Imagem representa a afetividade plural celebrada em decisão da Justiça paulista que reconheceu o registro de contrato particular entre três pessoas.
Nos últimos dias, uma decisão da Justiça de São Paulo colocou luz sobre uma questão que desafia os limites do direito tradicional: a possibilidade de registrar um contrato de união poliafetiva entre três pessoas no cartório, como instrumento particular, com efeitos limitados à publicidade do vínculo. Trata-se de um avanço importante na luta por reconhecimento da diversidade de arranjos afetivos na sociedade brasileira.
Três homens decidiram firmar um contrato que reconhece sua convivência conjunta e estável, uma forma de pacto afetivo múltiplo. Eles apresentaram esse contrato ao Registro de Títulos e Documentos (RTD) da cidade de Bauru (SP), onde o documento foi aceito inicialmente. Depois, o registrador passou a questionar sua legalidade e solicitou judicialmente o cancelamento do registro. O caso foi então encaminhado à 1ª Vara Cível de Bauru.
A juíza responsável pelo caso negou o pedido de cancelamento do registro e reconheceu a validade do contrato firmado entre os três homens. Embora o ordenamento jurídico brasileiro ainda não reconheça a união poliafetiva como entidade familiar, ela afirmou que nada impede o registro de um instrumento particular que reflita a realidade afetiva e patrimonial das partes envolvidas.
Assim, a Justiça confirmou que o registro do contrato de união poliafetiva no RTD tem função legítima: tornar público o vínculo firmado pelas partes. Essa medida assegura validade no plano documental, sem reconhecer qualquer entidade familiar com efeitos legais típicos.
A magistrada destacou que o RTD atua com caráter meramente declaratório. Ele não constitui novos vínculos jurídicos, apenas torna públicos os que já existem. Portanto, nem o cartório nem o Estado devem interferir nas escolhas afetivas das pessoas quando não há violação da lei. A Justiça reconheceu o direito de registrar um contrato que é válido entre as partes.
Ainda que a decisão não crie uma nova entidade familiar, ela garante um direito fundamental: o de celebrar e registrar acordos sobre a vida afetiva e patrimonial entre pessoas adultas, conscientes e capazes. Esse entendimento reforça os princípios da dignidade da pessoa humana, da liberdade contratual e da autonomia privada.
A magistrada destacou que o RTD atua com caráter meramente declaratório. Ele não constitui novos vínculos jurídicos, apenas torna públicos os que já existem. Portanto, nem o cartório nem o Estado devem interferir nas escolhas afetivas das pessoas quando não há violação da lei. A Justiça reconheceu o direito de registrar um contrato que é válido entre as partes.
É essencial entender que o contrato registrado não cria os efeitos jurídicos de uma união estável ou casamento. Ele não assegura, por exemplo, direito à herança, pensão ou comunhão de bens. Por outro lado, o contrato pode servir como prova de uma relação estável e contínua. Ele também pode organizar questões patrimoniais, de convivência e até ser usado em disputas judiciais.
Essa decisão também aponta um caminho para o uso estratégico do direito privado por famílias não convencionais. Contratos, pactos de convivência, testamentos e procurações podem funcionar como ferramentas de proteção em contextos onde o direito público ainda não alcançou.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ainda não reconhecem a união poliafetiva como entidade familiar. Mesmo assim, a decisão da juíza de Bauru mostra que o direito privado permite registrar formas legítimas de afeto, desde que respeitem os limites legais.
A juíza enfatizou que não cabe ao Judiciário emitir juízo moral sobre as escolhas afetivas das pessoas. O papel da Justiça é garantir que ninguém seja discriminado por exercer sua liberdade de amar, conviver e se organizar conforme seus próprios valores.
Apesar do conservadorismo ainda presente, a realidade social segue exigindo novos olhares do direito. Casais e trios formam famílias reais, compartilham casas, contas, cuidados e responsabilidades. O registro de contratos como esse representa mais um passo rumo à visibilidade e à proteção dessas relações.
Há espaço para evoluções maiores. O reconhecimento de direitos patrimoniais, a proteção na sucessão e a formalização de vínculos parentais continuam sendo desafios. A legislação e a jurisprudência precisam caminhar para acompanhar a realidade social.
Até lá, o uso do contrato de união poliafetiva como ferramenta de afirmação e proteção segue sendo um caminho possível, legítimo e, agora, com respaldo judicial.
Fabio Rabello - Advogado