Há filmes que não apenas nos tocam, mas nos transformam. Kyss Mig (2011), dirigido e roteirizado pela sueca Alexandra-Therese Keining, é um desses tesouros raros. Conhecido em inglês como With Every Heartbeat ou Kiss Me , este drama romântico sueco transcende a história de amor entre duas mulheres. É um espelho para nossas lutas internas, um convite à introspecção e um lembrete de que ouvir o coração pode mudar tudo. Em 105 minutos, somos levados por paisagens escandinavas banhadas em luz suave, mas é na jornada emocional dos protagonistas que realmente nos perdemos.
Confesso que nunca tinha assistido a Kyss Mig, até recentemente, e, mesmo com um toque de clichê que todo amante de filmes românticos como eu adora, ele me conquistou. E, sim, para os curiosos, o final é um sopro de esperança , um desfecho feliz que não decepciona. Não à toa, o filme levou o Prêmio Revelação no Festival AFI de 2011.
A trama acompanha Mia Sundström (Ruth Vega Fernandez), uma arquiteta de Estocolmo com uma vida aparentemente perfeita. Noiva de Tim (Joakim Nätterqvist), um homem gentil e dedicado, segue o roteiro da felicidade convencional: casamento, estabilidade, segurança. Mas o destino, sempre imprevisível, intervém. Na festa de noivado de seu pai, Lasse (Krister Henriksson), com Elizabeth (Lena Endre), Mia conhece Frida (Liv Mjönes), filha de Elizabeth e sua futura meia-irmã. Frida é o oposto de Mia: livre, confiante, com uma energia que ilumina tudo ao seu redor. O que começa como uma faísca de curiosidade logo se torna uma paixão avassaladora, impossível de ignorar.
O coração de Kyss Mig pulsa na química entre Mia e Frida. Ruth Vega Fernandez entrega uma Mia contida, quase frágil, cujos olhos revelam um turbilhão interno. Cada olhar é um grito silencioso de alguém que, pela primeira vez, questiona quem realmente é. Liv Mjönes, por sua vez, faz de Frida uma força da natureza, mas com uma vulnerabilidade que se revela no amor. Uma das cenas mais marcantes acontece em uma casa de campo na ilha de Fyn, Dinamarca, onde as duas, forçadas a dividir um quarto, trocam olhares hesitantes sob a luz dourada do verão escandinavo. Filmada com delicadeza por Ragna Jorming, a sequência culmina em um beijo impulsivo , tímido, mas feroz , e que muda tudo. Esse momento não é apenas o ápice romântico, é a ruptura que obriga Mia a confrontar o conflito entre dever e desejo.
O filme brilha por dois elementos principais: a química entre os protagonistas e o chamado olhar feminino . Diferente do olhar masculino , que muitas vezes reduz a mulher a objeto, o olhar feminino em Kyss Mig oferece uma perspectiva feminina autêntica, celebrando a complexidade emocional e a agência das personagens. Aqui, o desejo é filmado com respeito e profundidade, criando uma narrativa que ressoa com verdade.
Além do romance, Kyss Mig mergulha nas dores da autodescoberta e nas complexidades familiares. Mia carrega as cicatrizes de uma relação distante com o pai, e em Frida encontra não apenas uma amante, mas um reflexo de quem ela poderia ser. Frida, por sua vez, enfrentou o medo de amar alguém preso a outro compromisso. As atuações de Krister Henriksson e Lena Endre, como Lasse e Elizabeth, trazem camadas de realismo. Lasse, com sua mentalidade tradicional, representa a resistência à mudança, enquanto Elizabeth, maternal e intuitiva, simboliza o acessível. Esses ditos familiares, tão universais, elevam o filme além do rótulo de “cinema queer”, falando a qualquer um que já está escondido para ser fiel a si mesmo.
A estética é um personagem à parte. As paisagens de Fyn, com campos verdes e o sol dourado, contrastam com a tormenta interna de Mia. A cinematografia de Jorming usa a luz natural para criar uma intimidação quase tátil, como se estivéssemos testemunhando segredos proibidos. A trilha sonora, com músicas de Robyn, José González e composições de Marc Collin, amplifica as emoções. “Release Me”, de Oh Laura, ressoa como um hino à liberdade que Mia busca, cada nota ecoando sua jornada.
O que faz Kyss Mig especial é sua honestidade. Não há vilões, apenas pessoas navegando pelas complexidades da vida. Tim, o noivo de Mia, ainda não é um obstáculo estereotipado, mas um homem genuinamente bom, o que torna a escolha de Mia mais dolorosa. O filme não romantiza o amor como uma solução mágica; ele mostra que escolher o coração exige coragem e, muitas vezes, sacrifícios. Ainda assim, o desfecho , que deixo para você descobrir comemora as consequências sem ignorar as cicatrizes do caminho.
Assistir a Kyss Mig é como abrir uma janela para um mundo onde o amor, em todas as suas formas, é possível. É um filme sobre coragem, um beijo roubado, uma verdade dita, um passo rumo ao desconhecido. Fecho os olhos e vejo Mia e Frida dançando no limiar do proibido, sem promessas, mas com uma ousadia que ilumina. Duas almas, antes estranhas, agora entrelaçadas, movidas por um amor cru, feroz, banhado por estrelas.
E, sim, me julguem, eu quero um amor assim, que me pegue de surpresa, que me desafie, que seja arrebatador. Um amor como o de Mia e Frida, com coragem para existir e a promessa de um final feliz. Kyss Mig é uma joia que merece ser descoberta , e, quem sabe, talvez inspire você a ouvir o pulsar do seu próprio coração.
Cultivemos nossas ilhas !! Eu sinto !!
Silvia Diaz , é Atriz, Performer, Dramaturga e Roteirista. Estudou interpretação Teatral(Unirio). Graduada em Produção Audiovisual(ESAMC). Dramaturgia ,SP escola de Teatro. Apenas uma Artista que vende sonhos em dias cinzentos. E quando os dias não forem tão trevosos, ainda assim continuarei a vender meus sonhos!! Cores, abraços, afetos, lua em aquário. Fluindo . Cultivando minha Ilha.. Eu Sinto…
@silviadiaz2015