Setembro foi o mês de prevenção ao suicídio – ou, se preferir, ao autoextermínio. Esse segundo termo parece colocar o dedo na ferida, enquanto o primeiro nada parece dizer. Suicídio é exterminar a si, é terminar a própria vivência, a própria vida. Engana-se quem supõe ser a razão de tal ato o desejo de não mais viver. Extermina-se a si quem não suporta mais o sofrimento vivido, para o qual não há mais saída. Para uma tortura infindável, resta a morte como alívio. Para uma completa desesperança, somente o fim de si é a esperança. Mata-se não por um desejo pessoal, mas pela imposição de quem é mais forte, tem poder insubjugável.
Pessoas transvestegênere tem risco de se matar 4x acima das cisgêneres. As razões são múltiplas e podem ser lidas em outro artigo. Quero destacar duas: a sensação de não pertencer a algum grupo e a de ser um peso para a própria família.
Trazer à memória o que produz esperança é tratamento possível, e disponível, para a absoluta desesperança. Não necessariamente será eficaz. Mas, provavelmente, quanto mais cedo as informações que produzem vida são compartilhadas menor será a desesperança absoluta.
A atriz Maria Clara Spinelli foi entrevistada por Mônica Bergamo, na Folha de São Paulo de oito de outubro. Recomendo a leitura de todo o texto. No Instagram postei uma fala que merece destaque, com um cuidadoso comentário sobre o contexto dela:
“A transgeneridade é uma coisa linda. É assombrosa, é uma experiência única. Só quem passa por ela entende como é rica e dolorosa. Mas o que a faz ser tão dolorosa é o preconceito das pessoas. Também é um aprendizado para todos. Eu também tive que aprender. Também tive medo, também não entendia. Estou me desconstruindo, e vou continuar a me desconstruir.”
A atriz, nascida em Assis (SP) em 1975, recebeu prêmios internacionais como melhor atriz no filme “Quanto dura o amor”. Sua carreira começou em 1990, como bailarina da Companhia Dança-Teatro. Sua estreia como atriz foi em 2002. Um ano após recebeu o prêmio atriz revelação com o monólogo “O Ser Gritante”, baseado em Clarice Lispector. Abandonou a carreira de funcionária pública em 2009 para dedicar-se com exclusividade à de atriz.
Até o presente, iniciando em 2000 (quando deixou a Companhia), participou de cinco trabalhos para a TV (2012, 2016, 2017, 2018 e 2023), três para o cinema (2009, 2016, 2020) e nove para o teatro (2002, 2003, 2003-4, 2005, 2008, 2009, 2013, 2018-9, 2021).
A relação dela com as pessoas transvestegêneres é total. Maria Clara é uma pessoa transfeminina. Seu nome morto é morto – aliás, por que procurá-lo?
No último parágrafo traz remédio para as pessoas trans:
“Eu tenho amigas trans que são doutoras, professoras universitárias, cientistas que trabalham na Nasa. Cadê as histórias dessas mulheres? Cadê os documentários, as capas de revista, os filmes? Agora, a nossa irmã que morreu apedrejada e linchada, isso é recorrente o tempo todo na mídia, e também no audiovisual. Eu já fiz três presidiárias. Já morri de todas as formas, assassinada, crucificada. Já fiz esse lugar que existe, mas que não é a nossa única narrativa.”