Em crescimento assustador entre os jovens, HIV é retratado em três peças no Rio

Símbolo da luta contra o HIV/AIDS
Símbolo da luta contra o HIV/AIDS (Foto: Reprodução/Internet)

Do portal Prevenção combinada

‘O segundo armário’, ‘O cavaleiro amarelo’ e ‘O rapaz da rabeca e a moça Rebeca’ falam de angústias, medos e descobertas das pessoas infectadas pelo vírus da Aids

No dia 11 de abril de 2011, então aos promissores 27 anos, o carioca Salvador Corrêa viu seu temor maior se materializar num diagnóstico certeiro inscrito numa folha de papel: havia contraído o vírus HIV. Da negação ao medo do desamor e da morte pela Aids, do autopreconceito e da solidão à conclusão de que sua vida poderia, sim, prosseguir a partir dali, Corrêa, sem forças para relatar o infortúnio à família e aos amigos, chorou suas angústias num blog. Os escritos no site viraram livro, e, depois, peça.

O monólogo “O segundo armário”, em cartaz a partir de hoje na Sala Zaíra de Oliveira, no Memorial Getúlio Vargas, na Glória, por onde já havia passado ano passado, não está sozinho ao dar voz ao desconsolo de quem se descobre soropositivo. Diferentes recortes da vida com o vírus – muito mais vida do que vírus – ganham os palcos na peça “O cavaleiro amarelo”, até domingo no Centro de Cultura Laura Alvim, e “O rapaz da rabeca e a menina Rebeca”, no Museu da Vida, da Fiocruz, todas as sextas até o junho.

O termo “segundo armário” foi cunhado pelo autor porque ele enxerga similaridade entre o segredo sobre a homoafetividade (“ficar no armário”) e a sorologia. Na peça, o personagem, vivido pelo ator Hugo Caramello, primeiro constrói a ilusão de que tudo pode ter sido um erro do laboratório. Depois, reluta em dividir com quem ama a notícia.

HIV E AIDS

Ensimesmado pela dor, passa, então, a partilhar sua vivência com desconhecidos no blog, usando pseudônimo. Mas fala do temor de nunca mais ter namorados. Dos efeitos colaterais dos remédios. Do entendimento de que ter o HIV não é o mesmo que desenvolver a Aids.

Até que vem a saída do segundo armário, quando ele conclui que é hora de olhar para frente, e que “reagente (o resultado positivo para a presença do HIV no sangue) nem sempre é ruim”, significa também que é hora de reagir.

— Eu achava que não tinha preconceito com o HIV, mas tinha. Você acaba se confundindo com o vírus, perde a sua humanidade. De fato é o que a sociedade faz com você. O vírus ideológico, como dizia o Betinho, é que mata, levando à depressão, ao suicídio. Você morre ainda vivo – conta Salvador, psicólogo, ativista e mestre em saúde pública.

O diretor, Jean Mendonça, já havia trabalhado com essa temática nos espetáculos “Amor e restos humanos” e “Pobre super homem – Avesso do herói”, ambos do autor canadense Brad Fraser, e atravessadas pela questão do HIV:

— O teatro tem um potencial de acolhimento muito grande ao falar de momentos terríveis de desespero. Esse carinho falta a muitas pessoas.

O espetáculo

“O cavaleiro amarelo” ganhou o noticiário justo no fim de sua temporada quando o deputado estadual Rodrigo Amorim, do PSL de Jair Bolsonaro, criticou nas redes sociais uma cena em que uma foto do presidente é alvo de tinta vermelha. É uma alusão ao possível enfraquecimento da bem-sucedida política federal para o HIV| Aids. O espetáculo, sob direção de Ricardo Rocha, vai ao início da epidemia, nos anos 1980.

— Temos momentos realistas e outros mais alegóricos. Contudo, num momento de retrocesso, em que há ameaça de descontinuidade numa política de saúde de distribuição de medicamentos, com um falso moralismo por trás disso, temos que protestar. Mas não é gratuito – afirma o autor, Felipe Pedrini.

Um cordel falado, “Romeu e Julieta” nordestino, “O rapaz da rabeca e a moça Rebeca” é uma história de amor entre um rapaz pobre que se torna um artista famoso a viajar pelo mundo e a uma moça rica para quem ele deseja voltar. No meio desse percurso, ele se vê infectado pelo HIV. A inspiração veio do cordelista cearense José Mapurunga. A encenação circula desde 2015.

Outras linguagens

Diretora e atriz da peça, Letícia Guimarães vê no cordel, com seu humor e musicalidade. Um veículo potente para tratar de um tema que segue um tabu. Num momento em que o HIV se espalha entre os jovens, mas a notificação de infectados entre 14 e 24 anos cresceu 700% entre 2007 e 2017, segundo o Ministério da Saúde -, e no qual a educação sexual nas escolas é demonizada, ela e os outros criadores apostam na força do teatro para sepultá-lo.

— O alvo é o público jovem mesmo. Recebemos muitos alunos de escola pública. O adolescente não sabe se prevenir. Nos debates que temos depois, já surgiram relatos de uso de saquinho de sacolé como camisinha. Ainda existe o estigma de que é um vírus de gays, sendo que hoje há mais pessoas heterossexuais infectadas no mundo do que homossexuais – diz Letícia.

“O segundo armário”
Onde: Sala Zaíra de Oliveira (2205-8191). Quanto: R$ 40. Quando: Sextas, às 19h, até 26 de abril. Classificação: 16 anos.

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