No Qatar, a homossexualidade é considerada crime e, de acordo com a “sharia“, a lei em vigor no país, que não separa Estado de religião, os preceitos são estabelecidos a partir da fé.
Recentemente, o jornalista pernambucano que está no Catar para cobrir a Copa do Mundo passou por percalços ao exibir a bandeira do estado de Pernambuco após o símbolo ser atrelado ao arco-íris LGBT.
O médico Nasser Mohamed, de 35 anos, afirma ser o primeiro homem catari a ter se assumido gay em público. De fato, não há outros registros documentados. Ele conseguiu trazer a sua sexualidade à tona quando já estava em segurança nos EUA.
Mohamed concedeu uma entrevista de 30 minutos ao ge e teceu críticas incisivas ao Catar, a FIFA e ao Futebol de forma geral.
Desde que era mais jovem sabia que eu não me encaixava no país. Não era seguro. A comunidade LGBT do Catar ou ainda residente no Catar é perseguida mais severamente do que os visitantes. Até eu sair do Catar, mantive essa parte de mim escondida de todo mundo, incluindo da minha família, da qual sinto falta.
Depois que terminei a faculdade de medicina em 2011, deixei o Catar e me mudei para os EUA para estudar. Pedi asilo político nos Estados Unidos porque estava preocupado em ser prejudicado se voltasse para o meu país. Falei para a minha família naquela época e eles cortaram contato comigo. Hoje moro em San Francisco. A perseguição à comunidade LGBT no Catar é mais do que apenas não te aceitarem. Eles acabam contigo.
Vejo que o Catar está tentando projetar uma imagem que não existe ao sediar esta Copa do Mundo, de uma sociedade tolerante, mas nós sabemos que isso não é verdade. Por isso que eu decidi falar publicamente este ano. Primeiro, é uma ditadura autoritária. Não podemos expressar publicamente opiniões diferentes. É perigoso se organizar de qualquer maneira.
Como se dá a perseguição a pessoas LGBT+?
— Agentes do governo se infiltram tentando nos encontrar, entram em aplicativos de namoro, espionam empresas de telefone, investigam dados pessoais e perseguem os cataris que suspeitam ser LGBT. Existe um departamento ligado ao Ministério do Interior que faz isso.
As pessoas são presas?
— Não são presas porque não é uma prisão. Eles sequestram, simplesmente os pegam e desaparecem com eles. E os espancam. Eu vi as feridas, algumas dessas pessoas tinham e mostraram fotos. Eles têm cicatrizes profundas. Depois da violência, passam a submetê-los à “terapia da conversão” enquanto estão detidos.
Qual é o papel da religião em toda essa história?
— Diferentes pessoas LGBT do Catar têm diferentes afiliações religiosas, certo? Alguns são religiosos e radicais, alguns não são. Eu mesmo não sou muito religioso. Sabemos que pedir a um muçulmano que endosse e aceite totalmente as pessoas LGBT vai contra seu sistema de valores. Mas também é contra o sistema muçulmano sequestrar, torturar, abusar mentalmente, segregar famílias, fazer inspeções genitais à força, todas essas coisas não são islâmicas. Eles são feitos pelo regime e em segredo, nas sombras.
Há mais tolerância para quem é turista, para quem está no Catar para ver a Copa do Mundo?
— Sim, isso vale para visitantes e torcedores gays, não para os cataris. Eu não sou bem-vindo e não estaria seguro aí. Mas sei que não vão caçar pessoas durante a Copa.