Casal que adotou bebê abandonado pela mãe relata preconceito de companhia aérea: ‘Cadê a mãe?’

Louis Planès, o pequeno Vinicius e Benjamin Cano Planès
Louis Planès, o pequeno Vinicius e Benjamin Cano Planès (Foto: Reprodução/Instagram)

Por: Leandro Lel Lima

2017: Pesando 900 gramas, bebê nasceu na rua, foi reanimado pelo Samu e encontrou em casal homoafetivo da França um novo lar.
Morando no Brasil há dez anos, os franceses Benjamin Cano Planès e Louis Planès realizaram por aqui o tão sonhado desejo de serem pais. A história deles é digna de um filme dramático, mas com um final feliz. Depois de passarem por todo o processo de entrevistas com especialistas, uma longa espera de mais de dois anos, o telefone tocou: em Ilhéus, Bahia, um bebê com cinco meses e prematuro estava para entrar na fila de adoção sem pretendentes.

Vinicius nasceu na rua, pesando apenas 900 gramas e precisou ser reanimado por uma equipe do Samu. O garoto conviveu com sua genitora por apenas três horas. Ela o abandonou. No hospital ficou por quase oito meses na UTI. A alta veio um dia após a ligação de uma juíza do Rio de Janeiro ao casal francês. Era maio de 2017, tradicionalmente conhecido como o mês das mães.

Ao Observatório G, Benjamim contou detalhes sobre todo o processo de adoção, a longa espera, a realização do sonho de serem pais, a forma como lidam com a história do menino, o preconceito que enfrentam no dia a dia, as angústias e as alegrias que a paternidade provocam e relatam ainda que na França, um país desenvolvido, ainda há muito o que se avançar nos direitos da comunidade LGBTQ+.

“Durante uma viagem com meus pais na Bahia e na volta para o Rio, a companhia aérea Azul não nos deixou embarcar. Quando me apresentei para o chek-in com a certidão de nascimento e o Vinicius no colo, o atendente me perguntou: ‘Cadê a mãe?’. E eu respondi que ele não tem mãe e sim dois pais”. O casal venceu o processo, mas a empresa entrou com recurso. “Isso me magoou muito, mas sei que terei que lutar muito pelos direitos do meu filho por ele ser negro, adotado e ter pais homoafetivos”, afirma o empresário. 

O processo de adoção é complicado? Qual é a parte mais complicada? Pensaram em desistir? 

O processo de adoção não é complicado, a questão é a papelada para ser habilitado para adotar. O processo para obter a habilitação demora mais ou menos um ano. É preciso elaborar um dossiê com muitos documentos e passar pela entrevista com psicólogo e assistente social. Além disso, também é preciso realizar cursos com outras famílias que pretendem adotar e é uma etapa muito boa para compartilhar experiências e dividir a angústia de esperar para enfim ter seu filho. As entrevistas ocorrem tanto em casal como sozinhos para verificação da veracidade das informações apresentadas pelo casal. 

E depois, você entra no CNA – Cadastro Nacional de Adoção, que é a parte mais complicada: a espera. Você fica esperando que o telefone toque e do outro lado da linha seja um juiz ou assistente social com uma novidade.
Nunca pensamos em desistir. Mas no nosso caso, devido a demora, foi preciso renovar a habilitação, pois ela tem um prazo de dois anos. E assim que renovamos, recebemos a notificação para irmos buscar o Vinicius. Nós pedimos um perfil de criança que pensávamos ser mais fácil – do Brasil inteiro, negra ou parda, com até dois ou três anos de idade, já que 70% das crianças solicitadas por casais na fila da adoção são bebês brancos.


A história do Vinicius é comovente. Se recorda do primeiro encontro? A ligação, a ida até a Bahia, a volta pra casa, ainda sem ele, o retorno a Bahia, a vinda dele pra casa de vocês...?

Me lembro perfeitamente! Conhecemos uma juíza em um grupo de Whatsapp formado por casais homoafetivos, que também estavam em processo de adoção ou com crianças já adotadas. Então, eu mantinha contato com ela para saber a disponibilidade de alguma criança. Numa terça-feira à noite, recebemos uma ligação dela dizendo que uma amiga, também juíza, da Bahia estava com um caso de um bebê prematuro sem pretendentes e se ninguém o quisesse, ele iria para um abrigo, pois no dia seguinte receberia alta da UTI. Antes de consultar o Louis, respondi que tinha interesse e corri para o quarto para avisá-lo. Nós dois não acreditávamos! Isso foi em 9 de maio de 2017.

A juíza de Ilhéus nos ligou e disse que precisávamos estar no dia seguinte na Bahia. Compramos a passagem, mas o voo do Rio saiu atrasado e só conseguimos chegar lá por volta de meia noite. Eu chorei a viagem toda porque pensei que perderia o neném. Ao chegarmos, a juíza nos tranquilizou e na manhã seguinte fomos ao primeiro horário na Vara da Infância e da Juventude buscar a carta dada por ela, para então buscarmos o Vinicius na maternidade.


A alta do menino foi em 11 de maio, conhecido como o mês das mães. Significa algo pra vocês? Como foi o encontro? 

Dia 11 de maio é o dia do aniversário da minha melhor amiga e como presente ela se tornou madrinha do Vinicius, então significa muito. No encontro, fomos acompanhados da enfermeira geral, ela nos mostrou um menino tão pequenino de aparência triste e o colocou no colo do Louis e ali sabemos que era nosso filho.

Logo depois o Louis deu a primeira mamadeira para o Vinicius e eu liguei para minha irmã chorando; foi realmente o dia mais feliz da minha vida! Foi muito emocionante. Dei um banho nele com ajuda da enfermeira e saímos juntos do hospital direto para uma loja de roupas infantis, comprar tudo o que Vinicius precisava. Tudo muito intenso e muito rápido. O Vinicius não poderia voltar ao Rio imediatamente, pois ele ainda estava muito magro e a pediatra não deu autorização para pegar o avião, pois precisava chegar aos dois quilos e meio. Portanto ficamos mais um tempo na Bahia.

Vocês têm mais familiares no Brasil? Já foram à França para apresentar seus familiares ao garoto? 

Não temos familiares no Brasil. E o Vinicius já conheceu a França. Tanto os meus familiares quanto os familiares do Louis, meu filho tem a sorte de ainda ter bisavós e ele adora andar de avião.

Ele já demonstra gostar da culinária e dos costumes franceses? 

Eu acredito que ele gosta tanto da comida brasileira, quanto da comida francesa. A sorte dele é ter uma dupla educação, pois na escola ele tem uma educação bem brasileira e em casa uma educação francesa e vejo como uma grande chance pra ele ter essa dupla educação. E é engraçado porque vejo ele se comportar de forma diferente. Por exemplo: na escola ele come mais arroz e feijão, enquanto em casa come mais legumes e pratos diferentes.


Pretendem contar a história para ele quando estiver maior? Em algum momento pensam em procurar a mãe dele?

Nós já estamos contando a história para ele, de forma simplificada, mas estamos. E pretendemos continuar falando sobre sem esconder nada. Ele precisa saber sua história. Eu respeito a decisão da mãe de tê-lo abandonado, mas não pretendo procurá-la, agora se o Vinicius um dia quiser ir atrás da mãe, irei ajudá-lo.

Como é a rotina de vocês? 

Temos uma rotina normal de uma família com uma criança. O levamos para a escola de manhã cedo, saímos para trabalhar e depois o buscamos, fazemos um passeio, ele brinca, janta e dorme. Aos finais de semana vamos à praia e restaurantes. Tentamos aproveitar ao máximo, pois o tempo passa rápido. O mais precioso é aproveitar o agora, cada segundo.

Como foram os primeiros dias?

Os primeiros dias foram muito emocionantes e também cansativos por ser um bebê recém-nascido e que precisava de muita atenção. O Louis já tem dois filhos grandes, mas eu nunca tive, então fui aprender a trocar fralda, dar banho, fazer mamadeira. E tivemos sorte, pois ele sempre foi muito tranquilo, nunca foi de chorar muito e nosso maior presente foi após o terceiro dia juntos, quando a expressão de tristeza do rostinho dele passou e apresentou um semblante mais feliz.

Contam com a ajuda de mais alguém? 

Desde o primeiro dia fomos apenas eu e o Louis. Nos perguntavam se queríamos uma babá, mas não é da nossa cultura e por sermos um casal de homens, estávamos com medo de que o Vinicius assimilasse uma babá como uma mãe. Eu quis cuidar do meu filho em todos os momentos e tudo isso foi muito importante desde o início.

O que diriam para quem está na fila de adoção?

É a coisa mais linda do mundo! Não desista e tenha paciência! Porque o presente de receber um filho é a coisa mais fantástica do mundo. Essas crianças merecem um lar.

Como analisam as políticas públicas adotadas pelo atual governo em relação à comunidade LGBTQ+ e também à adoção? 

Não tenho um posicionamento sobre as políticas públicas do atual governo, mas sobre a adoção, sei que não houve mudanças em relação ao que eu passei.

Como é todo esse processo na França, no caso adoção por casais homoafetivos?

Eu e o Louis nos casamos na França e lá é praticamente impossível adotar uma criança. Segundo as estatísticas, mesmo depois de cinco anos da aprovação da lei de adoção para casais homoafetivos, apenas dez crianças foram adotadas. E não são bebês, em sua maior parte são adolescentes ou crianças com doenças que casais héteros não querem. Eu considero isso um absurdo! As pessoas na França ainda estão com a mente muito fechada e com muitos preconceitos para casais gays adotarem.

Pretendem adotar mais uma criança ou adolescente?

Sim! Já estamos na fila desde que o Vinicius chegou em casa. Estamos esperando aquela ligação sem pressa.

Já sofreram algum preconceito antes ou depois da adoção?

Sofremos uma vez com o Vinicius durante uma viagem com meus pais na Bahia e na volta para o Rio, a companhia aérea Azul não nos deixou embarcar. Quando me apresentei para o chek-in com a certidão de nascimento e o Vinicius no colo, o atendente me perguntou: ‘Cadê a mãe?’. E eu respondi que ele não tem mãe e sim dois pais.

O atendente falou que isso não era possível e começou toda a confusão. Entramos com um processo contra a companhia aérea e vencemos, porém eles entraram com um recurso. Isso me magoou muito, mas sei que terei que lutar muito pelos direitos do meu filho por ele ser negro, adotado e ter pais homoafetivos. E estarei sempre junto para ele superar qualquer tipo de problema.

O Observatório G entrou em contato com a Azul Linhas Aéreas para obter uma posição sobre o caso, mas ainda não tivemos um retorno.

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