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"Morreu em paz, segurando a minha mão", revela viúvo de Antonio Cicero após eutanásia

Juntos desde 1984, Marcelo Pies era o único que sabia sobre a decisão do marido de realizar o suicídio assistido na Suíça

Antonio Cícero - Divulgação/Eucanaã Ferraz
Antonio Cícero - Divulgação/Eucanaã Ferraz

Marcelo Pies, marido do poeta Antonio Cicero, que morreu nesta quarta-feira (23/10), explicou a decisão do escritor de optar pela eutanásia e contou como foram os últimos momentos dele.

A morte ocorreu pouco mais de um ano após o diagnóstico de Alzheimer. Segundo Pies, o medo de que a doença piorasse e perdesse de repente a consciência foi o motivo da decisão de Cicero. Apenas o companheiro sabia da escolha do amado de realizar o suicídio assistido na Suíça, onde o procedimento é legalizado.

“Ninguém foi consultado. Antonio não queria. Ele só avisou ontem [terça-feira, 22] a irmã, Marina, que ficou arrasada, mas entendeu e aceitou sua posição”, disse ele ao jornal O Globo. Ainda segundo fontes da publicação, a cantora Marina Lima estaria inconsolável e sem condições de falar sobre o assunto.

O figurinista retorna ao Brasil nesta quinta-feira (24/10), já com as cinzas de Antonio Cicero. Ele explicou que o processo foi bastante burocrático e exigiu vários exames e atestados para que o método fosse aceito.

“Ele sempre, sempre defendeu a liberdade de se cometer eutanásia e suicídio assistido. Nisso, ele foi de uma coerência admirável. Por isso, não reagi com tanta surpresa [à decisão]. Com toda a certeza, foi uma morte digna. Ele morreu em paz, segurando a minha mão, muito tranquilo e sem nenhuma ansiedade. Depois do medicamento, ele dormiu e, em meia hora ou um pouco mais, morreu”, relembrou.

Na sequência, ele explicou que como a doença não tem cura, respeitou a decisão dele e o apoiou. “Admiro imensamente a coragem e a determinação. Ele sempre apoiou todas as formas de liberdade, e essa foi mais uma”, destacou.

“Quanto ao preconceito em relação à eutanásia e/ou suicídio assistido, vejo isso ser cada vez mais aceito por diferentes tipos de pessoas. Ele vem diminuindo, me parece. Mas tem que ficar claro que esses recursos só são possíveis nos casos de doenças graves, com sofrimento atestado e sem cura. Tudo só foi feito depois de as autoridades suíças aceitarem o caso mediante os comprovantes. Se mesmo assim as pessoas tiverem preconceito, aí só pode ser por dogmas religiosos. Sobre isso, Cicero fala na declaração que deixou”, afirmou.

Cicero deixou uma carta para amigos e familiares, onde diz que a situação pela qual estava passando era “insuportável”. O imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL) descreve que já não reconhecia algumas pessoas que encontrava na rua, não conseguia mais escrever os poemas e ensaios de filosofia, nem conseguia se concentrar mais para ler, que era algo que mais gostava no mundo.

Antes de falecer, ele e Marcelo Pies passaram alguns dias em Paris, na França. Lá, visitaram museus e restaurantes, sem qualquer lamento.

Confira, abaixo, a carta na íntegra deixada por Antonio Cícero:

“Queridos amigos, encontro-me na Suíça, prestes a praticar eutanásia. O que ocorre é que minha vida se tornou insuportável. Estou sofrendo de Alzheimer. Assim, não me lembro sequer de algumas coisas que ocorreram não apenas no passado remoto, mas mesmo de coisas que ocorreram ontem.

Exceto os amigos mais íntimos, como vocês, não mais reconheço muitas pessoas que encontro na rua e com as quais já convivi. Não consigo mais escrever bons poemas nem bons ensaios de filosofia. Não consigo me concentrar nem mesmo para ler, que era a coisa de que eu mais gostava no mundo. Apesar de tudo isso, ainda estou lúcido bastante para reconhecer minha terrível situação.

A convivência com vocês, meus amigos, era uma das coisas – senão a coisa – mais importante da minha vida. Hoje, do jeito em que me encontro, fico até com vergonha de reencontrá-los. Pois bem, como sou ateu desde a adolescência, tenho consciência de que quem decide se minha vida vale a pena ou não sou eu mesmo. Espero ter vivido com dignidade e espero morrer com dignidade. Eu os amo muito e lhes envio muitos beijos e abraços!”.

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