No dia 29 de janeiro é comemorado o Dia Nacional da Visibilidade Trans, cuja data reforça as políticas públicas conquistadas ao longo dos anos no Brasil e no mundo, bem como o orgulho, a conscientização e a resistência dessa comunidade.
E, acompanhando a constituição de diferentes tipos de famílias, a medicina reprodutiva no país evoluiu e tem diminuído, significativamente, as dificuldades da população LGBTQIAPN+ de realizar o sonho da maternidade/paternidade. Atualmente, técnicas como inseminação artificial, congelamento de óvulos e de sêmen e a doação de óvulos ou esperma, têm mudado a história dessa parcela da população que deseja gerar filhos biológicos.
Para se ter ideia, somente em 2013, uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) (nº 2.013/13) permitiu de forma explícita que as clínicas e serviços de reprodução humana realizassem técnicas de reprodução assistida em casais do mesmo gênero no Brasil, e em 2021 incluiu também pessoas trans. Sabemos que esse tratamento já é realizado para população LGBTQIAPN+ há mais tempo, porém ter isso explicitado nas resoluções do CFM foi uma das muitas vitórias conquistadas pela comunidade nos últimos anos.
Nesse cenário, pessoas LGBTQIAPN+ já podem viver a tão sonhada espera de um filho, levando em consideração suas próprias escolhas, momento e, principalmente, individualidades, conforme relata Dra. Carolina Rebello, especialista em Reprodução Assistida da Vida Bem Vinda, unidade do FERTGROUP.
“A parentalidade para pessoas trans é o resultado de muita luta e resiliência dessa população, que tem como aliado o desenvolvimento científico amplo na área de fertilidade. É nosso papel disseminar os avanços da medicina reprodutiva para que essas possibilidades alcancem cada dia mais pessoas de forma ainda mais inclusiva”.
De acordo com o especialista, no Brasil, há clínicas especializadas em reprodução assistida que contam com equipe multidisciplinar, e opções para diferentes núcleos familiares. “Entre elas estão a fertilização in vitro, inseminação artificial e a barriga solidária, desde que seja entre parentes de até quarto grau”, explica a especialista. “E, no caso da barriga solidária, a pessoa que irá gestar precisa ter ao menos um filho, ser maior de 18 anos e estar disposta a gerar o bebê sem fins lucrativos, ou seja, sem receber nada em troca.”, acrescenta.
A seguir, a Dra. Carolina Rebello esclarece as principais dúvidas a respeito:
– É importante preservar a fertilidade antes de qualquer terapia de adequação de gênero ou uso de terapia hormonal?
Sim, esse seria o ideal, e a preservação por meio de gametas é o caminho mais indicado. Trata-se de uma técnica de congelamento de -196ºC que pode ser feita em óvulos, tecido ovariano, espermatozoides e embriões, cujas circunstâncias inativam seu metabolismo, mas preservam sua viabilidade.
Para as mulheres trans esse tratamento se faz mais urgente, já que o uso de estradiol pode prejudicar de forma irreversível a qualidade e quantidade dos espermatozoides. Já para homens trans, é possível interromper o uso de testosterona por alguns meses para prosseguir com o congelamento de óvulos sem grandes perdas em qualidade e quantidade. Porém, sabemos que pode ser necessário a interrupção da testosterona por meses, podendo levar ao retorno da disforia. Por isso mesmo nesses casos sugerimos fortemente o congelamento de óvulos antes do início da T.
– Quais as opções para pessoas transgênero?
Para mulheres trans, é indicado a coleta e o congelamento de sêmen. Já para homens trans a opção é congelar os óvulos, que são coletados diretamente dos ovários após estímulo hormonal.
Posteriormente, os gametas podem ser descongelados e fecundados em laboratório, junto ao gameta oposto, obtido de um parceiro ou de um banco de doação. Essas técnicas permitem aos pacientes gerarem filhos quando desejarem. Mas vale lembrar que isso deve ser feito, preferencialmente, antes do início do uso de qualquer terapia hormonal.
No futuro, a gestação pode ocorrer com a pessoa do casal que tem útero – inclusive por homens trans – ou por uma barriga solidária.
– Pessoas que fazem uso de terapia hormonal há muito tempo podem gerar filhos?
Sim, inclusive de forma natural. Vale lembrar que as terapias hormonais não são contraceptivas, e que pessoas trans que têm relação com penetração pênis – vagina devem usar métodos contraceptivos.
Contudo, mesmo assim, a qualidade do material biológico pode ser afetada. Por isso, sempre consideramos o congelamento de gametas antes do início dos tratamentos hormonais.
– Quais os tratamentos indicados?
A gestação natural é sim uma opção para casais que têm relação pênis-vagina. É necessário a interrupção da terapia hormonal por alguns meses e uma avaliação pelo ginecologista especialista em reprodução assistida para avaliar a viabilidade de uma gestação natural para esse casal.
Para casais de duas pessoas com útero ou duas pessoas com pênis, ou para casais que não desejem gestação natural, todas as técnicas de reprodução assistida podem ser aplicadas.
A fertilização in vitro (FIV) e a inseminação intrauterina podem ser utilizados para casais LGBTQIAPN+.
Na inseminação intrauterina, podemos utilizar o sêmen de uma pessoa do casal ou de um banco de doação, e a inseminação é realizada na pessoa do casal que irá gestar (homens trans ou mulher cis).
Na FIV, podemos utilizar tanto os óvulos quanto o sêmen das pessoas do casal ou de um banco de gametas. O embrião, formado no laboratório de reprodução assistida, é transferido para o útero de quem vai gestar – uma mulher cis, o homem trans ou uma barriga solidária.
Lembrando que na gestação do homem trans também é necessário interromper o uso da testosterona antes e durante toda a gestação.