luz do dia.
Cultivemos nossas ilhas !! Eu sinto !!
Silvia Diaz , é Atriz, Performer, Dramaturga e Roteirista. Estudou interpretação Teatral(Unirio). Graduada em Produção Audiovisual(ESAMC). Dramaturgia ,SP escola de Teatro. Apenas uma Artista que vende sonhos em dias cinzentos.
E quando os dias não os dias não forem tão trevosos, ainda assim continuarei a vender meus sonhos!! Cores, abraços, afetos, lua em aquário. Fluindo .
Cultivando minha Ilha.. Eu Sinto…
Instagram @silviadiaz2015