Um dos projetos audiovisuais queer mais aguardados desde o início do ano, “Fabiana” é um documentário que retrata a vida de uma mulher trans, que vive como uma nômade caminhoneira por todo o Brasil.
Viver na estrada é o maior prazer de Fabiana, porém a aposentadoria se aproxima e a mesma deverá deixar para trás suas aventuras com o volante. Com estreia prevista para 2020, a obra enfrenta dificuldades de financiamento junto à “Ancine” – assim como demais roteiros LGBTs no Brasil. Bruna Laboissière, diretora de “Fabiana” afirma que seu projeto irá sim para os cinemas e de quebra nos deu detalhes exclusivos sobre as filmagens. Confira:
Em que data exata o filme começou a ser rodado e quando as filmagens acabaram?
O filme foi rodado do início de dezembro de 2015 até os primeiros dias de 2016. Foram 28 dias de viagem, 11mil quilômetros, partimos de Goiânia e fomos pro Nordeste, depois Rio, São Paulo e voltamos para Goiânia. Lá, uma outra passageira entrou em uma viagem até Belém.
Você quem acompanhou a caminhoneira Fabiana durante as gravações?
Sim, viajei sozinha com Fabiana nos primeiros 18 dias. No 19º dia, sua namorada, Priscila, também mulher trans, entrou na viagem e fizemos o caminho de ida e volta entre Goiânia e Belém, as três, durante 10 dias.
Era uma equipe de apenas 1 pessoa, tanto pelo tamanho da boleia, quanto pela criação de uma espaço de intimidade entre nós.
Vocês passaram por algum perrengue na estrada?
Vários! Durante três dias o caminhão quebrou repetidamente. Uma vez o diesel acabou. Outra vez, Fabiana tinha pressa para fazer um entrega no Ceasa do Rio e houve uma situação tensa de quase assalto. Em outro dia, um animal cruzou a estrada de repente e o caminhão quase capotou. Vida de caminhoneiras e caroneiras não é fácil!
Fabiana vive há 30 anos como caminhoneira e o fato de se apresentar como uma “nômade” é muito curioso também. Você sabe por qual motivo ela vive nas estradas e há quanto tempo ela se reconhece como mulher trans?
Ela se reconhece como mulher trans desde criança, mas o processo de transição começou um pouco mais tarde.
Ela é de Jataí, uma cidade do sudoeste goiano. Ali sua infância e adolescência não foi muito fácil, tanto por ser uma cidade pequena do interior, quanto pela relação com seu pai. Aí aos 20 e poucos anos ela foi para Goiânia. Lá seu primeiro trabalho foi de mecânica de tratores. Em seguida, motorista de ônibus. Logo depois, adentrou a vida de caminhoneira e só parou de viajar com a chegada da aposentadoria. Acho que para ela viver nas estradas além de uma paixão – pessoal por estar sempre viajando – foi uma maneira dela conhecer muitas pessoas, muitas amigas e amigos, e muitos amores.
Fabiana não possui contato com a sua família até hoje?
Sim, ela tem uma relação bem próxima com o filho, que às vezes viaja com ela. Também tem uma relação boa com sua ex-mulher. Seu pais já faleceram. Tinha uma ótima relação com sua mãe, mas não com o pai.
Hoje no Brasil os filmes com temática LGBT vêm sofrendo censura e diversos cortes para financiamento. Como foi a produção deste documentário?
Na parte da produção do filme, não houve censura. Pelo contrário. Conseguimos o Edital Rumos do Itaú Cultural que nos deu toda liberdade de criação e, além do patrocínio, nos apoiou em algumas logísticas da produção. Este é um edital muito interessante, pois acredita e dá espaço a novas/os artistas.
Na parte da distribuição, não tivemos exatamente censura, mas nos inscrevemos em um edital de distribuição da ANCINE, porém até o momento não obtivemos resposta. O que não posso dizer que é censura. Acredito que o que está ocorrendo é uma desmonte geral da Ancine, o que está acarretando todos os projetos. Porém, para nossa alegria, conseguimos o edital de distribuição da SPCINE. Assim, o filme vai estrear em salas de cinema entre março e abril de 2020. Vai ter mulher trans no cinema sim! 🙂
Além deste documentário, você pretende abordar o universo LGBT+ em futuras obras?
Os projetos que tenho em desenvolvimento agora estão mais no debate sobre imigração. Tenho um interesse muito grande em conhecer as trajetórias das pessoas que estão em movimento, que se relacionam com o espaço a partir de um olhar e uma vivência em trânsito. O que me cantou na Fabiana não foi apenas o fato dela resistir como mulher trans, mas como ela foi construindo suas afetividades a partir de uma vida nômade.