A pauta LGBT+ é essencialmente política, já que vindicou uma luta árdua para que direitos fundamentais fossem conquistados. Isso aconteceu de forma paulatina e, infelizmente, ainda há situações reiteradas que obstaculizam direitos básicos. Ser um titular de direito é gozar de todas as liberdades – casar, filhos, trabalho, relação afetiva, moradia e existir com dignidade – sem tê-las cerceadas em função da orientação sexual/ identidade de gênero.
Professor de Direito, delegado da Polícia Civil e político brasileiro, Fabiano Contarato é casado com Rodrigo Grobério e pai de duas crianças, Mariana e Gabriel. Em entrevista ao Observatório G, o senador respondeu questões que atingem especialmente a comunidade LGBT+.
1) Quando o tema é direitos LGBTs, é certo que nós avançamos nas questões legais. Porém, a efetividade da lei na prática ainda passa por percalços. Ainda há discriminação no mercado, saúde, pessoas ainda sofrem preconceito estritamente por conta da orientação sexual/ gênero. O que você acha que pode ser feito para não termos Letra-morta, digamos assim?
Todos os avanços em termos de conquistas de direitos para a comunidade LGBTQIA+ foram resultado de decisões judiciais. Nesse sentido, a aprovação de qualquer norma protetiva aos direitos desse grupo pelo Congresso Nacional já constituiria um marco histórico, posto que não temos projetos aprovados por representantes eleitos pelo povo para representá-lo. Entre as conquistas recentes alcançadas pela via judicial, o direito de adoção é, sem dúvida, um dos mais importantes. Assegura um direito básico às famílias homoafetivas e possibilita que estas se constituam em pé de igualdade com as demais. O fato, no entanto, de este ainda não ser um direito inscrito na legislação brasileira gera insegurança quanto a uma possível reversão, no caso de uma mudança da composição do Supremo Tribunal Federal (STF), e aumenta as chances de que indivíduos e instituições se recusem a reconhecê-lo. Muitas pessoas não conhecem seus direitos ou não têm recursos para impugnar decisão ou manifestação homofóbicas. Nestes casos, decisões administrativas ou judiciais acabam prevalecendo, mesmo sendo contrárias ao entendimento do STF. Essa é uma das razões pelas quais o Congresso precisa avançar e assumir o papel que há muito negligencia para consagrar proteções e direitos LGBTQIA+ no ordenamento brasileiro. Estamos empenhados nessa luta.
Fui um dos autores do pedido de projeção, no Congresso Nacional, da bandeira do movimento LGBTQIA+ e da iluminação com as cores da nossa bandeira, no dia 28 de junho, marcando as lutas do Dia Internacional do Orgulho LGBTI. Sou autor de sete projetos de lei em favor da população LGBTQIA+, sempre em contato e parceria com as organizações de base. As propostas visam a combater a homofobia e a transfobia, que são crimes no Brasil, e dar garantias de cidadania e respeito para pessoas que, historicamente, são vítimas de preconceito e violência.Uma das iniciativas reforça a vedação à discriminação com base na orientação sexual de doadores de sangue que sejam homens que mantém relações sexuais com outros homens. Inclui, ainda, punições específicas para quem impedir que homens gays e bissexuais doem sangue. Trata-se de eliminar restrição injustificada que não se baseia em critérios técnicos. Um dos nossos projetos de lei inclui perguntas sobre orientação sexual e identidade de gênero nos questionários aplicados à população no censo demográfico. A medida permitirá ao poder público ter dados estatísticos qualificados para reverter a escassez de políticas públicas destinadas à população LGBTQIA+. Outro projeto meu altera o Código Penal Militar para remover termos e expressões discriminatórios, como “pederastia”.
Além disso, pretende-se incluir entre as circunstâncias que agravam as penas previstas no Código a motivação de discriminação ou preconceito por orientação sexual ou identidade de gênero no âmbito das próprias Forças Armadas. Propomos uma mudança que segue a própria criminalização da homofobia e da transfobia, decidida pelo Supremo Tribunal Federal. Uma quarta proposta muda o Estatuto de Defesa do Torcedor para vedar e punir condutas homofóbicas e transfóbicas em eventos esportivos, como mensagens ofensivas e cânticos discriminatórios. Por medo do preconceito, torcedores e torcedoras gays, lésbicas, bissexuais, transexuais e travestis deixam de frequentar estádios e escondem sua orientação sexual e identidade de gênero. A homofobia e a transfobia seguem como um grave problema no mundo dos esportes, especialmente no futebol, e faltam iniciativas públicas para enfrentá-lo. Também apresentei projeto que garante, de forma gratuita, a pessoas transgêneros o direito à retificação de seu prenome e gênero nos assentos de nascimento e casamento, a ser realizada no Registro Civil, a partir unicamente da declaração de vontade da parte requerente. Outra das minhas proposições muda a Lei de Execução Penal para garantir direitos a pessoas transexuais e travestis no cumprimento de pena em estabelecimentos prisionais. A elas serão garantidos atendimentos médico, farmacêutico e psicossocial correspondentes às suas necessidades, em observância aos parâmetros da Política Nacional de Saúde Integral LGBT, incluindo direito ao tratamento hormonal e acompanhamento de saúde específico. Por fim, apresentei também um projeto de lei complementar que destina recursos do Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN) para o desenvolvimento de ações destinadas a combater o preconceito e a discriminação motivados por orientação sexual e identidade de gênero.
2 -) A polícia é muito importante e deve ser valorizada, mas há problemas que compõem a própria estrutura. Nós temos casos reportados de soldados, inclusive héteros, que sofreram homofobia ou represálias discriminatórias. Às vezes até a abordagem de agentes da polícia com a comunidade LGBT pode ser violenta. Como você acha que podemos resolver ou minimizar estes problemas dentro da corporação?
As polícias e as Forças Armadas ainda são, em muitos casos, redutos de intolerância contra a diversidade sexual. Rejeitam e não compreendem indivíduos com orientações sexuais e identidades de gênero diferentes do “padrão”. Por isso, vemos, com muita tristeza e preocupação, os inúmeros casos de homofobia e transfobia contra os próprios membros das corporações e contra o público em geral. A sua missão de defender a Constituição Federal, no entanto, não comporta qualquer tipo de exceção, especialmente com relação ao art. 3º, IV, que determina como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil o combate a todas as formas de discriminação. Quanto à abordagem da comunidade LGBTQIA+, é fundamental que o poder público invista no treinamento e na conscientização destes agentes de segurança pública tanto no que se refere à importância do combate à homofobia e à transfobia, quanto no tratamento das vítimas destes crimes quando elas buscam as autoridades. Muitas pessoas têm medo de recorrer às autoridades para denunciar crimes e violências sofridos, o que acaba por perpetuar um ciclo de impunidade que alimenta os altos níveis de violência contra a comunidade LGBTQIA+ no Brasil. Sobre este tema, no ano passado, no Senado, aprovamos um projeto (PL 5231/2020), do qual tive a honra de ser relator, determinando, justamente, a inclusão de conteúdos referentes a Direitos Humanos e ao combate à discriminação nos cursos de capacitação e aperfeiçoamento de agentes públicos e privados de segurança.