Crianças e adolescentes transvestegêneres existem. Como elas são tratadas?
Antes de mais nada, vamos tomar cuidado com a palavra “tratadas”. Tratar tem significados diferentes. Pode ser cuidar de uma doença para que ela seja curada. Pode ser cuidar, tomar conta. Como transgeneridade não é doença, a pergunta é “como elas são cuidadas?”
O passo mais importante no cuidado com elas é acolhê-las. Recebê-las enquanto pessoas trans e não como pessoas com problemas ou doenças ligadas ao gênero. Acolher suas dúvidas. Discutir as questões que trazem. Apoiá-las na expressão do gênero por elas percebido: na família, na escola, nos clubes. Prescrever hormônios não é o cuidado fundamental para as pessoas transvestegêneres; incluindo crianças.
Quando atingem a adolescência, há uma questão delicada a decidir. Vamos permitir que as transformações corporais contrárias ao gênero percebido por adolescentes aconteçam? O que causará maior dano: permitir as modificações ou bloqueá-las?
Bloquear a puberdade é uma opção. Diversas questões esta ação levanta. E diversas repercussões, inclusive legais. A prisão pode ser o destino de profissionais que auxiliem a transição de crianças trans e outras legislações são pensadas. No Brasil, profissionais da medicina têm normas a seguir, ditadas pelo Conselho Federal de Medicina – não são punitivas, mas restringem o que é possível ser feito. A justificativa daquela entidade é que este processo não tem ainda evidências científicas que demonstrem um grau de segurança e de resultados positivos a longo prazo.
Há uma ideia de que as crianças trans espontaneamente deixam de sê-lo à medida que crescem. É um dado questionável. Um estudo aponta que 45% dos adolescentes entre 14 e 18 anos de idade não se mantêm na transgeneridade. Outro encontrou que entre crianças de 3 a 12 anos 93% delas permanecem trans após 5 anos. Esta indefinição estatística é um dos argumentos usados para justificar não bloquear a puberdade.
Na Holanda a opção de bloqueio do início da adolescência está disponível através de um protocolo desde 1998. Uma equipe de pesquisa executou um trabalho recentemente publicado que procurou responder à pergunta: quantas pessoas que se submeteram ao bloqueio hormonal na adolescência persistiram na transvestegeneridade no início da idade adulta?
A amostra (grupo de pessoas que participaram do estudo) foi de 720 adolescentes menores de 18 anos. Pessoas trans masculinas eram 69% do total. O estudo encontrou 98% de persistência na transgeneridade entre as 720 analisadas.
Toda pesquisa científica tem pontos fortes e fracos, principalmente quando envolve seres humanos. E quanto maior a complexidade do evento estudado, maiores as dificuldades. O trabalho tem seus defeitos, mas no geral aponta que o bloqueio da puberdade corretamente iniciado é medida correta a ser adotada.