Estátua da Justiça e fachada do STF recebem iluminação especial nas cores da bandeira LGBTQIAPN+ durante o mês do Orgulho.
A recente Lei nº 12.479/2025 do Estado do Espírito Santo, que autoriza pais e responsáveis a proibirem seus filhos de participarem de aulas sobre identidade de gênero, diversidade sexual e temas afins, acendeu o alerta em entidades de direitos humanos. Organizações da sociedade civil que atuam na defesa dos direitos da população LGBTI+ ingressaram com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal contra o que se classificam como uma "tentativa institucionalizada de censura nas escolas".
Essa legislação estadual, além de flagrantemente inconstitucional, representa um retrocesso nos direitos fundamentais à educação, à liberdade de expressão e à dignidade humana.
Aprovada pela Assembleia Legislativa do Espírito Santo e sancionada pelo governo estadual, a Lei nº 12.479 assegura aos pais o suposto direito de impedir seus filhos de participarem de “atividades pedagógicas de gênero”. Para tanto, exige que as escolas informem previamente sobre qualquer abordagem relacionada a diversidade sexual, igualdade de gênero ou identidade de gênero. Além disso, responsabiliza civil e penalmente as instituições que descumprirem essa obrigação.
Dessa forma, a lei impõe um mecanismo de controle ideológico sobre o ambiente escolar, sob o disfarce de “liberdade educacional”.
A Constituição Federal, em seu artigo 22, inciso XXIV, é clara ao afirmar que a União pode legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional. Portanto, quando um estado, como o Espírito Santo, interfere nesse campo, ultrapassa seus limites constitucionais.
A liberdade de ensinar e aprender, assegurada pelo artigo 206 da Constituição, é violada por uma norma que impõe limites ideológicos ao conteúdo ministrado em sala de aula. Esse tipo de silenciamento pedagógico impõe restrições não só aos educadores, mas também ao direito dos estudantes de acessarem uma educação plural e inclusiva.
Isso afeta não apenas os docentes, mas também os estudantes, que passam a ter limitado o seu direito à aprendizagem crítica e à formação cidadã.
A lei esbarra diretamente no princípio da dignidade da pessoa humana. Ao permitir que estudantes LGBTI+ sejam excluídos de debates sobre suas próprias existências, o Estado promove a marginalização e o apagamento dessas identidades no ambiente escolar, o que deveria ser, por excelência, um espaço de acolhimento e formação cidadã.
O Supremo Tribunal Federal já julgou inconstitucionais diversas leis semelhantes. Na ADI 7019, por exemplo, o ministro Edson Fachin suspendeu a proibição da linguagem neutra em Rondônia, reconhecendo o efeito silenciador ("chilling effect") causado por normas que cerceiam a liberdade de cátedra.
Em outros precedentes, como as ADPFs 457, 460 e 461, o STF reiterou que restringir o conteúdo de ensino por razões ideológicas ou morais fere a Constituição e a própria essência de uma educação democrática.
O efeito concreto da lei é excluir e silenciar estudantes LGBTI+, especialmente os mais jovens. São eles os mais vulneráveis ao preconceito, ao bullying e à marginalização. Negar o direito desses estudantes ao conhecimento sobre diversidade é negar sua existência enquanto sujeitos de direitos.
Como bem pontua o voto do ministro Barroso na ADO 26, “ninguém tem o direito de negar a existência do outro”. A censura nas escolas não protege, mas sim oprime, distorce e mata.
A ADI apresentada pelas entidades requer a suspensão imediata da eficácia da lei capixaba e a declaração de sua inconstitucionalidade total. Além de demonstrar a afronta aos dispositivos constitucionais, o pedido também sustenta a inconvencionalidade da norma, por ferir tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil, como o Pacto de San José da Costa Rica.
A Lei nº 12.479/2025 do Espírito Santo representa um grave atentado à educação inclusiva, plural e democrática. Sob o disfarce de proteger a “educação moral da família”, promove-se a censura nas escolas e se institucionaliza o preconceito.
É preciso defender uma educação que forme cidadãos para o respeito, para a convivência e para o reconhecimento da diversidade. Afinal, sem liberdade de ensinar e aprender, não há democracia possível.
Fabio Rabello - Advogado
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