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Summertime

Duas mulheres se encontram e se apaixonam , muitos atravessamentos e o poder das escolhas.
14/07/2025 22:23
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Summertime(foto: Uol)

Confesso que nunca tinha assistido ao filme. E talvez por isso, “Summertime” me pegou de surpresa .Dessas boas surpresas que não nos soltam fácil. O título original é La Belle Saison (“A Bela Estação”), e realmente há beleza ali, mas também dor, silêncio, resistência e delicadeza. Dirigido por Catherine Corsini, esse drama romântico francês, lançado em 2015, nos transporta para o verão de 1971 na França. É nesse cenário de sol e luta que conhecemos Delphine (Izïa Higelin), uma jovem de 23 anos, filha de agricultores, e Carole (Cécile de France), uma ativista feminista de espírito livre que vive em Paris.

Delphine, criada no campo, guarda dentro de si o peso de uma vida herdada. Seu amor por outra mulher é segredo, trancado a sete chaves. Depois do fim de um relacionamento com uma moça da região, ela decide mudar de vida, deixando a fazenda para trás e indo viver na capital. É em Paris que ela conhece Carole , mais velha, carismática, envolvida até o pescoço com o movimento feminista. Carole vive com um namorado, participa de protestos, encontros e discussões acaloradas sobre liberdade e igualdade. Quando Delphine entra nesse universo, algo se acende. A atração entre as duas é imediata.

O que começa como amizade logo se transforma em um romance intenso e inesperado. Carole, até então heterossexual, se vê tomada por sentimentos que nunca havia experimentado. A relação se constrói em gestos simples, olhares demorados, coragem e cumplicidade. Corsini filma esse amor com sensibilidade, permitindo que ele floresça em tela de forma orgânica, real, com cenas de afeto e intimidade que nunca soam forçadas ou estereotipadas.

Mas a sociedade em que vivem é outra história. Homossexualidade, em 1971, ainda é um tabu  especialmente fora dos grandes centros urbanos. Quando o pai de Delphine sofre um derrame, ela decide retornar à fazenda para ajudar sua mãe. Carole, tomada pelo afeto, resolve acompanhá-la. É aí que o filme muda de tom. A liberdade da cidade dá lugar à rigidez do campo. Carole passa a se esconder. A paixão das duas precisa ser camuflada sob o disfarce de amizade. A mãe de Delphine, desconfiada, pressiona. Um vizinho, Antoine, é visto como o “partido ideal” para a moça.

O amor que antes parecia capaz de tudo, começa a encolher diante da realidade. Delphine se vê diante de um dilema cruel: Assumir-se, correndo o risco de perder tudo  ou renunciar a Carole para manter a estrutura da qual depende. A tensão se intensifica até que a verdade vem à tona. Monique, a mãe, reage com rejeição. Carole, sentindo-se sufocada naquele ambiente opressor, retorna a Paris. E Delphine fica.

Sim, esse é meu pequeno “spoiler”: elas não ficam juntas no final.

Mas essa ausência de final feliz não torna o filme menos bonito, ao contrário, faz dele ainda mais honesto. A obra retrata os desafios reais de viver um amor queer num mundo que insiste em limitar afetos. Cada escolha de Delphine carrega o peso da culpa, da lealdade à família, do medo de ser rejeitada. Carole, por sua vez, representa o ideal da liberdade, mas também sente o luto de um amor que não pôde sobreviver ao mundo.

O que “Summertime” nos oferece é mais do que um romance. É um retrato de época, com toda sua complexidade. O feminismo da segunda onda serve de pano de fundo à história, em plena ebulição após os protestos de maio de 1968. O contraste entre campo e cidade é simbólico. De um lado, as raízes e as tradições; do outro, o desejo de romper com tudo e viver uma nova narrativa. Entre esses dois mundos, Delphine caminha em silêncio  tentando ser fiel a si mesma sem destruir os pilares sobre os quais cresceu.

A direção de Catherine Corsini é íntima e calorosa. A paleta de cores acompanha o tom do filme: quente, dourada, carregada de sensações. A fotografia no campo é naturalista, sensível aos gestos e às estações, enquanto Paris é retratada com energia, ritmo e promessas. A trilha sonora, composta por Grégoire Hetzel, intensifica as emoções com toques melancólicos e ternura.

Izïa Higelin e Cécile de France estão em perfeita sintonia. Há verdade no modo como se olham, se tocam, se afastam. A química entre elas é palpável, e suas atuações dão profundidade às escolhas dolorosas de cada personagem. Não é à toa que o filme foi aclamado pela crítica, com passagens importantes por festivais como Locarno, e indicações ao César, incluindo a de Melhor Atriz Coadjuvante para Noémie Lvovsky.

No fundo, “Summertime” é sobre coragem. Sobre o que nos custa ser quem somos. Sobre o amor que floresce mesmo em terrenos difíceis. E sobre as perdas que, por mais duras que sejam, nunca invalidam a beleza do que foi vivido.

Sob o sol morno da França dos anos 70, duas mulheres se encontram como quem reencontra o próprio fôlego. Delphine, feita de terra e silêncio. Carole, feita de vento e voz. Entre elas, um verão. E tudo o que um verão pode conter: descoberta, desejo, luta, ternura, partida. Um verão breve  e eterno na memória.

Porque há amores que não sobrevivem. Mas também há os que não se apagam.

E mesmo quando o amor se cala, ele permanece, latente, como a memória de um trem que partiu.

"Summertime" floresce naquilo que não pôde durar. Por isso mesmo, nunca morre.

Além do romance, o filme também dialoga com o movimento feminista da segunda onda, mostrando protestos, debates e a busca por liberdade em várias frentes. A direção delicada de Corsini, a fotografia quente e naturalista, e as atuações de Higelin e Cécile de France tornam “Summertime” uma experiência cinematográfica sensível.

Duas mulheres se encontram como quem reencontra o próprio fôlego.

Delphine, filha da terra, carrega nos olhos a solidão dos campos e nas mãos a rigidez da vida herdada.

Carole, vento de Paris, sopra feminismo, liberdade e desejo por entre as páginas de livros e reuniões em salas apertadas.

O amor acontece no silêncio entre os gritos , um toque de mão, um olhar que hesita, um beijo que rompe o mundo.

Elas dançam entre as estações com corpos em combustão, enquanto o tempo, cruel e imenso, as observa com calma de testemunha.

A terra pede permanência, mas o amor pede coragem.

E é no limiar entre o impossível e o inevitável que “Summertime” floresce: um verão breve, eterno em lembrança.

Um amor que arde, mesmo depois da última luz do dia.

Cultivemos nossas ilhas !! Eu sinto !!

Adoro Cinema

Adoro Cinema
Adoro Cinema

Silvia Diaz , é Atriz, Performer, Dramaturga e Roteirista. Estudou interpretação Teatral(Unirio). Graduada em Produção Audiovisual(ESAMC). Dramaturgia ,SP escola de Teatro. Apenas uma Artista que vende sonhos em dias cinzentos.

E quando os dias não os dias não forem tão trevosos, ainda assim continuarei a vender meus sonhos!! Cores, abraços, afetos, lua em aquário. Fluindo .

Cultivando minha Ilha.. Eu Sinto…

Instagram @silviadiaz2015

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