Segurança

Fadiga no transporte rodoviário: o inimigo silencioso que seguimos ignorando

Por Moisés Rosa, especialista em automação e segurança no transporte

Moisés Rosa
Moisés Rosa | Divulgação

Por mais que discutamos segurança nas estradas, ainda estamos deixando passar um dos fatores mais letais e, paradoxalmente, mais evitáveis: a fadiga do motorista. E não me refiro aqui ao cansaço pontual de uma viagem longa — falo da exaustão sistêmica, resultado direto de jornadas mal administradas, pressão por produtividade e ausência de mecanismos de controle.

Dados recentes mostram que mais de 60% dos acidentes têm ligação com o sono ou cansaço extremo. Isso deveria ser o suficiente para colocarmos o tema no centro das discussões sobre logística e transporte. Mas, infelizmente, a fadiga segue tratada como algo invisível — ou pior, como parte natural da profissão.

O modelo de remuneração por comissão, ainda predominante no setor, empurra o motorista a ultrapassar limites físicos em nome de metas de entrega. Não há organismo que resista a 14 ou 16 horas de direção por dia sem consequências. E quando essas consequências surgem, quase sempre vêm em forma de acidentes — alguns fatais.

Essa realidade me motivou, anos atrás, a desenvolver uma tecnologia de monitoramento de fadiga, integrada ao controle de jornada dos motoristas da empresa onde atuo, a Budel Transportes. A ideia era simples: se o corpo humano dá sinais de exaustão, por que não criar uma ferramenta que reconheça esses sinais antes que o pior aconteça?

Moisés Rosa
Moisés Rosa

Instalamos câmeras com inteligência artificial nas cabines, programadas para identificar comportamentos como bocejos, piscadas excessivas e movimentações anormais da cabeça. Quando o nível de risco ultrapassa o tolerável, o sistema bloqueia o caminhão e exige um período mínimo de descanso antes de liberar a condução novamente.

Resultado? Uma redução de 95% nos acidentes causados por cansaço. Não é teoria: é dado real, testado em campo, com impacto direto na vida de centenas de motoristas.

Mas a tecnologia, sozinha, não resolve. Ela precisa ser acompanhada de uma mudança cultural. Precisamos parar de romantizar o esforço extremo e normalizar o descanso. Nenhum prazo de entrega justifica colocar vidas em risco — nem a do motorista, nem a dos outros usuários da rodovia.

Fadiga não é falta de força de vontade. É um limite fisiológico. E enquanto tratarmos o repouso como perda de tempo, continuaremos empurrando profissionais ao colapso.

É hora de assumir que combater a fadiga ao volante não é um luxo. É uma responsabilidade compartilhada entre empresas, gestores, autoridades e toda a cadeia do transporte.

Se queremos de fato reduzir os acidentes nas estradas, precisamos começar por onde ninguém quer olhar: pelo direito de parar.

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