Angelina Jolie apresentou à consideração dos leitores as palavras transicionar e destrancionar, explicadas em texto anterior. A pergunta que surge: é simples assim? Como acender e apagar uma lâmpada? Como trocar de camisa?
Pessoas transvestegêneras existem em todas as sociedades e não são um número desprezível. O incômodo que elas trazem para visões condicionadas pelas cisnormatividade, ou conservadoras, torna o fenômeno do destransicionar fato precioso. Afinal, “se pessoas que decidiram mudar de sexo mudam de ideia é porque ela estava errada desde o início”.
Importante esclarecer alguns pontos.
Pessoas trans não são pessoas que mudam de sexo. Pessoas trans mudam de gênero. Sexo e gênero são questões diferentes e artificialmente vinculadas.
Pessoas trans não escolhem ser trans. Este fato é um destino que lhes é imposto, e que a sociedade governada pela ideologia da cisgeneridade transforma em fardo.
O percentual de pessoas trans que destrancionam é difícil de ser verificado. A literatura médica aponta percentuais frequentemente abaixo de 1%. A minha experiência profissional (desde dezembro/2017) vai na mesma direção.
Qual o problema em destrancionar?
É um sofrimento pessoal para quem vive a experiência, graças ao empobrecimento da questão que o julgamento moral das pessoas que a cercam traz. Este pode se manifestar por frases como “bem que avisei”, “quem mandou contrariar a vontade de Deus?”, “bem-feito, foi mexer com o que não sabe!”. O sofrimento é ampliado de forma desnecessária por esta atitude desumana.
Destransicionar, de forma honesta, ou seja, sem pressões, é uma demonstração prática de como o conceito de gênero é uma construção social. Enquanto construto ela tem significado importante para cada pessoa, mas não é um conceito sobre si mesmo imutável.
Conservadores compreendem que o destransicionar comprova um erro cometido. Contudo, não analisam que quem transiciona o faz livremente, honestamente e com convicção do que faz. Não é uma farsa, um jogo, uma brincadeira. É sério. Não compreendem que quem honestamente destranciona o faz livremente, honestamente e com convicção do que faz. Não é uma farsa, um jogo, uma brincadeira. É sério.
Gênero é uma imposição social que encontramos ao nascer. Mas não é destino para, pelo menos, 2% da população brasileira. Transicionar e destransicionar é uma evidência empírica deste fato.