Na postagem anterior, comentei sobre mentiras e mitos, a diferença entre eles e como, frequentemente, um alimenta o outro. Uma das justificativas para excluir a atenção para as pessoas trans é afirmar que elas somente existem a partir do século XX; apenas uma “invenção moderna”. Não deixa de haver uma verdade nesta afirmação, mas não é o dito a verdade, é outra informação.
Palavras são desenvolvidas ao londo do tempo, conforme a necessidade. Cada língua tem seu jeito próprio de se adaptar às novidades. Disco voador não existia antes do século XX, simplesmente porque não fazia sentido – discos não voam. Nem mesmo a nomenclatura supostamente oficial, objeto voador não identificado (OVNI), era conhecida.
A palavra transgênero é recente, assim como homossexualidade. Assim como disco voador… A diferença é que os últimos têm existência controversa, mas a palavra está em circulação assim mesmo. Pessoas transgêneras existem, não há controvérsia. Mas o termo foi cunhado no início do século passado para descrever pessoas onde o gênero designado ao nascimento não era reconhecido por elas enquanto cresciam. Até então, outras palavras que pouco descreviam a situação eram usadas. E como transgeneridade existe em praticamente todas as culturas, todas elas usam algum termo para se referir a ela.
Mas a questão em foco é a antiguidade, não a ubiquidade. No ano de 2.300 ac os adoradores da deusa Inanna escreveram o seguinte hino de louvor a ela:
acalmar-se e pacificar
são seus, Inana.
Caminhar, correr,
levantar-se, cair
e …… um companheiro
são seus, Inana.
Abrir estradas e caminhos,
um lugar de paz para a jornada,
um companheiro para os fracos,
são seus, Inana.
Preservar estradas e caminhos,
esmagar a terra e torná-la firme
são seus, Inana.
Destruir, edificar,
arrancar e plantar
são seus, Inana.
Transformar homem em mulher
mulher em homem
são seus, Inana.
Desejo e excitação,
bens e propriedades são seus, Inana.
Lucro e proveito,
grande riqueza e maior riqueza ainda
são seus, Inana.
Enriquecer e ser bem sucedido,
empobrecer e falir
são suas, Inana.
escolha, oferta,
inspeção e aprovação
são suas, Inana.
Dar virilidade, dignidade,
anjos da guarda, divindades protetoras
centros de culto
são seus, Inana.
Há mais de 4000 anos pessoas acreditavam que era possível modificar o gênero das pessoas. Não é coerente imaginar que, no hino que cita eventos ligados ao cotidiano, tenha sido enxertada uma frase sem nenhum lastro na realidade ou no imaginário. Qualquer uma dessas possibilidades obriga a reconhecer a antiguidade do fenômeno.
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