Universidade… difícil de entrar, difícil de ficar, difícil de terminar… No Brasil, uma minoria está na universidade: 18% dos jovens de 18 a 24 anos lá estão (e o alvo para 2024 eram 33%). Dados oficiais sobre o período 2010-2019 mostram que 52% das pessoas que ingressaram em uma instituição federal desistiram, e 62% das que ingressaram em uma instituição privada.
São as escolas privadas que detêm o maior número de matrículas (78%) e nas escolas federais 70% das pessoas vivem com até um salário mínimo e meio.
Quais os principais motivos levantados para a desistência? Dificuldades financeiras (33%), em conciliar trabalho e estudo (24%) e problemas de saúde (21%).
Um quinto das pessoas que iniciaram o sonho da universidade desistiram porque a saúde não permitiu… Quais seriam estes problemas? A literatura especializada informa também que a instituição universitária potencializa alguns problemas relacionados à saúde: problemas de saúde mental (ansiedade, depressão), redução de hábitos promotores de saúde (período de sono, dieta), promoção de hábitos ameaçadores a saúde (álcool e outras drogas), doenças cardiovasculares… vulnerabilidade sexual.
Este último ponto é o nosso foco: vulnerabilidade sexual. Existe pouca pesquisa sobre a saúde LGBTQIA+ nas instituições de ensino, inclusive as superiores. Naquelas da área de saúde as pessoas não cis-heteronormativas são indesejáveis. Em uma instituição norteamericana 10% do corpo discente acreditava que homoafetividade deve ser punida, e percentual semelhante tem antipatia por minorias sexuais. Outra informa que esta população convivem com o medo: 40% de pessoas matriculadas no curso de medicina sofreram discriminação por parte de colegas, corpo discente e pacientes. Entre as transvestegêneres, 60% escondem a identidade de gênero e entre as homoafetivas 1/3 não apresenta orientação afetiva.
Muito é necessário estudar para compreender, prevenir e tratar. Mas ignorar o problema, torná-lo invisível, de forma premeditada ou não, é o que prevalece até este momento. Por exemplo, enquanto estima-se em 2% a população trans brasileira, sua presença na universidade é de 0,2%. Será isso mesmo, ou faltam condições de segurança física e emocional para se declarar trans?
Um aluno de medicina relatou o que escutou durante sua formação: “ainda bem que não veio aquele viado, senão tacaria fogo nele”, disse um anestesista na função de professor; “você é muito afeminado. Se contenha na enfermaria”, disse um professor de clínica. O aluno conta como se sentiu: “a falta de pertencimento e a exclusão trouxeram-me a depressão e a ansiedade. Quantas vezes pensei em desistir do que mais amava porque não era bem-vindo?… A minha maior conquista se transformou na minha doença. E ironicamente quem foram os principais responsáveis pelo meu adoecimento? Pessoas que curam. Pessoas que deveriam curar.”
Rani Mercês, aguerrida mulher trans de Belo Horizonte, compartilhou em evento público como foi recebida na sala de aula da graduação em educação física: com fezes na sua carteira.
Na ausência de estudos científicos específicos é válido supor algumas situações. A vulnerabilidade das pessoas transvestegêneres é maior na sua transição, aquele momento em que ocorre a migração de um gênero a outro (se a pessoa for binárie) ou a saída daquele atribuído ao nascimento para uma situação não binária. Esta migração ocorre com a adoção de um novo nome, modificações visuais e uso de hormônios (uma opção, não uma obrigação). Não é possível ficar invisível. Esta invisibilidade surge apenas quando há “passabilidade”, ou seja, as características oficiais e fisionômicas do gênero inicial não são mais visíveis.
Uma pessoa trans assim reconhecida por sua turma de faculdade passará desapercebida ao longo do curso?
Se pessoas cis e heteros sofrem com dificuldades financeiras, emocionais, cobranças acadêmicas excessivas, expectativas familiares, as pessoas não cis e não heteros têm o acréscimo de serem vistas como pessoas doentes, não merecedoras do status universitário que ocupam… Alguém se habilita em ampliar a lista?
Como mudar? Como aliviar sofrimento desnecessário?
Facilitação do acesso de pessoas trans (por exemplo, através de cotas) é uma saída. Reportagem em 2019 conta que 19% das universidades públicas as ofereciam. Se elas são apoiadas por ouvidorias independentes, programas de apoio, discussão do que é violência e assédio moral, do que é violência e assédio sexual, ampliação do currículo para discussão da saúde LGBTQIA+, diálogo permanente com coletivos LGBTQIA+ talvez haja uma luz…