MÚSICA

“Sinto orgulho das mulheres e da população LGBTQIAPN+”, declara Marina Lima, ícone da música brasileira, em entrevista exclusiva

A cantora e compositora Marina Lima.
A cantora e compositora Marina Lima.

A cantora e compositora Marina Lima nos contou com exclusividade nesta entrevista imperdível algumas das passagens mais emblemáticas de sua carreira, além de nos prestigiar com algumas informações preciosas sobre a sua formação musical e o processo criativo de suas obras.

Marina Correia Lima nasceu no Rio de Janeiro em 17 de setembro de 1955, mas entre os 7 e 12 anos morou em Washington, cidade onde aprendeu a tocar violão e que exerceu influência em vários aspectos de sua estética musical.

Ao longo dos seus 45 anos de carreira, Marina Lima teve como parceiro mais frequente em suas composições seu irmão, o poeta, filósofo e imortal da Academia Brasileira de Letras Antônio Cícero, que nos deixou recentemente.

Algumas das grandes influências musicais que ela recebeu foram a soul music norte-americana, sobretudo dos artistas produzidos pelo selo Motown e também do Tropicalismo.

Marina Lima foi contratada pela WEA e, em 1979, lançou seu primeiro disco “Simples Como Fogo”, o qual apresenta parcerias suas com Antônio Cícero, além de “Não Há Cabeça” de sua contemporânea Angela Ro Ro, além da clássica “Solidão” de Dolores Duran.

No ano seguinte lançou pela gravadora Ariola o LP “Olhos Felizes”, que projetou seu nome nacionalmente com a canção “Nosso Estranho Amor”, um belo dueto com Caetano Veloso, que também é o compositor da canção.

Também em 1980, pela Ariola, Marina Lima participou do célebre álbum infantil “Arca de Noé” de Toquinho e Vinícius de Moraes interpretando “O Gato” de Toquinho, Vinícius e Luis Enriquez Bacalov.

Em 1981 foi lançado outro clássico de sua discografia, o álbum “Certos Acordes” do qual é válido destacar o hit “Charme do Mundo”, parceria dela com Antônio Cícero e também “Gata Todo Dia”, parceria dela com seus contemporâneos Léo Jaime e Tavinho Paes, que nos deixou ontem.

Marina Lima lançou em 1982 o álbum “Desta Vida, Desta Arte”, um dos álbuns mais interessantes da década de 1980. Dele é válido destacar “Acho que Dá”(c/Tavinho Paes), Depois Me Diz e Mapa-Múndi, estas duas em parceria com Antônio Cícero. Também há no disco um dueto bonito com Zizi Possi, a canção “Essas Coisas Que Eu Mal Sei”(c/Antônio Cícero).

Em 1984 lançou pela Polygram o exitoso LP “Fullgás”, que além da faixa-título, composta por Marina Lima e Antônio Cícero, trouxe preciosidades como “Veneno”, versão de Nelson Motta para a composição italiana “Veleno” de Alfredo Polacci e “Pé Na Tábua”, versão de Antônio Cícero e Sérgio de Souza para “Ordinary Pain” de Steve Wonder. Além destas é válido destacar “Ensaios de Amor”, parceria de Marina Lima com a poetisa Ana Terra, que já havia sido gravada em 1982 por Emílio Santiago. Por último, não podemos nos esquecer dos hits “Me Chama”(Lobão) e “Mesmo Que Seja Eu”(Roberto Carlos/Erasmo Carlos).

Ainda pela Polygram,em 1985, Marina lançou o álbum “Todas”, que lhe garantiu um Disco de Platina pela vendagem de 250 mil exemplares. As canções responsáveis pelo êxito comercial do disco foram:“Eu Te Amo Você” de Kiko Zambianchi e “Nada Por Mim” de Herbert Vianna e Paula Toller.

Outros discos de Marina Lima que tiveram bastante êxito comercial foram “Virgem” de 1987, que lhe garantiu mais um Disco de Platina e “Próxima Parada” de 1989, que lhe garantiu um Disco de Ouro.

Da década de 1990, é válido destacar o álbum “Marina Lima” lançado pela EMI Odeon em 1991, que também lhe garantiu um Disco de Platina e ainda os formidáveis “O Chamado” de 1993 e “Abrigo” de 1995.

Na década de 2000, merecem destaque o genial “Setembro” de 2001 e o celebrado “Acústico MTV” com o qual Marina Lima ganhou mais um Disco de Ouro e ainda lançou o registro como DVD.

Da década de 2010, destacamos o atemporal “Clímax” de 2011 e o potente “Novas Famílias” de 2018.

Marina Lima foi gravada pelos mais variados intérpretes da MPB: Gal Costa, Maria Bethânia, Carlos Navas, Zizi Possi, Filipe Catto, Simone, Verônica Sabino, Belchior, Leila Pinheiro, Fernanda Abreu, Ivete Sangalo, Jussara Silveira, Vânia Bastos, Ney Matogrosso, entre outros.

Ela também recebeu dois tributos em forma de álbum: “Literalmente Loucas” de 2011, que traz a obra de Marina Lima nas vozes de algumas cantoras que começaram a ganhar destaque no cenário musical brasileiro no início da década de 2010 como Tulipa Ruiz, Nina Becker, Bárbara Eugênia, Karina Buhr, Anelis Assumpção e outras contemporâneas delas.

O cantor Quinho lançou em 2018 o tributo “Quinho Canta Marina Lima”, no qual registrou 11 hits que se tornaram conhecidos na voz de Marina Lima.

Para nos debruçarmos com mais propriedade sobre a obra de Marina Lima, Observatório G traz na sequência uma entrevista exclusiva que a cantora nos concedeu há duas semanas.

Observatório G: Quais cantoras e compositoras mais influenciaram seu modo de compor e o seu canto?

Marina Lima: Olha, uma compositora que pode ter me influenciado um pouco seria a Joni Mitchell. Aquele disco “Blue” foi um grande companheiro meu. Não me vem nenhuma outra à cabeça… já cantoras, foram várias: Aretha Franklin, Diana Ross, Gal Costa, Billie Holliday, Astrud Gilberto, Elizeth Cardoso…

Observatório G: Quais foram as principais referências musicais, literárias e cinematográficas que você teve em casa na sua infância e adolescência?

Marina Lima: As musicais foram Elizeth Cardoso, Tom Jobim, Wanda Sá, Baden Powell, Frank Sinatra, Beethoven… isso vindo dos meus pais. Já as minhas escolhas diretas foram Beatles, Stevie Wonder, Aretha Franklin, Gal Costa, Barry White, Maria Bethânia… As literárias foram “Tesouros da Juventude”, Drummond, Machado de Assis, Cabral… estes herdei da família. As minhas escolhas literárias foram Stendhal, Joseph Campbell, Drummond, Vinícius, Doris Lessing… Já as cinematográficas foram “E o Vento Levou”, “Dr Zhivago”, alguns filmes da Carmen Miranda, vindo dos meus pais. Minhas escolhas cinematográficas são muitas, adoro cinema. Pra ficar em três: “Quanto Mais Quente Melhor”, “Alta Ansiedade” e “Corpos Ardentes”. Teriam tantos, mas aí não seria só até a adolescência.

Observatório G: Sua primeira composição com seu irmão Antônio Cícero foi “Alma Caiada” que a Bethânia não pôde gravar devido à censura da ditadura militar. Você poderia contar um pouco essa história? Houve alguma outra composição sua censurada naquele período?

Marina Lima: Não, essa foi a única. Não há muito pra contar. Havia censura, era ditadura no Brasil e a música continha uma frase que dizia: “mas às vezes pressinto que não me enquadro na lei, minto sobre o que sinto, esqueço tudo que sei”. No mínimo, devem ter achado que era a lei da segurança nacional (risos).

Observatório G: Você, Lulu Santos e outros da mesma geração criaram uma estética que é chamada de pop brasileiro. Como você definiria esse conceito de pop brasileiro e que elementos sua música têm que filiam ela a esse gênero musical?

Marina Lima: O que todos se referem, eu imagino, é que antes de mim e desses que você citou, havia mais MPB. Tropicalismo, Jorge Ben, uma outra praia… Era o que tocava na rádio. Com nosso surgimento chegou uma cultura mais pop, rock, punk… Um interesse do jovem pelo comportamento mundial, pelas mudanças que estavam acontecendo no mundo e menos pela brasilidade propriamente.

Observatório G: Gal e Caetano tiveram grande importância na sua carreira. Gal foi a primeira cantora a registrar uma composição sua e Caetano compôs e cantou com você “Nosso Estranho Amor”, que projetou seu nome nacionalmente. Você poderia contar um pouco sobre o lugar que eles dois, Caetano e Gal, ocupam na sua carreira musical?

Marina Lima: Gal foi a primeira cantora que vi, aliás, assisti no programa do Chacrinha pela televisão, que me fez sentir brasileira. Eu me reconheci nela, em tudo. Foi a minha grande paixão musical durante anos. E o Caetano, primeiro, um sujeito que eu admirava muitíssimo como compositor, como pensador… Depois viramos amigos próximos. Foi enriquecedor trocar com ele. Conversar, aprender, às vezes até ensinar… Assuntos tão diferentes, desde cultura pop, cultura brasileira, comportamento, religião, sexualidade. Gal e Caetano ocupam lugares de honra no meu coração

Observatório G: Você já disse em algumas entrevistas que teve um choque cultural ao se mudar aos 5 anos para os Estados Unidos. O que você absorveu desse período morando lá e como ele contribuiu pra sua estética musical?

Marina Lima:Eu imagino que tudo (risos). Direta ou indiretamente, absorvi tudo. Contribuiu porque eu tive desde cedo o maior contato com várias culturas, tanto da América Latina, quanto norte-americana e europeia. Isso trouxe uma diferença estética grande para o meu trabalho musical e acho que na minha visão de mundo geral. Não tenho uma vivência interiorana, acabei sempre morando em grandes cidades, feito Washington, Rio de Janeiro, São Paulo. É a vivência que tenho.

Observatório G: Você poderia comentar um pouco acerca da gravação do histórico videoclipe “Garota de Ipanema”, que foi o primeiro exibido em rede nacional pela MTV Brasil?

Marina Lima: Sim. Há várias peculiaridades… Ele foi concebido em cima do remix que o Dudu Marotti fez para a minha versão de “Garota de Ipanema”. Segunda peculiaridade, foi dirigido por um inglês, Jon Klein e todo gravado em São Paulo (risos). A Garota de Ipanema fez um clipe em cima de um dos prédios altos, icônicos de São Paulo. Me lembro que achei graça do clipe. A diretora de arte era a Mari Stockler… Era o começo da MTV com aquele time de profissionais de primeira linha. Foi o canal da MTV chegando com toda estética de videoclipe ao Brasil.

Observatório G: Como você definiria a sua parceria musical com seu irmão Antônio Cícero?

Marina Lima: Quando comecei a compor ao lado do meu irmão Antonio Cicero, aos 16 anos, tinha que fazer músicas boas que o seduzissem a escrever letras para elas. Meu primeiro crivo era em casa, na família. Cicero é meu parceiro musical de uma vida toda. Fizemos uma obra juntos .

Observatório G: Você já compôs também com outros parceiros como Alvin L, Fernanda Young, Arnaldo Antunes, Adriana Calcanhotto e Samuel Rosa. Você poderia contar um pouco como aconteceram esses encontros e parcerias com esses outros compositores?

Marina Lima: O Alvin é meu parceiro há muitos anos. Eu conheci o Alvin na época de um disco meu chamado “Marina Lima”. Eu já estava terminando de fechar o repertório do disco quando ganhei uma fita cassete com músicas do Alvin. No meio dessa fita tinha “Não Sei Dançar”. Conheci o trabalho do Alvin através de “Não Sei Dançar” que é uma obra-prima e que eu gravei nesse disco e, claro, nos conhecemos depois disso, nos tornamos amigos e terminamos parceiros. A Fernanda foi um cometa que passou pela Terra cheia de luz , inteligência , humor e bom gosto. Do pouco tempo que convivemos, compusemos duas músicas que eu adoro: “Síssi” e “Estou Assim”. As duas estão no disco “Síssi Na Sua”. Fernanda permanece iluminando tantas áreas desse mundo. Admiro muito o Arnaldo, fizemos juntos a música “Grávida” do disco “Marina Lima”. Tenho vontade de compor mais com ele . Adriana gosto demais , temos muitas afinidades e uma parceria linda intitulada “Não Me Venha Mais Com o Amor”, do meu disco “Clímax”. Samuel é um gentleman. Temos a parceria na música “Pra Sempre” também do disco “Clímax”.

Observatório G: Você gravou a canção “Nóis” com Mano Brown. Como foi esse encontro e como você entende a importância e a força dele na música brasileira contemporânea?

Marina Lima: Durante a pandemia eu fiz uma música. Não tinha feito a letra, tinha feito a ideia da música, o baixo, os teclados, toda a música, toda a ideia. Brown me mandou uma mensagem assim: “E aí, Marina, como é que você está nessa pandemia? Pô, baixo astral e tal”, então, eu falei: “Mano Brown, é agora, não podemos fazer nada, é a hora de compor, vou te mandar uma música e vê se você gosta”. Mandei a música e ele falou: “Amei a música, adorei”. Então, eu falei: “vem pra cá”. Marcamos e ele começou a vir aqui em casa . Toda semana ele vinha, ficava duas, três, quatro horas aqui, porque eu tenho um estúdio com computador, meus teclados, o microfone, o violão, um lugar incrível onde eu fiz o EP “Motim”, gravei ele todo aqui em casa. Então fiz uma letra, a letra da canção “Nóis”, sobre mim, sobre ele, o Brasil, a situação, o desejo de estar junto, sobre o que eu sentia principalmente tendo ele perto de mim. Fiz uma melodia em que eu canto a minha letra como um contracanto com o vocalize que ele fazia, pra poder cantar com ele, foi assim que nasceu “Nóis”. O Brown tem uma força indescritível. Ele é potente, forte, seguro. Admiro muito as músicas e o trabalho que ele faz há anos .

Observatório G: Você sendo mulher e LGBTQIAPN+ percebeu algum avanço político para as mulheres e a comunidade LGBTQIAPN+ no Brasil nas últimas décadas?

Marina Lima: Hoje mudou, está caminhando para um lugar mais justo, mas ainda não está tudo dominado. Sinto orgulho das mulheres e da população LGBTQIAPN+. Toda a nossa maioria, porque somos maioria mesmo, está levando lindamente essa luta. Vamos em frente, pois ainda temos muito a conquistar.

A elegância e modernidade da voz e das composições de Marina Lima nos faz sentir o frescor que a música criativa brasileira continua a nos oferecer ainda hoje.

Que seu trabalho tão universal e tão brasileiro continue a encantar as mais diversas gerações e geografias do nosso país.

Viva, Marina Lima!

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