CENSURA?

Autor conta que beijo gay era 'rigorosamente não recomendado' em novelas da Globo

Uálber (Diogo Vilela) e Edilberto (Luiz Carlos Tourinho), personagens gays de Suave Veneno (1998) - Divulgação/Globo
Uálber (Diogo Vilela) e Edilberto (Luiz Carlos Tourinho), personagens gays de Suave Veneno (1998) - Divulgação/Globo

Beijos entre personagens gays e lésbicas até hoje são alvo de tabu nas novelas da Globo. A emissora virou alvo de duras críticas por ter censurado beijos de Clara (Regiane Alves) e Helena (Priscila Sztejnman) em Vai na Fé (2023) e a empolgação em relação ao romance de Ramiro (Amaury Lorenzo) e Kelvin (Diego Martins) em Terra e Paixão (2023).

Os cortes vão na contramão do que a emissora fez há mais de dez anos, apesar das tramas de amor entre os personagens da comunidade LGBTQIAPN+ estarem em evidências do que eram décadas atrás, quando Amor à Vida (2013) entrou para a história da dramaturgia ao exibir o primeiro beijo homoafetivo das novelas brasileiras em pleno horário nobre, feito por Félix (Mateus Solano) e Niko (Thiago Fragoso).

No entanto, Aguinaldo Silva afirma em seu livro mais recente, Meu Passado Me Perdoa: Memórias de uma vida novelesca que, durante muitos anos, este tipo de cena era “não recomendado” no canal.

O autor contou, por exemplo, que não guarda boas lembranças de Suave Veneno (1998). Na época de sua exibição original, a trama teve problemas de audiência, que foi ameaçada pelo que ele chama de “um fenômeno de comunicação chamado Ratinho”.

Em busca de levantar a audiência, surgiu um burburinho na mídia de que, ele seria o responsável pelo primeiro beijo gay em sua telenovela. O novelista afirma que nunca havia falado sobre isso na vida real e abriu o jogo sobre o posicionamento da Globo na época.

“Hoje em dia gays se beijam quase todos os dias nas novelas sem que a terra trema na casa dos telespectadores por causa disso (algumas camas, talvez). Mas durante muito tempo esse tipo de cena foi rigorosamente ‘não recomendado’, bem como demonstrações mais efusivas de carinho entre duas pessoas do mesmo sexo”, declarou.

Vale frisar, que o público já viu beijos gays e lésbicos em novelas das onze, nove, sete, seis e até em Malhação (1995-2020). Entrentato, o novelista ainda revelou que, em Império (2014), não pôde levar ao ar uma cena em que Cláudio (José Mayer) e Leonardo (Klebber Toledo), que eram um casal, acordavam juntos na mesma cama.

“Ela [a cama] foi substituída por um sofá no qual, por mais que se grudassem um ao outro, quase não cabiam aqueles dois monumentos”, disparou.

No entanto, por incrível que pareça, dez anos atrás, houve mais aceitação ao romance lésbico de Senhora do Destino (2004), protagonizado por Eleonora (Mylla Christie) e Jennifer (Bárbara Borges).

Por fim, sobre o beijo gay em Suave Veneno, Aguinaldo disse que nem passou pela sua cabeça escrever a cena, que seria interpretada pelos personagens Uálber (Diogo Vilela) e Edilberto (Luiz Carlos Tourinho).

“Sou pragmático e sei que, se então a escrevesse [a cena], ela seria sumariamente cortada do roteiro e eu não ganharia nada com esse gesto infantil de rebeldia além de um mal-estar que, pelo menos por parte da emissora, nunca seria esquecido”, comentou.

Vale destacar, que um beijo entre Plínio (Nikolas Antunes) e Leopoldo (Michel Blois) em Além da Ilusão (2022) foi impedido pela Globo, assim como o beijo de Júnior (Bruno Gagliasso) e Zeca (Erom Cordeiro) gravado para o último capítulo de América (2005) foi vetado poucas horas antes de ir ao ar. Em Mulheres Apaixonadas (2003), o telespectador até simpatizou com Rafaela (Alinne Moraes) e Clara (Paula Picarelli), mas não aconteceu o beijo, apenas um rápido selinho entre as personagens durante a encenação de uma peça de William Shakespeare (1564-1616).

Nos anos 1990, o romance homoafetivo chocou tanto o público que Silvio de Abreu se viu obrigado a matar o casal Leila (Silvia Pfeifer) e Rafaela (Christiane Torloni) em uma explosão em Torre de Babel (1998).