Ato público denuncia retrocessos e afirma: saúde trans importa!
A Justiça Federal do Acre, por meio de liminar nesta quinta-feira (25/07/2025), suspendeu os efeitos da Resolução nº 2.427/25 do Conselho Federal de Medicina (CFM), norma que restringia severamente o acesso a terapias hormonais para pessoas trans, especialmente crianças e adolescentes.
O Ministério Público Federal (MPF) entrou com a Ação Civil Pública em julho, após constatar que o CFM havia publicado uma norma sem diálogo com a sociedade civil e sem embasamento técnico robusto. O Ministério Público afirmou que a medida compromete gravemente o acesso à saúde de uma população já vulnerável. Por isso, pediu a suspensão imediata dos seus efeitos.
Na ação, o MPF declarou que a resolução impunha obstáculos ao acesso à saúde de pessoas trans. A norma revogava as diretrizes anteriores e proibia o uso de bloqueios hormonais e de hormonioterapia cruzada. Além disso, criou-se a exigência de um “cadastro” de pacientes. O Ministério Público destacou que essa exigência viola o direito à privacidade e reforça práticas discriminatórias.
O juiz acatou os argumentos. Ele afirmou que o CFM não apresentou justificativas suficientes, nem se baseou em evidências científicas consolidadas. Em vez de construir uma norma com múltiplas vozes técnicas e sociais, como fez na resolução anterior (Res. 2.265/19), o CFM atuou de forma isolada. Isso comprometeu a validade formal da norma e também sua legitimidade.
Na decisão, o juiz explicou que as normas que restringem direitos, especialmente na área da saúde, precisam ser baseada em evidências. No entanto, o CFM não fez isso. Apesar de citar o Cass Review 2024, um estudo britânico sobre bloqueios hormonais, o próprio relatório recomenda a manutenção desses tratamentos sob protocolos de pesquisa. Ou seja, o documento citado não respalda a desclassificação.
Portanto, o juiz entendeu que a decisão do CFM contrariava até os mesmos estudos que ele usou como justificativa. Assim, a Resolução 2.427/25 deixou de apresentar fundamento técnico válido, tornando-se incompatível com o ordenamento jurídico.
De forma clara, o juiz reforçou que a saúde das pessoas trans deve ser protegida com prioridade, e que o Estado não pode limitar esse direito. Ainda segundo a decisão, a resolução desrespeita a autonomia da vontade, a liberdade individual, a dignidade da pessoa humana e o direito constitucional à saúde.
Além disso, a decisão expôs o potencial dano do artigo da norma que projeta o cadastro compulsório de pacientes. O juiz considerou essa medida um retrocesso incompatível com a Constituição e lembrou as considerações históricas de práticas semelhantes. Portanto, a medida não tem apenas falhas técnicas, ela também agride simbolicamente a dignidade de quem já sofre com exclusões cotidianas.
O magistrado determinou que futuras alterações na regulação do atendimento a pessoas trans deverão ser precedidas por debates públicos e pela participação de múltiplos saberes. Isso inclui não apenas conselhos profissionais da área da saúde, mas também representantes da sociedade civil e especialistas das ciências humanas. Dessa forma, garanta-se uma construção democrática e inclusiva de políticas públicas.
O juiz também determinou que a continuidade dos tratamentos já existentes é essencial. Impedir o acesso a terapias, especialmente para crianças e adolescentes, podem gerar consequências trágicas. Portanto, manter o atendimento é uma medida de proteção urgente e proporcional.
A decisão da Justiça Federal representa uma vitória institucional, simbólica e de direitos. Ela não apenas protege pessoas trans de um retrocesso concreto, mas também envia um recado claro: os direitos humanos não estão à mercê de decisões unilaterais ou de disputas ideológicas disfarçadas de norma técnica.
Com isso, a Justiça brasileira confirma o direito à saúde como instrumento de cidadania e dignidade. E, mais importante: afirma que o cuidado com os corpos trans deve ser pautado pela ciência, pela escuta e pelo respeito, nunca pela exclusão e imposição. Direitos garantidos são conquistas que exigem vigilância permanente, essa decisão reafirma isso com clareza.